sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Alô, alô, PF e MPF! Empresa que ganhou contrato milionário da Prefeitura de Belém usa Certificado falso do Tesouro Nacional. JKL Investimentos vendeu ao prefeito Zenaldo Coutinho parte dos 11 milhões de luvas que ele comprou, com dinheiro federal, para o combate à Covid-19. Em 2017, Operação Perfídia apontou principal acionista da empresa como laranja de uma quadrilha especializada em falsificação de documentos e lavagem de dinheiro. Mas ela se prepara, inclusive, para operar uma companhia de aviação: a Nella Airlines. 11 milhões de luvas comprados pelo prefeito representam 7 vezes a população de Belém e 50 vezes o total de casos de Covid-19 no Pará.


 

A JKL Investimentos SA (CNPJ 33.286.926/0001-44), que ganhou um contrato de quase R$ 2 milhões da Prefeitura de Belém, usou um Certificado falso do Tesouro Nacional, em um aumento de capital de R$ 8,751 bilhões, em março deste ano.

Em resposta a uma pergunta que enviei, através de mensagem no site da instituição, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) afirma que “não reconhece” as operações contidas na descrição daquele documento: “Certificado Financeiro do Tesouro Nacional, nº 405.565 serie H, processo de validação, remissão sob o nº 08.4011.405.565.H, certificado de repactuação nº 91200011, CODIP/CODIV 524785631111, BACEN nº 200011, com base no decreto de lei nº 1.09 de janeiro de 1970, sendo destacado o valor referente a 100% do montante da repactuação totalmente integralizadas em moeda corrente do País (...)".

E diz, ainda, a STN: “Quaisquer documentos de “repactuação”, “TRR” e “Certificados”, são FALSOS em tentativa de dar credibilidade a operações que o Tesouro Nacional considera ‘fraudes’ com títulos públicos” (Clique no quadrinho que abre esta reportagem).

A descrição do “Certificado” consta em uma alteração societária, registrada pela própria JKL Investimentos na Junta Comercial do Ceará, e anexada ao Pregão Eletrônico 134/2020, da Prefeitura de Belém, do qual ela venceu dois lotes, no mês passado.

A empresa vai fornecer uma parte dos 11 milhões de unidades de luvas que o prefeito de Belém comprou, com recursos federais, para o combate à pandemia.

(Veja no link abaixo a descrição do “Certificado”. Ela está no começo da página 2 do documento, logo após a capa processual: https://drive.google.com/file/d/18WbJzktCeha_ioBUNIjzVs3Jk6qv_p_V/view?usp=sharing)

A JKL Investimentos, que diz integrar um grande grupo empresarial, com negócios em vários países do mundo, prepara-se, inclusive, para começar a operar no Brasil, no ano que vem, uma companhia de aviação: a Nella Airlines.

Mas em março de 2017, a Operação Perfídia, da Polícia Federal, apontou o empresário Maurício Araújo de Oliveira Souza como laranja de uma organização criminosa (orcrim), comandada por integrantes da família Chater e especializada em falsificação de documentos, evasão de divisas e lavagem internacional de dinheiro.

Maurício Araújo de Oliveira Souza é hoje o principal acionista da JKL Investimentos, com quase a totalidade das ações.

A outra sócia da empresa, Rafaelly Ripari Morrone, de 28 anos, possui apenas R$ 5,00 em ações, contra os R$ 8.996.825.420,00 (bilhões) do empresário.

Em 2017, a Polícia Federal afirmou que Maurício ajudou a lavar quase 5 bilhões de dólares, para aquela quadrilha, através de uma operação entre um banco da Dinamarca e a Global Recreative Sistem – GRS CA, uma offshore da qual ele era o representante legal.

Maurício teria se tornado o representante legal da Global Recreative após “morrer” e “ressuscitar”: em 2013, teve o CPF cancelado, por “encerramento do espólio”, junto à Secretaria da Receita Federal. Mas, no ano seguinte, obteve um novo CPF, de número 068.800.271-48.

Após a Operação Perfídia, ele afirmou a veículos de comunicação do Mato Grosso do Sul, seu estado natal, que tudo não passava de um engano, provocado pelo roubo de seus documentos, o que teria levado ao cancelamento de seu CPF, obrigando-o a providenciar um novo.

Leia a Representação da PF na Operação Perfídia, que a Perereca afanou do blog do jornalista Fausto Macedo, do Estadão. O caso da “morte” e “ressurreição” do empresário está na página 28: https://drive.google.com/file/d/1TBKMJrDnowFHAuEofmkKi6VJJK-Mv8JA/view?usp=sharing

 

11 milhões de luvas, ou 7 vezes a população de Belém

 

No Pregão 134/2020, realizado entre 28 de agosto e 4 de setembro, a Prefeitura de Belém comprou mais de 11 milhões de luvas de látex para os funcionários da Secretaria Municipal de Saúde (SESMA).

A SESMA possui cerca de 8 mil servidores, mas apenas uns 3 mil atuam diretamente no atendimento à população.

A quantidade de luvas comprada pelo prefeito Zenaldo Coutinho supera toda a população do Pará (que é inferior a 8,7 milhões de pessoas) e representa 7 vezes a população de Belém (1,5 milhão).

A desculpa do prefeito, para a aquisição desse mar de luvas, é a pandemia de Covid-19.

Mas o pico da doença ocorreu em maio, e hoje ela se encontra em queda, no Pará.

Esses 11 milhões de luvas representam, aliás, 50 vezes o total de casos confirmados de Covid-19 em todo o estado, e 309 vezes todos os casos de Belém.

Veja o contrato da JKL Investimentos, no valor de R$ 1,995 milhão, para fornecer à Prefeitura 30 mil caixas, com 100 unidades cada, de luvas de tamanho pequeno; e 17.500 caixas, com 100 unidades cada, de luvas de tamanho grande, ou 4,750 milhões de unidades no total. O CNPJ usado no contrato é da filial da empresa: https://drive.google.com/file/d/1R9OQdJWHgHDJi3Bd075yjC2fMJIVIBY2/view?usp=sharing

E veja o contrato da F Cardoso & Cia Ltda, outra empresa que também venceu o Pregão e vai fornecer o restante das luvas. O contrato dela é de R$ 3,120 milhões, por 65 mil caixas, cada uma com 100 unidades de luvas de tamanho médio, ou 6,5 milhões de unidades no total: https://drive.google.com/file/d/1XK22pzFUfka0e3nDCKJdXyxrp0fJRuyz/view?usp=sharing

Os dois contratos foram assinados no último 18 de setembro e têm vigência de 3 meses, o que significa que todas essas luvas deverão ser entregues à SESMA nesse período.

 

Prefeito persistente: dono de outra empresa foi preso pela PF

 

Essa não é primeira vez que Zenaldo entrega um contrato milionário a uma empresa suspeita.

Em 5 de julho, mostrei, em reportagem publicada pelo jornal Diário do Pará, que o prefeito já havia comprado R$ 12,5 milhões em Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), para os servidores da SESMA, durante a pandemia.

Tudo sem licitação e com vários indícios de irregularidades, principalmente de superfaturamento quantitativo: o Poder Público compra grandes quantidades de um produto, em volume muito superior à sua real necessidade, para receber apenas uma parte daquilo que pagou.

Na época, o caso mais impressionante era a aquisição de 4,6 milhões de unidades de luvas de látex, para os servidores da SESMA.

A empresa que ganhou o contrato de R$ 1,748 milhão, com vigência de 6 meses e sem licitação, para fornecer aquelas luvas, foi a J J da Silva & Santos, cujo dono viria a ser preso pela Polícia Federal, em 5 de agosto, durante a Operação Falsa Esperança.

Segundo a PF, a J J da Silva & Santos integra uma quadrilha que fraudou licitações e superfaturou EPIs em até 400 por cento, em contratos com prefeituras do estado do Maranhão.

A empresa, segundo a PF, não possui nenhum funcionário, nunca atuou no ramo médico-hospitalar e apenas comercializa acessórios para a instalação de aparelhos de ar condicionado e de energia solar (o nome de fantasia dela, aliás, é Ecosolar).

Mas quando a Operação Falsa Esperança ocorreu, a Prefeitura de Belém já havia rescindido o contrato da J J da Silva & Santos.

A rescisão ocorrera em 8 de julho, 3 dias depois da primeira reportagem do Diário do Pará sobre os indícios de irregularidades daquelas compras de EPIs. 

Leia mais na edição de 30 de agosto, página 3, do Diário do Pará: https://www.diarioonline.com.br/Digital/Page?editionId=1477#book/3

 

Ilícitos penais que devem ser comunicados à polícia

 

Na resposta à pergunta que enviei como cidadã, a STN diz, ainda, que “todos os títulos emitidos pelo Tesouro Nacional, válidos, são escriturais (eletrônicos) e registrados nas centrais de custódias (SELIC e [B]3 – Brasil Bolsa Balcão).

Observa que possui em seu site informações e alertas sobre tentativas de fraude com Títulos Públicos.

Afirma que “desconhece” Letras do Tesouro Nacional (LTNs) “caracterizadas como ‘roxa, azul, verde, golden’, ‘H, I, J, K’ ou qualquer outra cor ou denominação oferecidas em mercado”.

E acrescenta: “Quaisquer documentos de “repactuação”, “TRR” e “Certificados”, são FALSOS em tentativa de dar credibilidade a operações que o Tesouro Nacional considera ‘fraudes’ com títulos públicos”.

Esclarece, ainda, “que não existem LTN cartulares (impressas em papel) que sejam válidas. As LTN emitidas nos anos 70 tinham prazo máximo de 365 dias e foram todas resgatadas nos respectivos vencimentos, sem qualquer exceção. Em consequência, por se tratar de documentos que falsos que não possuem validade e nunca existiram, o Tesouro Nacional entende que transações comerciais ou financeiras envolvendo tais títulos podem configurar ilícitos penais, havendo de ser comunicadas as autoridades policiais para investigações”.

Para saber mais sobre o caso, incluindo todas as empresas do grupo JKL, leia a reportagem anterior da Perereca “Dono da JKL Investimentos, que vendeu milhões de luvas à Prefeitura de Belém, teria sido laranja de uma quadrilha especializada em lavagem de dinheiro”. Aqui: https://pererecadavizinha.blogspot.com/2020/10/dono-da-jkl-investimentos-que-vendeu.html

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