quinta-feira, 21 de outubro de 2021

A dor dos outros




Há uns meses, vi declarações de alguns espíritas de que o Brasil é o “Coração do Mundo, a Pátria do Evangelho”.

A frase é até título de um livro de Chico Xavier.

Mas essa visão do Brasil como um país para o qual existiriam “grandes propósitos divinos" não é exclusiva dos espíritas: muitos evangélicos bolsonaristas também pensam assim.

No entanto, o Brasil real, verdadeiro, está léguas distante das ilusões de muitos religiosos.

No Brasil real, a vida humana não vale nem sequer uma simples máscara.

E basta uma breve caminhada para perceber a quantidade de pessoas que se recusam a usá-las, embora sejam até distribuídas por governos, prefeituras e empresas.

Máscaras são altamente eficazes para proteger quem as usa,  e também às outras pessoas, de um vírus que já matou mais de 600 mil brasileiros, além de deixar milhões com graves problemas de saúde, talvez para o resto da vida.

Um vírus que deixou milhares de jovens, adolescentes e crianças sem os seus pais, e milhares de pais sem os seus filhos.

Um vírus que destruiu amores, alegrias, sonhos, esperanças, e que abriu feridas terríveis nos corações de tantos brasileiros.

Pais, mães, avós, filhos, amigos, que não puderam nem se despedir da pessoa que tanto amavam.

Milhões de pessoas cuja última visão daquele ser tão amado foi dentro de um saco preto de plástico, entre tantos outros corpos dentro de sacos pretos.

Os filhos, as mães, os pais que partiram tão sozinhos, tão cheios de medo...

Desde o começo da pandemia, os meios de comunicação enfatizaram que esses mortos não eram simples números, mas gente de carne e osso.

E os depoimentos de parentes desses mortos, na CPI do Genocídio, foram dilacerantes.

Mesmo assim, milhões de brasileiros se recusam a usar uma simples máscara.

Como se a dor da mãe que perdeu o seu filho, ou do filho que perdeu os seus pais, fosse muito menos importante do que o “desconforto” que a máscara traz.

É claro que Bolsonaro tem enorme culpa em tudo isso.

Presidente da República, ele deu o exemplo, que tem grande poder de convencimento, especialmente quando vem de cima.

Ele minimizou os riscos dessa doença e até fez propaganda de remédios ineficazes, como se fossem uma “cura milagrosa”.

Promoveu aglomerações, combateu o uso de máscaras, chamou de covarde quem decidiu ficar em casa, ameaçou prefeitos e governadores que tentavam proteger a população.

Atrasou a compra de vacinas, que teriam salvado milhares de vidas.

Zombou do sofrimento dos doentes e dos familiares de tantos mortos.

Um comportamento perverso e indicativo de que ele queria é que muito mais gente morresse. O dobro, talvez.

No entanto, a verdade é que ele não é o único culpado.

Muitos, é claro, acreditaram nele por ignorância, ou até devido à força das redes de notícias falsas de seu exército de nazistas.

Mas muitos também acreditaram nele porque era mais cômodo, mais fácil, mais conveniente.

Afinal, proteger-se e proteger os demais exigiria sacrifícios.

Bem mais simples era fazer de conta que essa doença era apenas uma “gripezinha”, como afirmava o psicopata-presidente.

Assim, poderiam continuar frequentando a academia, o salão de beleza, a piscina, a festinha, o shopping, o bar.

Poderiam até frequentar a igreja. Afinal, para que orar em casa, se não há ninguém para se admirar do nosso imenso "fervor"...

No embalo dos discursos do psicopata-presidente, devem ter repetido, várias e várias vezes: “Máscaras não me deixam respirar direito!”, “São coisa de maricas!”, “Sou jovem e saudável!”, “Deus me protege!”...

E nunca lhes ocorreu que mesmo que quase nada sentissem ao contrair essa doença, milhões de outros seres humanos poderiam adoecer gravemente, e até morrer, como de fato aconteceu.

Reportagens e avisos não faltaram: “use máscara”, “mantenha distância dos outros”, “lave bem as mãos”, “fique em casa”, “só saia em caso de necessidade, para trabalhar, ir ao supermercado, farmácia e posto de saúde”.

Mesmo assim, persistiram nas aglomerações.

Afinal, para tais pessoas, a dor dos outros é coisa desimportante: vale menos do que um bronzeado, ou uma noitada em um bar.

Vale menos, infinitamente menos, do que a “macheza” e a “fé” que tanto gostam de exibir...

Não fosse tão baixo o valor que milhões de brasileiros atribuem à dor dos outros, Bolsonaro já teria sido escorraçado da Presidência, em vez de encontrar tamanho eco, em seu descaso pelo sofrimento alheio.

Aliás, é sintomático que tenha sido eleito, apesar das reiteradas declarações de preconceito e de ódio; apesar de toda a defesa que sempre fez da tortura e da morte de outros seres humanos.

Já são mais de 600 mil mortos, milhões de sobreviventes com sequelas, milhares de crianças e adolescentes que perderam os seus pais.

Já são mais de 14 milhões de desempregados, milhões e milhões a passar fome: homens, mulheres e crianças que disputam ossos de boi, carcaças de frango, e até reviram o lixo, em desespero.

Cresce a destruição das florestas e a matança de animais; crescem as ameaças contra pequenos agricultores; crescem até as agressões e assassinatos contra mulheres, gays, pretos e pobres.

Mas, quem se importa?

Afinal, é apenas e tão somente a dor dos outros...

E Bolsonaro continua presidente, no suposto “farol" de Deus para o mundo...

FUUUIIII!!!!

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