Sobre os camelôs
Tenho procurado me manter afastada deste blog, quanto a assuntos sérios, uma vez que pretendo reformulá-lo, inclusive com a atualização do meu mailing, que está balado.
Mas, recebi um e-mail de um anônimo, abordando a questão dos camelôs; falando da violência e etc e tal da retirada deles da Presidente Vargas.
Já disse aqui que não gosto de Duciomar, não voto nele e, para mim, ele não passa de um chefe de quadrilha – da pior quadrilha que já passou pela PMB. Uma verdadeira nuvem de gafanhotos, de dimensões bíblicas, aliás...
Mas, sinceramente, não vejo como poderia defender os camelôs - eu, cidadã de Belém.
Eu, cidadã, que tantas vezes me vi tolhida no meu direito de caminhar pelas calçadas da minha cidade, por um punhado de cidadãos que se acredita proprietário do passeio público.
Para mim, a retirada dos camelôs já vem tarde – muitíssimo tarde.
E eu só fico é pensando que, só mesmo em Belém, para presenciarmos isto: uma cidade inteira, 1,5 milhão de pessoas, refém, por anos a fio, de uns cinco mil indivíduos.
Refém – é esse, sim, o termo, a palavra exata.
Porque, cada vez que alguém cobrava a retirada desses invasores dos espaços públicos, logo vinham eles dizendo: “Vocês preferem que a gente vá roubar?”.
E eu, cidadã, só ficava era pensando que faltava alguém com aquilo roxo, para responder: “É, maninho, vocês vão roubar, é? Então, roubem - que a gente coloca todos vocês na cadeia!...”.
São trabalhadores? São, sim senhor. São pais de família? São, sim senhor.
Mas, nós, também, somos trabalhadores e pais e mães de família. E temos tanto ou mais direito a esta cidade que esse punhado de camelôs.
É certo que o Pará e Belém padecem de gravíssimos problemas sociais: desemprego, baixa escolaridade, desqualificação da mão de obra; falta de saúde, de educação, de habitação, de lazer. Miséria, enfim, miséria...
Mas, daí a imaginar que é “socializando” o miserê – ou, pior ainda, emporcalhando o espaço em que vivemos – que isso vai ser resolvido, vai enorme distância...
Esse problema dos camelôs tem de ser enfrentado com coragem.
É chamar todos eles: “Vocês dizem que trabalham nas ruas porque não têm emprego. Tudo bem. A gente tá aqui com um programa especial de treinamento e inserção da mão de obra no mercado de trabalho” (E tenho certeza de que tudo que é empresário dessa cidade, e até cidadãos comuns, apoiaria algo assim...).
E se algum deles dissesse que não queria, porque o salário era baixo e etc e tal, era jogar duro com os recalcitrantes.
Porque não se estaria, simplesmente, “pedindo”: a “oferta” seria o ultimato de uma cidade, cuja legislação é suficiente, sim, para impedir a continuidade dessa bagunça.
Outra saída seria disciplinar o comércio ambulante. Chamar um arquiteto bacana (o João Castro, por exemplo), para projetar barraquinhas bacanas, com motivos amazônicos, ao longo das avenidas mais espaçosas de Belém e na “borda” de nossas praças. Com distância suficiente entre elas, para não incomodar ninguém.
E aí seriam colocados o vendedor de coco, de bijouteria e etc e tal. Mas, todos, pagando impostos. E com o compromisso – cujo descumprimento implicaria sanções coletivas – de ajuntarem o lixo que produzem e de não permitirem mais ninguém ali.
Venda de comida? Só em locais com estrutura e equipamentos adequados. E pagando água e luz. E sob a fiscalização acirrada da Secretaria de Saúde.
Nada desse “atacadão das bactérias” que temos hoje. Ou daquela coisa nojenta em que se transformou a Assis de Vasconcelos, no final do governo do Edmilson.
Até porque, maninhos, numa coisa assim seria preciso ver quem é quem: ajudar os miseráveis, de fato. Mas, afastar a pilantragem que, simplesmente, se beneficia do contrabando, do roubo, ou, simplesmente, de vender – para ele ou para outrem – sem arcar com os impostos que essa suadinha classe média tem de pagar...
Mas, é justo que se diga: não são, apenas, os camelôs que obstruem as nossas ruas.
E é aqui que também sempre nos faltou um prefeito (ou prefeita) com aquilo roxo.
Porque, nessa balbúrdia em que se transformou Belém, todo mundo se acha dono da calçada, do passeio público.
Todo mundo acha que pode expandir seu bar, lanchonete ou restaurante à custa da calçada.
Todo mundo acha, inclusive, que pode fazer a “sua” calçada como bem entende: de tudo que é altura e até com aquele “escorrega de pato” em que se transformam as lajotas, nos dias de chuva.
Já vi até calçada, nesta cidade, com lajotas desenhadas que causam confusão nos olhos. Quer dizer: se você não cair pelo escorregadio da lajota molhada, cai porque o desenho não lhe permitiu, sequer, olhar onde pisa...
E tem, também, as construtoras. Que, quando um prédio está em obras, enchem a calçada de tudo que é entulho. E quando ele está pronto, plantam árvores de tudo que é jeito, como se os vizinhos e pedestres tivessem vocação pra Tarzan...
Passei sete intermináveis meses numa cadeira de rodas, em 2003.
E nunca vou me esquecer da desumanidade que é se locomover em Belém.
Esta cidade, como já disse aqui, parece projetada para super-heróis, que não padecem, sequer, de unha encravada.
Porque, para um deficiente, uma gestante, um idoso, uma criança é simplesmente um tormento se deslocar de uma esquina a outra.
Aliás, devo dizer que, numa cadeira de rodas, não dá nem para se deslocar de uma esquina a outra. Tudo tem de ser feito de táxi e com acompanhante. E quem não tem dinheiro para pagar nem táxi, nem acompanhante?
Então, não são apenas os camelôs que precisam “respeitar” as nossas calçadas. Mas, os cidadãos como um todo, precisam se conscientizar de que as nossas ruas não são um bem particular - mas, coletivo.
E é para isso que existe – ou deveria existir – o Poder Público: para mostrar, provar, conscientizar. E exercer o seu poder coercitivo, quando necessário.
Infelizmente, os nossos prefeitos têm se preocupado, apenas, com politicagem – e, muitas vezes, em “encher a pança”.
Nenhum viu Belém como essa cidade bela, maravilhosa, única, o nosso lar...
E é por isso que nunca tiveram coragem de olhar nos olhos dos belemenses e dizer que esta cidade é responsabilidade, sim, de cada um de nós.
Que esta cidade será, sempre e tão somente, o que fizermos por ela.
E aquilo que permitirmos – ou não – que os outros façam dela, também.