Um laudo técnico para “avaliar a capacidade de carga das vigas do Edifício Real Class” pode indicar que o prédio, que desmoronou ontem em Belém, teria apresentado problemas estruturais já em março do ano passado.
A realização do laudo estaria registrada em uma ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) de número 365005, do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado do Pará (CREA/PA). E lá consta, também, que a natureza do serviço se refere à “estrutura de concreto armado”.
Não se sabe o resultado desse laudo. Mas três fontes consultadas, hoje, pela Perereca disseram que ele só é realizado em situações atípicas – denúncias de irregularidades ou problemas técnicos na obra, por exemplo. E é possível, inclusive, que tenha sido requisitado pela Justiça.
Mas o engenheiro civil Carlos Otávio Santos de Lima Paes, proprietário da Real Engenharia, a empresa responsável pela obra, afirmou desconhecer a existência desse documento.
Por meio de sua Assessoria de Imprensa, disse, também, que é normal a realização de testes de carga, na medida em que uma obra avança. Mas, reafirmou, “no caso específico, não ocorreu nenhum teste”.
Mais tarde, após o blog fornecer à Assessoria de Imprensa o número de registro do laudo, ele disse não possuir cópia do documento para obter maiores informações.
Acredita, no entanto, que o laudo se refira à instalação de um “jaú” – andaimes basculantes que ficam pendurados por cabos de aços nessas edificações.
Segundo o empresário, a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) exige um laudo específico da viga onde o equipamento será pendurado, para evitar acidentes.
“Isso é rotina e, provavelmente, esse laudo diz respeito à instalação desse equipamento”, disse a Assessoria de Imprensa da construtora.
Documentação irregular
Outro problema é que esse laudo teria sido emitido pelo engenheiro civil Raimundo Lobato da Silva, o mesmo que confeccionou o projeto estrutural do Real Class, com 34 pavimentos.
O fato não seria irregular, dada a capacidade técnica de Raimundo Lobato, para a emissão desse documento. Mas soou esquisito para as fontes consultadas pelo blog.
“Poder, ele pode fazer. Mas é estranho ele (o engenheiro) fazer esse tipo de laudo. Fica suspeito, principalmente no caso de um sinistro desses”, disse um arquiteto, que preferiu não se identificar.
Informações chegadas ao blog dão conta, também, que a única ART registrada no CREA pelo engenheiro civil Carlos Otávio Santos de Lima Paes, o proprietário da Real Engenharia, diria respeito à elaboração do projeto contra incêndio e pânico daquele prédio.
Estariam faltando, segundo acentuou uma fonte, as ARTs dos profissionais responsáveis por vários outros projetos – de arquitetura e de estruturas sanitária, lógica e elétrica, por exemplo.
“Se for assim, isso é irregular” – disse uma fonte, ao tomar conhecimento, pelo blog, da falta da documentação. “Peça ao CREA as cópias de todas as ARTs; se for preciso, acione o Ministério Público. E veja, também, se o projeto foi aprovado na Seurb (Secretaria Municipal de Urbanismo) e no Corpo de Bombeiros”, aconselhou.
Mas o proprietário da Real Engenharia afirma que a empresa “não tem nenhuma pendência burocrática ou de qualquer outra ordem” perante o CREA.
Falha Geológica
O arquiteto ouvido pelo blog descartou a possibilidade, veiculada pela imprensa, de o desmoronamento do prédio ter sido causado por uma falha geológica não detectada no projeto de fundação da obra.
“Para construir um prédio, você faz a sondagem do terreno. Aí, detecta qualquer problema e leva isso em consideração, quando faz o projeto de fundação”, explicou.
Pelas imagens e depoimentos que viu e ouviu nos noticiários da TV, o arquiteto diz que o edifício parece ter sofrido “falência na estrutura”.
Salienta, no entanto, que só mesmo a perícia técnica é que poderá determinar o que de fato ocasionou o desmoronamento. Mas, observa: “Na medida em que se retiram os escombros, ocorre a destruição das provas quanto à superestrutura. E só restará a infra-estrutura, ou seja, o que está embaixo”.
Pelas informações que chegaram ao blog, a empresa responsável pela “execução da sondagem SPT, projeto geotécnico de fundação e execução de fundação profunda em hélice contínua monitorada 0600mm” do Real Class foi mesmo a Solotécnica Engenharia Ltda, do engenheiro civil Edickson Pedro Fonseca Paes.
O contrato entre a Real Engenharia e Comércio Ltda e a Solotécnica teria sido efetuado em 22 de julho de 2008, com um valor em torno de R$ 40 mil.
Os serviços previstos seriam de projeto e laudo de Geotecnia, e de fundações profundas (ao que consta, 852 metros) na execução da obra.
O dono da Real Engenharia confirmou que a Solotécnica foi a responsável pela sondagem do terreno e disse que ela é “especializada nessa área, prestadora de serviço para um grande número de edificações em Belém” e que a Solotécnica “nunca teve problemas nessa área em seus projetos”.
Hoje, a Perereca tentou contato com o presidente do CREA, José Leitão de Almeida Viana, mas ele não pôde atender o telefone.
O coordenador do CREA, Dilson Capucho Frazão, disse que se encontra viajando e o coordenador adjunto, Gilberto Olivar Von Grapp de Souza não retornou as ligações.
O mesmo aconteceu com os engenheiros Raimundo Lobato da Silva e Edickson Pedro Fonseca Paes.
Inquérito Civil
Hoje, o Ministério Público Estadual informou, em nota à imprensa, que instaurou inquérito civil para apurar as responsabilidades pelo desabamento.
O trabalho será realizado em conjunto pelas Promotorias de Defesa do Consumidor e do Meio Ambiente, sob o comando do promotor Marco Aurélio Nascimento.
Ao lado disso, dois promotores de Justiça da área criminal, Gilberto Valente e Mário Brasil, acompanham desde ontem o inquérito aberto pela Polícia Civil.
O Procurador-Geral de Justiça, Geraldo de Mendonça Rocha, esteve no local do desabamento e um ônibus-gabinete do MP deu orientações jurídicas às vítimas do acidente.
Agora à noite, o prédio da Real Engenharia foi interditado pela polícia, para a recolha de documentos amanhã de amanhã.
Dia de Luta e de Luto
Amanhã, os trabalhadores da Construção Civil realizam assembléia geral, às 9 horas, na sede do Sindicato.
A proposta é realizar, ainda nesta segunda-feira, “um dia de luto e de luta” em decorrência do acidente, que teria matado pelo menos dois operários.
Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, Ailson Cunha, a manifestação deve paralisar os canteiros de obras em Belém.
Ele disse que a disputa entre as grandes construtoras, para ver quem entrega mais rapidamente esses edifícios, está levando ao aumento dos acidentes de trabalho e colocando em risco a vida dos trabalhadores.
Entre outros motivos, porque os operários, que trabalham em torno de nove horas por dia, ainda estariam sendo obrigados a trabalhar nos finais de semana, sob ameaça de demissão.
De acordo com Ailson, onze operários morreram, entre janeiro e dezembro do ano passado, em acidentes de trabalho, na Região Metropolitana de Belém.
E indaga: “E se esse desmoronamento tivesse ocorrido durante a semana, quando havia 125 trabalhadores no canteiro de obras? Você já imaginou a tragédia?”
Disse que o sindicato não recebeu qualquer denúncia de problemas estruturais no edifício Real Class, mas apenas de questões relativas à falta de pagamento e da má qualidade da alimentação, por exemplo.
Observa que só a perícia poderá determinar as causas do acidente, mas acredita que o desmoronamento deve ter decorrido de problemas na fundação da obra.
E comenta: “Se há outras obras dessa empresa com risco de desabamento, só quem pode dizer são as autoridades encarregadas da fiscalização”.
Ailson informou que o sindicato pretende colocar pelo menos dois mil trabalhadores nas ruas de Belém, nas manifestações de amanhã.
Queixou-se da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) “que não fiscaliza como deveria” e dos salários e condições de trabalho dos operários do setor: “A gente luta por plano de Saúde e as empresas dizem que não têm lucro para pagar. Mas só um apartamento de um prédio como esse que ruiu custa em torno de R$ 500 mil”.
Hoje, um servente da Construção Civil recebe R$ 570,00 por mês, e um profissional em torno de R$ 800,00.
E ainda neste domingo, segundo Ailson, o Sindicato precisou retirar de um canteiro de obras da Marko Engenharia, na João Balbi, cerca de 30 operários que estavam a trabalhar.
Em coletiva, construtora diz que prédio não apresentava trincas, fissuras ou estalos.
A Assessoria de Comunicação da Real Engenharia encaminhou ao blog uma síntese da coletiva concedida na tarde de hoje por Carlos Otávio Lima Paes; o filho dele, Carlos Otávio Lima Paes Júnior, também engenheiro; Rudimar Figueiredo do Carlo, engenheiro e supervisor de obra; Nagib Charone, engenheiro e professor da Universidade Federal do Pará; Roland Massoud, Luiz Sérgio Pinheiro, Sérgio Oliva Reis e Marta Vinagre Bembom, advogados; Antonio Rezende, presidente em exercício da Ademi e Manoel Pereira, do Sinduscon.
Ei-la:
1-A Real SPE Engenharia lamenta o episódio e informa que está tomando todas as providências que a situação requer.
2- Está mobilizada para apoiar todas as pessoas envolvidas no acidente. Está dando assistência aos familiares dos dois empregados (Manoel Raimundo da Paixão Monteiro e José de Paula Barros) considerados desaparecidos e que estariam na obra na hora do acidente. Essa assistência não se restringe a aspectos materiais, mas também emocional; disponibilizamos uma psicóloga (Luciana Castelo Branco) para dar apoio às famílias dos empregados e demais pessoas envolvidas no acidente.
3- Ontem mesmo a empresa reservou apartamentos em hotéis para abrigar as pessoas que precisem desocupar suas moradias. Até final da manhã deste domingo, cerca de 20 famílias já estavam hospedadas.
4- A empresa não medirá esforços para investigar as causas do acidente. Os projetos de fundação e superestrutura, como é de praxe, foram contratados junto a empresas terceirizadas, consagradas nessas especialidades, com grande experiência. A obra nunca apresentou sinais (trincas, fissuras, estalos) que indicassem problemas. Cerca de ¾ do edifício já estava com o revestimento interno de gesso, que serve de base para pintura; esse material (de cor branca) revelaria qualquer problema na estrutura, com muita visibilidade, e nada disso ocorreu. A circulação regular do mestre de obra dentro do prédio permitiria, igualmente, que se observasse, facilmente, os sinais de problemas. Na semana passada, o engenheiro Rudimar do Carmo, na rotineira supervisão à obra, nada detectou de anormal.
5- A empresa tem como regra abastecer suas obras com materiais de origem reconhecida, marcas reconhecidas pelo mercado; produtos que garantem segurança e qualidade a todas as etapas de suas obras. Todos os procedimentos técnicos, como análise de concreto são observadas com rigor pela Real Engenharia em todos em todos os seus projetos. Os exames laboratoriais de concreto são feitos pelo engenheiro Delisle Lopes da Silva, professor da Universidade Federal do Pará, pós-graduado nessa especialidade.
6- A empresa reafirma que não medirá esforços para investigar as causas do acidente; está disponível à colaboração e apoio a todas as demandas dos órgãos que estão à frente das investigações e que emitirão os laudos. Além disso, a empresa contratou o Dr. Nagib Charone, para acompanhar, como sua representante, as perícias dos órgãos oficiais. E realizará perícia particular contratada junto a profissionais qualificados e notório reconhecimento no mercado. Enfim, colaborará para que tudo seja esclarecido e que sejam preservados os direitos de trabalhadores, clientes e demais pessoas atingidas pelo acidente.
7- A construtora nasceu do Grupo Real Engenharia, que atua há 27 anos no mercado de construção e incorporação, na Região Metropolitana de Belém. O Grupo já entregou quinze empreendimentos, com aproximadamente mil unidades residenciais.
8- A empresa agradece as inúmeras manifestações de solidariedade, o apoio das instituições e segmentos da sociedade civil; amigos; familiares; clientes; empregados; colaboradores e pessoas em geral. E confia na ação dos órgãos envolvidos na apuração dos fatos.
Máquinas do Paraná vão ajudar na localização das vítimas
Da Secretaria de Comunicação do Governo do Estado:
“Dois equipamentos utilizados em localização de vítimas em acidentes de grandes proporções chegaram a Belém, no início da tarde deste domingo (30), para ajudar no trabalho de busca e resgate de vítimas do desabamento de um prédio em obras, em área central de Belém, ocorrido no último sábado (29). As máquinas chegaram do Paraná, encomendadas pelo Corpo de Bombeiros do Pará.
Um deles, a almofada pneumática - que dilata até 30 cm -, consegue levantar 66 toneladas de escombros e ajuda na remoção de vítimas. O equipamento é de fabricação alemã.
A outra, denominada Delsar, ajuda a encontrar soterrados. Operando em um raio de 60 metros, a máquina tem seis sensores, com capacidade para detectar até a respiração humana. "Esses equipamentos são de fundamental importância em nosso trabalho de busca por possíveis vítimas", declarou o subcomandante geral da operação, coronel Wanzeler, do Corpo de Bombeiros.
Desde a tarde de sábado, quando aconteceu o acidente, na Travessa 3 de Maio, entre Magalhães Barata e Governador José Malcher, o esforço de várias instituições vem garantindo a agilidade necessária para que o trabalho de remoção dos escombros seja finalizado o mais rápido possível, assim como a localização de possíveis vítimas.
As ações integradas mobilizam efetivos da Polícia Militar (incluindo cães farejadores), Polícia Civil, Defesa Civil Municipal e Estadual, Cruz Vermelha, Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, Serviço de Atendimento Médico Urgente (Samu/192), Companhia de Transportes de Belém (CTBel), Departamento de Trânsito do Pará (Detran) e Guarda Municipal, além de tropas do Exército e Fuzileiros Navais.
Vítimas - Duas pessoas que estavam na lista de desaparecidos, o eletricista Luís Nazareno dos Santos Lopes e o ajudante de pedreiro Isaias Marques Mafra, entraram em contato com a TV RBA (afiliada da Rede Bandeirante) neste domingo (30).
No entanto, segundo o tenente coronel Reis, só foi confirmada até agora a localização de Luís Nazareno, que concedeu entrevista à emissora. Isaias, disse o oficial, só sairá da lista quando comparecer à base de operações do Corpo de Bombeiros. As equipes acreditam que ainda estão desaparecidos Manoel Raimundo da Paixão Monteiro e José Paulo Barros, que trabalhavam na hora do desabamento.
Até o final da tarde deste domingo (30) só havia sido encontrado o corpo de uma mulher, que não teve condições de ser identificado. Há suspeita de que o corpo encontrado seja de Maria Raimunda Fonseca Santos, mas essa identificação ainda não foi confirmada oficialmente.
O corpo foi removido para o Centro de Perícias Científicas Renato Chaves. Supostos parentes da vítima coletaram DNA para o exame de identificação.
Nova etapa - Por volta das 16h30 foi iniciada a retirada de escombros com guinchos, pois até então o trabalho de remoção estava sendo feito por retroescavadeiras, pelas laterais. Mas permanecem no local as demais máquinas pesadas, como caçambas, tratores de esteira e pás mecânicas, colocadas à disposição pela secretaria de Estado de Transportes (Setran) e empresas privadas.
As equipes liberaram, às 17h deste domingo, o acesso ao edifício Blumenau, para que os moradores pudessem retirar objetos pessoais. "Estamos coordenando essa retirada. Os moradores entram acompanhados com bombeiros para garantir a segurança. Essa retirada está sendo feita por andar. Em cada andar há dois apartamentos", informou o tenente coronel Morais, coordenador da operação.
Os prédios vizinhos, Londrina e Real Dream, foram liberados no final da manhã para retirada de objetos pessoais, com o mesmo esquema de segurança determinado pelos bombeiros.
Denúncias - Os promotores Marco Aurélio Nascimento (de Defesa do Consumidor) e José Godofredo Santos (Urbanismo) confirmaram no local informação já divulgada, de que não foram registradas no Ministério Público denúncias sobre problemas estruturais no prédio em construção, por moradores da área.
"Estamos instalando inquérito civil e, independentemente da culpa, a empresa responsável pela obra tem responsabilidade civil pelos danos e vítimas", declarou o promotor Marco Aurélio”.