O engraçado é que ainda ontem éramos crianças. A
brincar de pira, a dançar ciranda, a empinar papagaio, a jogar peteca...
Ou você já se esqueceu?
Duvi-d-o-dó (Escravos de Jó jogavam caxangá...), que
você tenha se esquecido daquele tempo...
Duvi-d-o-dó (Se essa rua, se essa rua fosse minha...)
que essas lembranças não o acompanhem até hoje...
Duvi-d-o-dó que haja manga mais gostosa!... (O cravo
brigou com a rosa...)
Duvi-d-o-dó que haja chuva tão cheirosa!... (Terezinha
de Jesus...)
Duvi-d-o-dó que haja sonhos tão maravilhosos de se
sonhar!... (Nossa Senhora vai dentro, os anjinhos a remar...)
Mas de repente, lá estávamos nós, adolescentes. Sofrendo
que nem cachorro abandonado!... Tanto a descobrir!... Tanto a conquistar!...
(Agora eu era o herói/ E o meu cavalo só falava inglês...)
O coração a bater acelerado
(tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum-tum...)
A gente a se achar horrível, tão sem graça, diante daquele
deus (ou deusa) que nos parecia tão inacessível quanto as estrelas!...
(Ah, a paixão que mais parecia um ente, de tanto que
de nós se apossava!...)
Mas de repente, lá estávamos nós, jovens.
O estudo, a carreira, o trabalho, os filhos, o lar que
queríamos ter...
O poeta bem que avisava: “Que não seja imortal, posto
que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure!”
Mas nós éramos eternos!... Ou melhor: o próprio
infinito!
Nem o céu era o limite: nada havia que não pudéssemos
conquistar!... (Que vivan los estudiantes/Jardín de nuestra alegría/Son aves
que no se asustan...)
Mas de repente, cá estamos nós: rugas, cabelos
brancos...30, 40 anos da mesmíssima profissão estressante... Lares que se
desfizeram, ou que arrastamos por aí, porque nos parecem o último porto... Mágoas,
ressentimentos, desilusões...
Um a um vão partindo aqueles que conviveram conosco. E
é como se aquilo que somos se desfizesse um pouco também...
Ah, o grande Machado! “Que abismo que há entre o
espírito e o coração!”...
E enquanto choramos os que se foram, por tudo o que
iluminaram a tantos nesta vida; por tudo o que representaram em nossas próprias
vidas, também nos lembramos de que a fila andou...
Pois é... Se bem lá atrás nem nos dávamos conta do
tempo, ou até nos imaginávamos a própria eternidade, hoje ele é um anseio, uma
urgência. Um desejo que mais e mais se agiganta, quanto mais se prolonga o
nosso caminhar.
“Mais tempo, mais tempo, mais tempo!”, rezamos. Mas
sabemos que o trem está bem ali à frente. E que logo, logo embarcaremos nele
também...
Poderíamos ter feito mais? Poderíamos ter realizado
tudo o que sonhamos? É improvável: o espírito humano não cabe nem em milhares e milhares de reencarnações!...
(E penso que Deus, aos poucos, também vai percebendo a
enormidade que cismou em Sua própria essência, ao nos criar...)
E talvez o segredo de não nos angustiarmos tanto
diante de tantas idas e vindas seja esse olhar para trás.
O olhar para tudo o que fomos.
Um “fomos” que talvez pareça tão frágil, tão efêmero...
Mas que, em verdade, persistirá em nós até o fim - e até nos transcenderá!...
Como bem disse um certo cientista: tudo o que fomos
sob o sol agora é luz a viajar entre as estrelas!...
Por todo o Universo. E para todo o sempre.
...................
Pro Celival, pra Conceição e pra todos nós!
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