sábado, 24 de março de 2018

A PM sangra. O “monstro” vencerá?


 
Em menos de três meses, 14 policiais militares já foram assassinados em nosso estado, diz o jornal Diário do Pará.

Ao que parece, a nossa polícia está a ser caçada; tornou-se um alvo preferencial dos criminosos.

Tanto assim que um dos PMs assassinados estava fardado, de serviço em uma praça, quando, de um carro que passava, veio o tiro que o matou.

Mais recentemente, um policial estava sem farda, dentro de um ônibus, voltando para casa após visitar um parente doente. E o fato de ter sido reconhecido pelos criminosos acabou por custar-lhe a vida.

Fico pensando em como está a cabeça dos nossos policiais, ao se darem conta de que se tornaram alvos da “bandidagem”.

A dor que devem estar a sentir diante das mortes de tantos companheiros, sem que haja nem mesmo um gesto de misericórdia do governador, para garantir-lhes um mínimo de segurança no exercício profissional – ou, ao menos, para consolá-los.

A angústia em que devem viver esses corajosos cidadãos que todos os dias saem às ruas para nos proteger, mesmo diante do perigo de não voltarem vivos para as suas famílias.

É verdade que todos sentimos esse medo, cada vez que saímos de casa, tamanha a violência que tomou conta deste estado.

Mas no caso dos nossos policiais civis e militares essa possibilidade é muito mais real.

Há anos, quando vivia em Lisboa, passou-se um episódio que pode nos ajudar a pensar sobre estes tempos tão sombrios que estamos a viver.

Estava a andar por uma praça, em companhia de outro brasileiro, quando precisamos de uma informação, para nos deslocarmos a outro ponto da cidade.

E aí, vimos um casal de policiais fardados, que patrulhavam a praça.

Nos aproximamos deles, pedimos a informação, e fomos tratados com uma delicadeza e paciência impressionantes.

E quando já nos afastávamos, o outro brasileiro virou-se para mim e disse mais ou menos assim: “que educação, que gentileza, a desses policiais! Imagina se a gente, no Brasil, tem coragem de parar um policial na rua, para pedir uma informação!... Imagina só como seríamos tratados!”

A imagem que a população brasileira tem dos nossos policiais é muito ruim.

E isso nos faz muitas vezes esquecer da importância do trabalho que realizam.

Da coragem e da empatia que é preciso ter, para estar nas ruas a proteger os demais cidadãos.

Do sofrimento mental a que são submetidos, todos os dias, pelas coisas terríveis que presenciam em nossas ruas.

Da necessidade de afastamento mental, de endurecimento emocional, que devem ter, até para que consigam manter um mínimo de sanidade.

Fico imaginando a pressão psicológica sobre um cidadão que está armado, para proteger outros cidadãos, e que não sabe se, de repente, não terá de sacar aquela arma, para matar ou morrer.

E fico pensando, também, que em meio à tamanha pressão ainda está presente na memória, no coração dos nossos policiais, a necessidade de voltarem ilesos para as suas casas; para a mulher, o marido, os filhos, os pais, os irmãos, que também precisam deles desesperadamente.

Bem vistas as coisas, os nossos policiais são heróis do cotidiano. Aqueles heróis que a gente já nem se dá conta de que existem, tão natural se tornou a presença deles em nossa sociedade.

Nossos policiais estão, sim, entre as grandes vítimas dessa violência que tomou conta do Brasil e do Pará.

Mas é preciso que os nossos corajosos policiais comecem também a pensar, a refletir, sobre o porquê desse abismo que os separa da nossa população. Um abismo que faz com que muitas vezes as pessoas nem percebam que eles também são grandes vítimas dessa violência.

É urgente desmilitarizar a nossa polícia. É urgente parar de formar policiais como se fossem para uma guerra, contra um exército inimigo de outro país.

A população brasileira não pode ser “o inimigo” dos nossos policiais. E isso, principalmente, em se tratando da população pobre, preta ou parda, de onde, aliás, vem a maioria dos nossos policiais.

As grandes inimigas do Brasil são a miséria e as desigualdades sociais.

São essas irmãs perversas que estão por trás dessa matança, desse banho de sangue que tomou conta do Pará e do Brasil.

E são elas que nós, todos juntos, precisamos combater.

Nossos corajosos policiais civis e militares também precisam nos ajudar a vencer outro grande inimigo: o corporativismo.

É preciso que desenvolvam uma tolerância zero em relação aos bandidos que se infiltram no meio deles.

E não apenas os bandidos que pegam propina, suborno. Mas os bandidos que “arrepiam” nas nossas ruas e delegacias, batendo, humilhando, torturando e matando cidadãos que se encontram sob a guarda do Estado.

Vamos deixar de lado o fato de que os nossos policiais são agentes públicos – e ainda por cima, encarregados de fazer cumprir a Lei.

Vamos nos concentrar na questão mais profunda, aquela que nos une de Norte a Sul, de Leste a Oeste do Planeta: a Humanidade em nós.

É verdade: deve ser irritante, um verdadeiro exercício de paciência, lidar com os mesmíssimos ladrões, todo santo dia, por exemplo.

Você se arrisca, trabalha feito um condenado para prender o cara, dá-lhe umas “merecidas” bolachas, e quando vê lá está ele solto, roubando novamente. E roubando muitas vezes de pessoas pobres, que trabalham de sol a sol, para ter o pouco que possuem.

Fico imaginando que, nessas horas, os nossos policiais devem pensar: “Égua, que esse sujeito não aprende mesmo!” e “a Justiça não funciona neste país!”.

E daí, para tomar a Justiça nas próprias mãos e identificar em qualquer cidadão parecido com aquele um potencial criminoso é apenas um passo.

Bem pior, porém, deve ser quando os nossos policiais se deparam com um indivíduo que cometeu um crime bárbaro.

O sujeito estuprou e matou uma criança; esfaqueou e degolou os próprios pais. Ou até torturou com choques um policial e o atirou de um ônibus, para que morresse.

Imagino que, nessas horas, o sangue de um policial deve ferver.

Imagino que ele deve pensar: “Não, isso daí não é um ser humano! Isso daí é um bicho, um monstro!”

E a maior tristeza, a ironia, é que o nosso policial nem percebe que quando faz isto ao “monstro” – humilha, bate, tortura e mata – foi, afinal, o “monstro” que acabou por vencer.

Porque o que nos faz ferver o sangue diante de um crime bárbaro é a nossa Humanidade.

É ela que nos faz sofrer junto com a criancinha estuprada e morta; junto com os pais degolados pelo próprio sujeito que colocaram no mundo; junto com o companheiro policial, que conhecíamos há anos, e que acabou assassinado daquele jeito.

É a nossa Humanidade que provoca tamanha revolta. É ela quem nos diz: “não, esse sujeito não pode ser humano”.

Mas também é essa mesmíssima Humanidade que morre um bocado em nós, quando praticamos crueldades dignas daquele a quem chamamos: “monstro”.

E nós, e especialmente os nossos policiais, não podemos permitir que seja o “monstro” o grande vencedor.

Não podemos nos habituar, achar “natural” infligir dor a outro cidadão, a outro ser humano, por pior que ele nos pareça.

Preservá-lo incólume, para que seja a Justiça a fazê-lo pagar por seu crime, é nos preservar também. É preservar essa coisa tão preciosa que é a Humanidade em nós.

E eu me recuso a acreditar que um ser humano “normal”, que se revolta diante de um crime bárbaro, consiga conviver com a lembrança dos gritos de dor de outro ser humano, a quem ajudou a torturar e matar.

E quanto ao ladrão que levou aquelas bolachas para “se corrigir”?

Ora, se ele continuou roubando é porque as bolachas não serviram de nada, pois não?

As bolachas, no máximo, podem ter diminuído a irritação do nosso policial.

Mas aquele cidadão continuou e continuará a roubar – e até, no limite, a matar.

E o que talvez resolvesse era se, ao cumprir a sua sentença, esse cidadão fosse colocado em um amplo programa de reinserção social. Aí sim, com uma profissão, uma família bem estruturada, uma vida digna, é bem possível que ele deixasse de roubar.

Alguém já disse: se violência policial resolvesse alguma coisa, as favelas do Rio de Janeiro seriam os locais mais pacíficos e seguros do mundo!

E essa violência policial, além de não resolver rigorosamente nada, também distancia a nossa população dos nossos bons policiais, que são muitos, mas que acabam pagando pelas “maçãs podres”.

É preciso entender que vocês não são inimigos da nossa população, nem a nossa população é inimiga de vocês.

Somos todos irmãos, filhos do mesmo Pará e do mesmo Brasil.

E nós não podemos nos permitir embrutecer.

Se a Justiça e o sistema carcerário já não funcionam, vamos para cima deles, para fazê-los funcionar.

Mas não podemos nos transformar naquilo que, todos os dias, todos os cidadãos, temos o dever de combater.

Apesar das coisas terríveis que vemos em nossas ruas; apesar desse banho de sangue em que elas se transformaram, temos que preservar a nossa Humanidade.

E eu não quero nem imaginar um Brasil e um mundo em que seja o “monstro”, afinal, o grande vencedor.

FUUUIIIIII!!!!!  

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