terça-feira, 21 de julho de 2020

Empresária dá queixa na polícia contra Perereca, por causa de reportagens publicadas no Diário do Pará. GM Serviços vendeu ventiladores pulmonares à Prefeitura de Belém que podem nem existir ou estarem em situação tão irregular que nem poderiam ter sido comercializados. Mesmo assim, diz que é vítima de “perseguição midiática”. Delegado intima Perereca a prestar depoimento sobre o caso. Pode isso, Arnaldo?


A empresária Genny Missora Yamada, proprietária da GM Serviços Comércio e Representação (CNPJ: 15.564.580/0001-17), registrou queixa contra mim, por calúnia, na Delegacia de Polícia da Cidade Nova, em Ananindeua, devido a uma série de reportagens, de minha autoria, publicadas pelo jornal Diário do Pará.

A GM Serviços vendeu ventiladores pulmonares à Prefeitura de Belém, em uma transação repleta de indícios de irregularidades, incluindo informações não verdadeiras nas Notas Fiscais, que a colocam como a fabricante desses equipamentos, que são fabricados na China.

Em ofício do último 2 de junho, enviado à Diretoria de Combate à Corrupção (Decor), da Polícia Civil, a Secretaria de Estado da Fazenda (SEFA) afirma que não há registro da entrada desses equipamentos na GM Serviços e que não há como informar se eles ao menos entraram no Pará.

A empresa nasceu como uma cafeteria e hoje realizaria 35 atividades, incluindo psicanálise.

Três meses antes de vender esses equipamentos à Prefeitura de Belém, ela pediu dispensa de licenciamento ambiental à Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMA) de Ananindeua, porque a sua principal atividade era a confecção de uniformes.

Todos esses fatos estão baseados em documentos, alguns já reproduzidos pelo Diário.

Mesmo assim, a empresária resolveu prestar queixa policial contra mim, um tipo de procedimento, aliás, de que nunca nem ouvi falar, em se tratando da publicação de reportagens.

E, por incrível que pareça, o delegado Hennison José Jacob Azevedo aceitou a queixa: na tarde de ontem, recebi um “Mandado de Intimação” para comparecer à 3 Seccional Urbana da Cidade Nova, para “prestar declaração, depoimento, ser interrogado, etc”.

O “Mandado de Intimação” não diz do que se trata: apenas cita o número da ocorrência (00004/2020.105125-6) e avisa que a minha ausência, se injustificada, poderá implicar no crime de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal (pena de 15 dias a 6 meses de detenção).

No entanto, as excelentes fontes que possuo (obrigada, valeu!), deram-me acesso ao Boletim de Ocorrência, registrado no último 10 de julho.

Nele, Genny alega que “vem sendo vítimas de ataques e perseguição midiática por parte de uma mulher que se diz jornalista de nome Ana Célia Pinheiro da Costa (...)”.

Diz, ainda, que “a jornalista atribuiu à empresa imputação criminosa e veiculou fatos inverídicos passíveis de sanção civil e penal de forma leviana e irresponsável”; que “as notícias divulgadas pela jornalista são falaciosas e constrangedoras”; que “as notícias assinadas pela jornalista têm cunho eminentemente político, extrapolam os limites da informação, com abuso da liberdade de expressão, com ofensa a personalidade, reputação, imagem e honra da empresa”.

Ainda segundo ela, “as informações veiculadas pelo jornal Diário do Pará foram publicadas após a retificação dos dados sem constar que se tratava de um erro de digitação, agindo com total má-fé”; que “a jornalista ocultou a informação da retificação dos dados e correção da quantidade de equipamentos na Nota de Empenho com clara intenção de formar uma opinião pública desfavorável à empresa”.

Diz, ainda, que “a jornalista não ouviu a versão da empresa e, ao ser contactada, foi ríspida e negou-se a registrar as informações prestadas pela representante da empresa”.

Vamos por partes, caro leitor, porque esse “causo” está cada vez mais enrolado: começou como a possibilidade de um “superfaturamento básico”, e hoje há fortes indícios de que esses ventiladores podem nem existir, ou estarem em situação tão irregular que nem poderiam ter sido comercializados.


De cafés e bombons à psicanálise


Comecei a investigar esse caso em 13 de junho, a pedido do Diário.

Localizei, no portal da Transparência da Prefeitura de Belém, um Mapa Consolidado dos gastos da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) com a Covid-19.

Nele, havia a informação de que a Prefeitura comprara, sem licitação e sem contrato, 2 ventiladores pulmonares por R$ 260 mil, e 1 por pouco mais de R$ 220 mil, de uma empresa chamada GM Serviços Comércio e Representação Eireli.

No portal da Transparência, obtive as Notas de Empenho da compra desses equipamentos. Elas confirmavam a informação do Mapa da Sesma.

Procurei no Google e não encontrei nenhum ventilador pulmonar a esse preço: todos custavam até menos da metade.

Busquei informações sobre a empresa.

Descobri que ela foi aberta, em 2012, como uma cafeteria, em um ponto comercial na Cidade Nova IV.

Seu nome empresarial era MF Martin-ME e, o revelador nome de fantasia, “Coffe Cake Doceria”. Veja no quadrinho abaixo:




Certidões da Junta Comercial do Pará (Jucepa), mostram que ela passou por várias alterações societárias, até chegar às mãos de Genny, em dezembro de 2017.

O seu capital é de R$ 400 mil. A principal atividade, declarada à Jucepa e à Receita Federal, é o comércio atacadista de instrumentos e materiais médicos, cirúrgicos, hospitalares e laboratoriais.

No entanto, a GM Serviços declara realizar um total de 35 atividades: confecciona roupas profissionais, imprime materiais publicitários, faz reparação e manutenção de aparelhos e instrumentos de medida, teste e controle; instalação e manutenção elétrica, hidráulica, sanitária, de gás, de centrais de ar condicionado.

Atua como representante de produtos odonto-médico-hospitalares; e no comércio atacadista de alimentos, roupas, acessórios profissionais, calçados, móveis e artigos de colchoaria, produtos de higiene e limpeza, informática, ferragens e ferramentas.

Faz, ainda, serviços de engenharia, limpeza de prédios e casas, atividades paisagísticas; de atendimento em pronto-socorro e urgências hospitalares; de nutrição; de psicologia e psicanálise; de fisioterapia; de terapia ocupacional; de fonoaudiologia e de apoio à gestão de saúde; além de assistência social e lavanderia hospitalar.

São tantos e diferentes ramos, muitos que requerem autorização, que a Receita Federal até escreveu, ao lado de alguns deles, que a empresa estava “dispensada” de alvará, mas que ela, Receita, não tem “qualquer responsabilidade” por isso.

Além disso, três meses antes de vender esses ventiladores à Prefeitura de Belém, a empresa obteve dispensa de licenciamento ambiental “por tratar-se de uma sala administrativa”, cuja atividade fim “é apenas de serviços de fornecimento de uniformes(...)”, diz um documento do Departamento de Gestão Ambiental da SEMA, de Ananindeua.

Veja as certidões da Receita e da SEMA:



Segundo o Diário Oficial da União, de 17 de junho do ano passado, a empresa obteve licença do Ministério da Saúde para armazenar, distribuir e expedir “correlatos” (equipamentos e materiais médico-odontológicos, de estética e de higiene).

Mas não há sinal dela e nem de sua proprietária no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA) ou no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), para que possa realizar, por exemplo, serviços de engenharia ou atendimento em pronto-socorro e urgências hospitalares.

O Diário previa publicar duas reportagens sobre o possível superfaturamento desses ventiladores, nos dias 21 e 22 de junho.

No entanto, na sexta-feira, 19, um blog vazou a informação.

A Prefeitura começou, então, uma operação de guerra, para abafar o caso.

Ainda na sexta, o portal da Transparência deu sumiço no Mapa Consolidado da Sesma e tirou do ar todos os gastos relativos à Covid-19.

Veja aqui: https://pererecadavizinha.blogspot.com/2020/06/prefeitura-de-belem-tira-do-ar.html

Já na tarde de sábado, 20, a Prefeitura fez ainda pior: alterou as Notas de Empenho que estavam naquele portal, inserindo mais equipamentos. Com isso, o preço dos ventiladores caiu para R$ 65 mil.

Veja aqui: https://pererecadavizinha.blogspot.com/2020/06/virou-zona-em-apenas-4-dias-pmb-altera.html

Ora, quando essa alteração ocorreu, o Diário de domingo já estava fechado.

E aí, ainda no domingo, o Zenaldo pegou as Notas de Empenho alteradas e fez um vídeo, para as redes sociais, acusando o jornal de “fake news”.

Para azar dele, porém, já havíamos copiado toda a documentação.

E aí, na segunda-feira, 22, o Diário publicou reportagem sobre a alteração das Notas de Empenho, colocando lado a lado as originais e as alteradas.


Mentiras e mais mentiras da empresária


Então, é MENTIRA a afirmação da empresária Genny Missora Yamada de que eu e o jornal ocultamos a alteração das Notas de Empenho.

Pelo contrário: o Diário até deu isso em manchete.

Agora, o que o jornal não fez foi publicar essa história como a empresária e o prefeito gostariam.

Ela vem agora dizer, no Boletim de Ocorrência, que tudo não passou de um “erro de digitação” e que houve “retificação” das Notas de Empenho.

Até onde sei, há pelo menos dois promotores de Justiça debruçados sobre esse caso, um deles especificamente sobre as alterações no portal.

Afinal, não estamos a falar de simples pedaços de papel ou de algum “favor” da Prefeitura: essas Notas de Empenho são documentos oficiais sobre gastos públicos, e a Transparência é Lei.

Outra MENTIRA de Genny é de que fui contactada por “representante” da empresa e que me neguei a registrar informações.

O que ocorreu foi o seguinte: às 17h10 da segunda-feira, 22 de junho, escrevia uma matéria, para a terça, sobre a GM Serviços, quando atendi um telefonema de um número desconhecido.

Uma mulher, que disse se chamar apenas “Giza” e que seria “vizinha, amiga” de Genny, queria porque queria marcar um encontro entre mim e a empresária àquela hora.

Expliquei-lhe que não tinha como sair de casa (moro quase em Marituba) e que estava escrevendo uma reportagem sobre o caso, para o dia seguinte.

A tal de “Giza”, então, MENTIU afirmando que essa matéria estava “cancelada” pelo Diário.

Então, eu disse a ela: entregue a documentação, que você diz ter, lá no Diário, que o pessoal me repassa. Vou ler e marco uma entrevista.

Até hoje estou à espera desses documentos.

E sinceramente, caro leitor, tenho inimigos demais para ir me encontrar à noite, sozinha, com uma pessoa que não sei quem é, em algum lugar que não sei onde fica.

Se a tal de “Giza” tivesse enviado os documentos que dizia ter, eu teria marcado uma entrevista com essa empresária lá no Diário, provavelmente, no dia seguinte.

Mas de forma alguma me encontraria com ela em outro local, ou permitiria que viesse à minha casa, expondo a minha filha.


Notas Fiscais com informações inverídicas


No Boletim de Ocorrência, Genny menciona as Notas Fiscais desses equipamentos, todas datadas de 31 de março.

Elas dizem que os ventiladores custaram R$ 65 mil. No entanto, contêm informações inverídicas.

Uma delas é o Código Fiscal em Operações e Prestações (CFOP) que a GM Serviços usou: o 5101.

Esse número significa que a empresa vendeu uma mercadoria que ela mesma produziu ou industrializou.

Só que esses ventiladores são da marca Mindray e são fabricados na China.

E a GM Serviços, aliás, nem sequer é a Representante da Mindray no Pará.

Outro problema é o Código da Situação Tributária (CST), usado nessas Notas Fiscais.

O CST indica a origem do produto e a alíquota devida de ICMS.

Ele tem três dígitos: o primeiro, se for zero, significa que a mercadoria é nacional; se for 1, que é estrangeira.

Os outros dois dígitos indicam os tributos.

Só que a GM Serviços usou como CST o número 0102.

Isso levanta a hipótese de que tenha usado o primeiro zero para indicar que os ventiladores são nacionais.

Já o 102 teria saído do CSOSN, o código usado pelas empresas optantes do Simples, e significa as transações que não permitem indicar o ICMS.


Compra antes do empenho


As Notas Fiscais também dizem que esses ventiladores foram vendidos na tarde de 31 de março, e que já no dia seguinte foram entregues à Sesma, segundo o Atesto de uma funcionária do Departamento de Urgência e Emergência (DEUE), daquela secretaria.

E aí fica a pergunta: como é possível que eles tenham chegado tão rápido, da China ao Pará? Ou eles já estavam no Pará?

Mas se a SEFA afirma que não há registro da entrada desses equipamentos na GM Serviços, onde é que eles estavam e como a empresa os obteve?

Além disso, as Notas Fiscais (e também as Notas de Empenho) dizem apenas que esses ventiladores são da marca Mindray.

Não há qualquer informação sobre as características deles, ou sobre o número de série.

Segundo um advogado, a falta do número de série faz com que a Prefeitura não tenha nem mesmo como comprovar quais ventiladores adquiriu.

Tão ou mais problemático é que as Notas Fiscais foram emitidas um dia antes das Notas de Empenho, datadas de 1 de abril.

Só que a Lei 4.320/64 proíbe que o Poder Público realize qualquer gasto sem antes empenhá-lo, ou seja, sem antes reservar dinheiro, no seu orçamento, para o pagamento.

A Nota de Empenho, que nasce dessa reserva orçamentária, é até uma garantia, para o fornecedor, de que ele receberá o dinheiro que lhe é devido.


Mais de R$ 1,7 milhão no ano eleitoral


Neste ano eleitoral, além dos ventiladores pulmonares, Zenaldo também comprou da GM Serviços, sem licitação e por R$ 170 mil, dois aparelhos de ultrassom.

Comprou, ainda, um esterilizador de peróxido de hidrogênio, por R$ 298.900,00, através do Pregão 07/2020 (da Sesma).

Ela também foi contemplada com uma inexigibilidade licitatória de R$ 255 mil, para a confecção de 150 mil máscaras descartáveis, para os profissionais de saúde da rede municipal.

No portal da Transparência, não há empenhos em favor dela, entre 2013 e 2018. No ano passado, há apenas um, de R$ 60 mil.

Neste ano, porém, os empenhos em favor da empresa somam mais de R$ 1,745 milhão, 66% sem licitação.


Onde houve “abuso” da liberdade de expressão?


Por fim, fico me perguntado quem é a empresária Genny Missora Yamada para estabelecer os “limites da informação”, que ela afirma que essas reportagens “extrapolaram”.

De onde vem a autoridade, que julga ter, para afirmar “abuso da liberdade de expressão”, em reportagens que se limitam a expor os fatos.

Pergunto à empresária: a GM Serviços nasceu ou não como uma cafeteria?

Ela declara ou não que realiza 35 atividades, que incluem até psicanálise?

Ela pediu ou não dispensa de licenciamento ambiental, porque a sua principal atividade é a confecção de uniformes?

Os códigos usados nas Notas Fiscais dizem ou não que esses ventiladores são nacionais e produzidos por ela?

As Notas de Empenho originais que estavam no portal da Transparência diziam ou não que esses equipamentos chegaram a custar R$ 260 mil?

É ou não é verdade que não há registro da entrada desses ventiladores na contabilidade dela, como afirma a SEFA?

É ou não é verdade que as Notas Fiscais não trazem nem sequer os números de série desses equipamentos?

É ou não é verdade que as Notas Fiscais foram emitidas antes das Notas de Empenho?

Desde quando é crime jornalistas realizarem reportagens sobre casos que envolvem dinheiro público?

Desde quando as pessoas podem sair por aí fazendo boletins de ocorrência contra jornalistas, por reportagens publicadas em veículos de comunicação?

E desde quando a polícia, delegados de polícia, podem aceitar uma ilegalidade dessas?

Na verdade, o que essa empresária quer é me intimidar, o que nada mais é do que pura perda de tempo.

Vou continuar, sim, investigando esse caso.

Até porque há sinais de que ele é apenas a pontinha de um enorme iceberg.

FUUUIIIII!!!!!!

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Leia as reportagens publicadas pelo Diário do Pará:


21/06 – Zenaldo compra respirador pulmonar mais caro do Brasil: https://www.diarioonline.com.br/Digital/Page?editionId=1403

22/06 – Zenaldo manipula documentos e altera preço de respiradores: https://www.diarioonline.com.br/Digital/Page?editionId=1404#book/3

23/06 – Fornecedora de respiradores começou como cafeteria: https://www.diarioonline.com.br/Digital/Page?editionId=1405

05/07 – Zenaldo compra 3 vezes mais luvas que a população de Belém: https://www.diarioonline.com.br/Digital/Page?editionId=1417

07/07 – MP investiga compra de respiradores por Zenaldo: https://www.diarioonline.com.br/Digital/Page?editionId=1419

19/07 – Respiradores comprados por Zenaldo podem ser fantasmas: https://www.diarioonline.com.br/Digital/Page?editionId=1433

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