segunda-feira, 29 de julho de 2019

Por quem os sinos dobram?





É dramática a situação do Sistema Penal paraense. 

Hoje, 29, uma guerra entre facções criminosas levou a um assassinato em massa, na penitenciária de Altamira. 

57 presos foram mortos (16 deles por decapitação; o restante, por asfixia), naquele que é, possivelmente, o maior massacre em uma penitenciária brasileira, na história recente. 

Sejamos honestos: nenhum de nós quereria o azar de encontrar com qualquer desses cidadãos: os que vieram a ser mortos e aqueles que os mataram. 

Todos foram ou são pessoas perigosíssimas. 

Integram ou integraram organizações criminosas, que matam e mandam matar quem quer que lhes atravesse o caminho – homens, mulheres, idosos. 

Daí que é difícil até que os demais cidadãos sintam algum tipo de compaixão por tais detentos, e que a sociedade se mobilize para evitar a repetição de crimes assim. 

O problema é que esses cidadãos estavam ou ainda estão sob a guarda do Estado, o que significa que não podem sofrer qualquer tipo de violação aos seus direitos. E muito menos serem assassinados. 

Daí que tal massacre é, antes de mais nada, um desafio ao poder do Estado; ao poder de proteger, reprimir e manter a ordem nas nossas casas penais. 

E se já não conseguirmos ser movidos por compaixão ou por sentimentos cristãos a esses seres humanos, temos ao menos de considerar o quanto esse massacre pode fortalecer ainda mais essas organizações criminosas, que todos nós queremos e precisamos combater. 

Afinal, a dimensão e as circunstâncias desse crime (praticado com uma brutalidade impressionante e no interior de uma penitenciária) fazem dele, também, uma enorme demonstração de poder. 

É verdade, caro leitor: esses grupos criminosos têm desafiado o Estado todos os dias, ordenando crimes de dentro das penitenciárias, inclusive, assassinatos de nossos policiais. 

Mas uma coisa é mandar matar este ou aquele cidadão que está nas ruas, mais indefeso e exposto ao perigo. 

Outra, é massacrar 57 cidadãos de uma vez, e todos eles, em tese, vigiados e protegidos por todo um aparato de Estado: muros, cercas, guardas, câmeras, e por aí vai.  

Por mais grave que seja a morte, nas ruas, deste ou daquele cidadão, não dá para comparar com o impacto desse crime que vimos hoje, inclusive, como “injeção de ânimo” a essas facções. 

E a grande questão é: como o Pará conseguirá responder a esse desafio e afirmação de poder? 

É verdade que o governador Helder Barbalho agiu rápido: hoje mesmo, já providenciou a transferência de 46 envolvidos nesse massacre, para outras unidades prisionais (10 deles para prisões federais): https://www.oliberal.com/policia/governo-confirma-57-mortos-no-pres%C3%ADdio-de-altamira-e-determina-transfer%C3%AAncia-imediata-de-46-detentos-1.177531 

Também é verdade que, em junho último, o Sistema Penal conseguiu impedir rebeliões coordenadas em vários presídios e ataques em massa em Belém, com a transferência de 30 líderes desses grupos para prisões federais: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2019/06/21/governo-do-para-faz-transferencia-de-30-detentos-para-tres-presidios-federais.ghtml 

Mas o problema é o próprio estado do Estado do Pará, após duas décadas de inércia, irresponsabilidade e sucateamento, em todos os setores, o que levou a esse caos que vemos hoje. 

Afinal, foi justamente em meio a essa inércia, irresponsabilidade e sucateamento que essas organizações criminosas conseguiram se instalar e crescer, em todo o território paraense. 

Enquanto o então governador tucano enriquecia, a nossa população ia se tornando cada vez mais abandonada e miserável, sem acesso à educação, saúde, segurança, emprego. 

Os nossos jovens, especialmente, tornaram-se presas fáceis dessas facções, nesses amplos territórios que o jatenismo como que “apagou” da sua maravilhosa “ilha da fantasia”. 

E como não houve investimentos significativos nem mesmo em penitenciárias, hoje o que temos são barris de pólvora na forma de casas penais. 

Em janeiro deste ano, o advogado Jarbas Vasconcelos, o novo superintendente do Sistema Penal paraense, concedeu uma longa entrevista à Perereca, na qual falou sobre essa situação: https://pererecadavizinha.blogspot.com/2019/01/novo-superintendente-da-susipe-investe.html 

Na época, o Pará possuía quase 20 mil presos, para menos de 10 mil vagas em suas penitenciárias. 

Quase metade desses detentos eram presos provisórios, ou seja, gente que nem sentenciada havia sido. 

Boa parte, como cometeu infrações mais leves, pegaria uns 8 anos de cadeia, se tanto, quando julgada. 

Mesmo assim, já estava ali, engaiolada, junto com mestres e doutores da universidade do crime...

A própria estrutura física dessas penitenciárias estava em uma condição horripilante. 

E a segurança deixava tanto a desejar que, nas revistas aos presos, a polícia encontrou até arma, rádio, cassetete e colete balístico (sem falar em celular, bebida, droga e por aí vai). 

Na entrevista, Jarbas admitiu que estava em cima de uma verdadeira bomba. 

“É um barril de pólvora” – disse ele - “Se hoje, no jantar, estiver um pouco mais salgada a comida, eu posso ter uma casa penal incendiada. Então, as coisas hoje adquiriram uma dimensão...Não existem mais pequenas coisas, porque todas elas adquiriram uma dramaticidade, uma radicalidade, que não existe mais um pequeno problema dentro do cárcere. Todos são grandes”. 

Ele também disse que pretendia resgatar o controle das penitenciárias, que se encontravam (e ainda se encontram) nas mãos dessas organizações criminosas. 

Mas tenho pra mim que Jarbas sabia (e ainda sabe) que nada disso acontecerá em um passe de mágica. 

Tudo ainda demandará muito, muito tempo e muito, muito dinheiro. 

Até porque não há como reconstruir 20 anos em apenas 7 meses. 

Ou, ainda, obter rapidamente os 6 ou 7 bilhões de reais para investimentos, que simplesmente “evaporaram” durante os últimos 8 anos do jatenismo, e que teriam feito uma diferença danada em toda essa situação. 

Espera-se, no entanto, que o governador Helder Barbalho e o superintendente do Sistema Penal, Jarbas Vasconcelos, estejam atentos para a necessidade desesperadora de correr contra o tempo. 

É isso ou talvez esse banho de sangue de hoje se torne frequente. 

Ou, quem sabe, até mesmo muito pior. 

FUUIIIII!!!!!! 

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Mais sobre o massacre em Altamira. 


quinta-feira, 11 de julho de 2019

Opinião: Longe de “dignificar”, trabalho infantil expõe crianças indefesas a todo tipo de violência









Há vezes em que é até difícil classificar Jair Bolsonaro e alguns de seus apoiadores. 

A perversidade é tamanha que chega a dar a impressão de que essas criaturas disputam algum tipo de campeonato pra ver quem mais expressa, ou até concretiza, aquilo que de pior é capaz um ser humano. 

Uma das mais recentes indignidades dessa turba é elogiar o trabalho infantil. 

Como se não soubessem que o trabalho infantil expõe meninas e meninos à violência de brutamontes, que consideram “natural” escravizar outros seres humanos. 

Sim, porque é de escravidão de criancinhas que estamos a falar. 

Recentemente, a Justiça brasileira condenou uma família a indenizar uma mulher que foi mantida durante 30 anos em situação análoga à escravidão. 

Foi levada para trabalhar na casa daquela família quando tinha apenas 7 anos. 

Era Solange, mas foi “rebatizada” como “Karina”, porque era o nome da marca de laquê que a patroa usava. 

No início, até dormia no chão do banheiro. Mas como adoeceu, acabou transferida para o chão de um quarto. 

Ao longo de 30 anos, varreu, lavou, passou, cozinhou, mas nunca recebeu remuneração.  

Nunca estudou: até hoje é analfabeta.

Nunca nem mesmo namorou. 

Aliás, não tinha nem mesmo absorventes higiênicos, quando menstruava. 

Uma história de arrepiar... 

O pior, porém, é que tal situação nunca foi raridade entre os meninos e meninas forçados ao trabalho infantil. 

Aliás, o drama de Solange, que teve sequestrados os 30 melhores anos de sua vida, é até “menos pior”, digamos assim, do que o de muitas garotas iguais a ela, que são vítimas, ainda hoje, até de porradas, torturas e abusos sexuais. 

Na minha infância, há 50 anos, lembro que era ainda mais comum pegar garotas como a Solange, “para criar”. 

O silêncio da sociedade ajudava a encobrir as histórias de horror dessas crianças. Várias até morreram, devido às violências que sofriam. Em 2005, a tortura e assassinato de Marielma chocou o Brasil. 

Mas não é “apenas” nas casas de “boas famílias” que as condições desses meninos e meninas são atrozes. 

As humilhações, os maus tratos, o trabalho extenuante, a falta de acesso à escola, tudo isso se repete em praticamente todas as atividades para as quais são empurrados. 

Em geral, essas crianças realizam trabalhos que muitos de nós consideram cruéis até para animais de carga. 

Mas que os “cidadãos de bem” destes tempos tão sombrios parecem considerar “normais” e até “dignificantes” para os filhotes do animal humano. 

São meninos e meninas catando toda sorte de imundície em lixões. Ou lavrando a terra, de sol a sol. Ou enegrecidos de tanta fuligem em carvoarias. Ou vendendo comida e quinquilharias pelas ruas. 

São criancinhas indefesas, privadas de um direito essencial: o direito de ser criança.  

O direito de brincar, sonhar, estudar. 

O direito de se preparar para um futuro que não seja o de escravidão. 

O direito de se construir em um adulto capaz de sorrir, amar e confiar. 

É esta a realidade do trabalho infantil, no Brasil e no mundo. 

Não, não nada há de “dignificante” nisso. 

Para a maioria esmagadora desses meninos e meninas, o que existe é uma brutalidade inimaginável até em nossos piores pesadelos. 

Não há nada de “glamoroso” em meninas e meninos violentados e arrastados para as drogas, a prostituição e a criminalidade, devido ao trabalho nas ruas. 

Não, não há nada de “edificante” em um garotinho franzino, de 12 anos, e já recolhido a uma instituição sócio-educativa, e que vive a repetir que “enche de porrada” a outros meninos, porque foi isso que teve de aprender para sobreviver nas ruas, como vi muitos anos atrás (e que nunca mais me esqueci...). 

Não, não há nada de “inspirador” em ver garotinhas e garotinhos passando fome, doentes, exaustos, adormecendo em meio a trabalhos que são física e mentalmente incapazes de suportar. 

Crianças entregues a patrões que as veem como subumanas. E como um “livramento” da obrigação de pagar salários e direitos a empregados adultos. 

E se existe, de fato, um sinal dos tempos é este: o coração duro que nem pedra, de tantos que vivem por aí a se orgulhar de suas rezas, preces, orações; a se orgulhar das hóstias que devoram e das aleluias que gritam, mas que não conseguem sentir misericórdia nem mesmo por criancinhas. 

No entanto, nada assim tão espantoso, vindo de quem até defende psicopatas que davam choques elétricos em grávidas, torturavam crianças e mandavam enfiar ratos e baratas na vagina de mulheres, durante a ditadura militar. 

E creio que Jesus, ao contemplar tudo isso, deve até ficar a pensar: definitivamente, quem tem seguidores como esses, não precisa de um inimigo com Satanás. 


FUUUIIIIII!!!!!


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Aqui, matéria da Exame sobre o crescimento do trabalho infantil no Brasil: https://exame.abril.com.br/brasil/trabalho-infantil-cresce-entre-criancas-de-5-a-9-anos-no-brasil/ 

Aqui, uma reportagem antiga, mas imperdível sobre o trabalho de crianças em carvoarias: http://fundacaotelefonica.org.br/promenino/trabalho-infantil-em-carvoarias-as-invisiveis-criancas-feitas-de-fuligem/ 

E relembre a trágica história de Marielma.


MPPA pede condenação do acusado de torturar ex-namorada. Denúncia sustenta que Márcio Cruz praticou lesão corporal grave, entre outros crimes. Pena pode chegar a 30 anos de prisão.







Por Fernando Alves (Assessoria de Comunicação Social MPPA) 



A promotora de Justiça Sintia Bibas Maradei, atual responsável pela 5ª Promotoria de Justiça Criminal de Icoaraci, ofereceu denúncia à Justiça contra Márcio Cruz da Conceição, que está preso sob a acusação de torturar, ameaçar e obrigar a ex-namorada a comer fezes de animal. 


A vítima foi mantida em cárcere privado e submetida a cinco horas de agressão. O caso gerou ampla repercussão pela crueldade do suposto agressor. 

 
Na denúncia encaminhada nesta quinta-feira (11) à vara criminal de Icoaraci, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) pede à Justiça que Márcio Cruz da Conceição seja condenado pela prática dos crimes de tortura, lesão corporal e perigo à vida, com vários agravantes, como causar deformidade permanente, se enquadrar como violência doméstica, ter provocado lesão grave, ter ocorrido mediante sequestro e com característica de estupro e ter como vítima uma mulher.


A somatória das penas pelos crimes cometidos pode resultar em condenação à prisão por período próximo a 30 anos. 


De acordo com a promotora Sintia Bibas Maradei, o suposto agressor não foi denunciado por tentativa de feminicídio pois, a princípio, a violência não foi motivada pelo fato de a vítima ser mulher. “Mas se obtivermos outras provas, podemos fazer o aditamento da denúncia”, explica.


Além de pedir a condenação de Márcio Cruz pelos crimes citados, a promotora também requereu que a Justiça fixe um valor mínimo para que o suposto agressor indenize a vítima a título de reparação dos danos causados.



Relembre o caso


Márcio Cruz, de 19 anos, está preso preventivamente em cadeia pública, a pedido do MPPA, desde o último dia 2 de julho. Ele foi detido por uma equipe da Polícia Civil no bairro do Paar, em Ananindeua, acusado de torturar e ameaçar a ex-namorada.


O pedido de prisão foi feito pelo promotor de Justiça Mauro Mendes, titular da Promotoria de Justiça de Icoaraci, local onde ocorreu o crime. A motivação da agressão, segundo denúncia feita pela vítima, foi a insatisfação com o término do relacionamento.


No pedido de prisão, o promotor Mauro Mendes detalhou que no último dia 23 de junho, Márcio Cruz convidou a vítima para almoçar em sua residência. Chegando lá, o homem estava sozinho e mandou a vítima entrar. Na entrada, ele disse, textuais: “eu te avisei que o fim era triste”. Na sequência, começou a agredir a ex-namorada com uma barra de ferro, provocando vários hematomas pelo corpo. 


Em seguida, segurando uma faca para que não fugisse, raspou sua cabeça com uma navalha, cortando a região supraciliar esquerda e ocasionando múltiplos ferimentos na região do couro cabeludo.


Ainda com a faca, Márcio cortou superficialmente o rosto da vítima no formato da letra “M” em sua testa, jogou sabão em seus olhos, urinou em sua boca, fez a referida comer fezes de cachorro, jogou água sanitária em seu rosto e gravou um vídeo após realizar as lesões. O vídeo foi enviado aos familiares da mulher agredida. 


O acusado também gravou mensagens de áudio ameaçando a ex-namorada. Em alguns trechos, Márcio diz que “eu só não te matei mesmo, vagabund*, porque tua vida vale menos que merd* e minha liberdade, sua rata”.

 
Informações contidas no inquérito policial registram que a tortura durou cerca de cinco horas, cessando somente após a vítima ter conseguido escapar por uma janela da residência.


Márcio Cruz é suspeito de ter envolvimento com o tráfico de drogas e de ser integrante da organização criminosa Comando Vermelho.