É uma lógica inacreditável: o grande empresariado acima de tudo, inclusive o meio ambiente e os demais seres humanos, considerados peças descartáveis da engrenagem econômica.
Tudo é feito pelos grandes empresários: são eles que produzem, comercializam e, aparentemente, até consomem em massa, em um processo mágico de retroalimentação.
Como se as matérias-primas não adviessem da natureza.
E como se não fôssemos nós, os trabalhadores, a produzir as riquezas sociais e a consumi-las massivamente, fazendo girar essa engrenagem.
Assim, são apenas os interesses desses “heroicos” e “meritórios” empresários que devem ser protegidos.
Ainda que à custa da dramática redução do poder aquisitivo dos trabalhadores/consumidores.
Ainda que à custa da devastação do mundo, que tende a levar ao esgotamento de recursos naturais, e até à extinção da espécie humana.
E ainda que à custa de tragédias colossais, como essa do Rio Grande Sul e de vários pontos do Planeta.
Tragédias já decorrentes das mudanças climáticas, provocadas pela destruição ambiental.
E que são apenas uma amostra do que enfrentarão os nossos filhos e netos.
Qualquer pessoa com um mínimo de inteligência, e sem traços de sociopatia, não consegue entender essa lógica.
Afinal, se os recursos naturais se esgotarem e a espécie humana for extinta, o que e para quem você produzirá (se é que estará vivo)?
De igual forma, se você destruir o poder aquisitivo dos trabalhadores/consumidores, esmagando salários e direitos, como é que eles comprarão o que você produz?
No entanto, essa lógica burra e suicida é uma das principais características do neoliberalismo.
Tudo gira em torno de uma liberdade econômica predatória para as grandes empresas.
Através de seus prepostos políticos, elas sequestram o Estado, para a proteção de seus interesses, através da elaboração ou derrubada de leis, trabalhistas e ambientais, por exemplo.
Ao mesmo tempo, surrupiam as empresas estatais, para reduzir o Estado ao mínimo do mínimo, em termos de serviços públicos.
Assim, o Estado e a Sociedade passam a existir apenas como hospedeiros de lucros parasitários.
Na pandemia, vimos o que acontece quando os trabalhadores/consumidores param de comprar.
Pequenas e médias empresas, há anos no mercado, fecharam as portas porque não havia para quem vender. Ou até mesmo como produzir.
Com os cortes salariais e de direitos, iniciados por Temer e acentuados pelo Bolsonazi, a crise se tornou ainda pior, já que a esmagadora maioria dos brasileiros quase não tinha dinheiro nem para comer e pagar o aluguel.
Muitos acabaram pendurados no Serasa. Outros, a viver nas ruas.
E muitos nem sequer tinham emprego, já que o governo nem ajudou financeiramente as pequenas e médias empresas, nem descarregou investimentos, para aquecer a economia.
Só quem lucrou foram os bancos, o agronegócio, meia dúzia de bilionários.
Mesmo assim, o grosso do nosso empresariado, que sentiu na pele os efeitos dessa lógica do absurdo, continua a acreditar que possui alguma identificação com esses interesses predatórios.
Agora mesmo, centenas ou milhares de empresários sofrem graves prejuízos, ou até perderam tudo, em decorrência das enchentes do Rio Grande do Sul.
Qual o tamanho dos seus prejuízos?
Como conseguiriam se reerguer, se o Governo Federal (leia-se, o Estado) não estivesse abrindo linhas de crédito especiais para eles?
E se nada for feito para conter a destruição ambiental, como as suas empresas resistirão a novas enchentes?
Nada mais revelador sobre a absurdez e crueldade dessa lógica do que as recentes declarações do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.
Diante de toda essa tragédia humana e ambiental, ele disse estar preocupado com a grande quantidade de doações recebidas, porque isso poderia prejudicar os comerciantes das cidades inundadas.
Como se os milhares de desabrigados estivessem cheios da grana e loucos para redecorar as casas que perderam.
Ou até mesmo para irem comemorar em alguma pizzaria.
Como se não estivéssemos a falar de seres humanos, que viram morrer parentes; que perderam animais de estimação; que tiveram de ser resgatados só com a roupa do corpo; que estão alojados nas casas de familiares, ou até em abrigos.
Que estão traumatizados, pensando no que farão das suas vidas, e que necessitarão até de auxílio psicológico.
Ademais, de quais empresários o governador estava a falar?
Certamente, não era dos pequenos e médios.
Já que estes não têm nem o que vender: as empresas deles também estão debaixo d’água.
Assim, o governador devia estar a se referir aos grandes empresários, cujos prejuízos são, proporcionalmente, muito menores.
Alguns já até pressionando os funcionários para que voltem ao trabalho (a nado?) (https://iclnoticias.com.br/mpt-denuncia-rede-lojas-rs-ameaca-funcionarios/ ).
E, quem sabe, já de olho nos recursos que o Lula anunciou, para as famílias atingidas.
Para que possam começar a reconstruir as suas vidas, depois que as águas baixarem (https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2024/05/15/auxilios-rio-grande-do-sul.htm).
A fala de Eduardo Leite causou tanto furor nas redes sociais, que ele teve de pedir desculpas.
Até tentando atribuir as suas declarações a um certo abalo emocional.
Mas penso que quem tem razão é o jornalista Renato Rovai, da Revista Forum: Leite apenas externou o que pensa.
Sem rodeios, sem maquiagem, sem um marqueteiro ou assessor de imprensa por perto.
Ele apenas “se revelou” (https://revistaforum.com.br/blogs/blog-do-rovai/2024/5/15/neoliberalismo-mata-governador-eduardo-leite-pede-pra-no-enviarem-doaes-depois-pede-desculpas-158868.html).
É esta lógica do absurdo que está entranhada na cabeça dele: os interesses dos grandes empresários acima de tudo.
O que, aliás, é compatível com os seus antecedentes: Leite é apontado como um dos responsáveis pelas dimensões dessa tragédia, por haver desmantelado a legislação ambiental daquele estado (https://www.brasildefato.com.br/2024/05/04/eduardo-leite-cortou-ou-alterou-quase-500-pontos-do-codigo-ambiental-do-rs-em-2019 ).
Ele alega que apenas adequou a legislação estadual à federal.
Legislação da época do Bolsonazi, que incentivou garimpos ilegais e a destruição de florestas.
Uma desculpa semelhante a de um soldado que comete um crime, mas tenta imputar total responsabilidade ao seu comandante.
E que fica ainda pior na boca de um governador.
Na verdade, Leite fez o que fez porque tudo estava de acordo com a cartilha neoliberal, com o seu descaso pela vida humana.
E agora quem paga o pato são milhares de famílias gaúchas, que perderam tudo o que tinham, para os lucros de uns poucos.
É isso o que queremos para o Brasil?
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