Em menos de três meses, 14 policiais militares já
foram assassinados em nosso estado, diz o jornal Diário do Pará.
Ao que parece, a nossa polícia está a ser caçada;
tornou-se um alvo preferencial dos criminosos.
Tanto assim que um dos PMs assassinados estava
fardado, de serviço em uma praça, quando, de um carro que passava, veio o tiro
que o matou.
Mais recentemente, um policial estava sem farda, dentro
de um ônibus, voltando para casa após visitar um parente doente. E o fato de
ter sido reconhecido pelos criminosos acabou por custar-lhe a vida.
Fico pensando em como está a cabeça dos nossos
policiais, ao se darem conta de que se tornaram alvos da “bandidagem”.
A dor que devem estar a sentir diante das mortes de tantos
companheiros, sem que haja nem mesmo um gesto de misericórdia do governador,
para garantir-lhes um mínimo de segurança no exercício profissional – ou, ao
menos, para consolá-los.
A angústia em que devem viver esses corajosos cidadãos
que todos os dias saem às ruas para nos proteger, mesmo diante do perigo de não
voltarem vivos para as suas famílias.
É verdade que todos sentimos esse medo, cada vez que
saímos de casa, tamanha a violência que tomou conta deste estado.
Mas no caso dos nossos policiais civis e militares
essa possibilidade é muito mais real.
Há anos, quando vivia em Lisboa, passou-se um episódio
que pode nos ajudar a pensar sobre estes tempos tão sombrios que estamos a
viver.
Estava a andar por uma praça, em companhia de outro
brasileiro, quando precisamos de uma informação, para nos deslocarmos a outro
ponto da cidade.
E aí, vimos um casal de policiais fardados, que
patrulhavam a praça.
Nos aproximamos deles, pedimos a informação, e fomos
tratados com uma delicadeza e paciência impressionantes.
E quando já nos afastávamos, o outro brasileiro
virou-se para mim e disse mais ou menos assim: “que educação, que gentileza, a
desses policiais! Imagina se a gente, no Brasil, tem coragem de parar um
policial na rua, para pedir uma informação!... Imagina só como seríamos
tratados!”
A imagem que a população brasileira tem dos nossos
policiais é muito ruim.
E isso nos faz muitas vezes esquecer da importância do
trabalho que realizam.
Da coragem e da empatia que é preciso ter, para estar
nas ruas a proteger os demais cidadãos.
Do sofrimento mental a que são submetidos, todos os
dias, pelas coisas terríveis que presenciam em nossas ruas.
Da necessidade de afastamento mental, de endurecimento
emocional, que devem ter, até para que consigam manter um mínimo de sanidade.
Fico imaginando a pressão psicológica sobre um cidadão
que está armado, para proteger outros cidadãos, e que não sabe se, de repente,
não terá de sacar aquela arma, para matar ou morrer.
E fico pensando, também, que em meio à tamanha pressão
ainda está presente na memória, no coração dos nossos policiais, a necessidade
de voltarem ilesos para as suas casas; para a mulher, o marido, os filhos, os
pais, os irmãos, que também precisam deles desesperadamente.
Bem vistas as coisas, os nossos policiais são heróis
do cotidiano. Aqueles heróis que a gente já nem se dá conta de que existem, tão
natural se tornou a presença deles em nossa sociedade.
Nossos policiais estão, sim, entre as grandes vítimas
dessa violência que tomou conta do Brasil e do Pará.
Mas é preciso que os nossos corajosos policiais comecem
também a pensar, a refletir, sobre o porquê desse abismo que os separa da nossa
população. Um abismo que faz com que muitas vezes as pessoas nem percebam que
eles também são grandes vítimas dessa violência.
É urgente desmilitarizar a nossa polícia. É urgente
parar de formar policiais como se fossem para uma guerra, contra um exército
inimigo de outro país.
A população brasileira não pode ser “o inimigo” dos
nossos policiais. E isso, principalmente, em se tratando da população pobre,
preta ou parda, de onde, aliás, vem a maioria dos nossos policiais.
As grandes inimigas do Brasil são a miséria e as
desigualdades sociais.
São essas irmãs perversas que estão por trás dessa
matança, desse banho de sangue que tomou conta do Pará e do Brasil.
E são elas que nós, todos juntos, precisamos combater.
Nossos corajosos policiais civis e militares também precisam
nos ajudar a vencer outro grande inimigo: o corporativismo.
É preciso que desenvolvam uma tolerância zero em
relação aos bandidos que se infiltram no meio deles.
E não apenas os bandidos que pegam propina, suborno.
Mas os bandidos que “arrepiam” nas nossas ruas e delegacias, batendo,
humilhando, torturando e matando cidadãos que se encontram sob a guarda do
Estado.
Vamos deixar de lado o fato de que os nossos policiais
são agentes públicos – e ainda por cima, encarregados de fazer cumprir a Lei.
Vamos nos concentrar na questão mais profunda, aquela
que nos une de Norte a Sul, de Leste a Oeste do Planeta: a Humanidade em nós.
É verdade: deve ser irritante, um verdadeiro exercício
de paciência, lidar com os mesmíssimos ladrões, todo santo dia, por exemplo.
Você se arrisca, trabalha feito um condenado para prender
o cara, dá-lhe umas “merecidas” bolachas, e quando vê lá está ele solto, roubando
novamente. E roubando muitas vezes de pessoas pobres, que trabalham de sol a
sol, para ter o pouco que possuem.
Fico imaginando que, nessas horas, os nossos policiais
devem pensar: “Égua, que esse sujeito não aprende mesmo!” e “a Justiça não
funciona neste país!”.
E daí, para tomar a Justiça nas próprias mãos e
identificar em qualquer cidadão parecido com aquele um potencial criminoso é
apenas um passo.
Bem pior, porém, deve ser quando os nossos policiais
se deparam com um indivíduo que cometeu um crime bárbaro.
O sujeito estuprou e matou uma criança; esfaqueou e
degolou os próprios pais. Ou até torturou com choques um policial e o atirou de
um ônibus, para que morresse.
Imagino que, nessas horas, o sangue de um policial
deve ferver.
Imagino que ele deve pensar: “Não, isso daí não é um
ser humano! Isso daí é um bicho, um monstro!”
E a maior tristeza, a ironia, é que o nosso policial
nem percebe que quando faz isto ao “monstro” – humilha, bate, tortura e mata –
foi, afinal, o “monstro” que acabou por vencer.
Porque o que nos faz ferver o sangue diante de um
crime bárbaro é a nossa Humanidade.
É ela que nos faz sofrer junto com a criancinha
estuprada e morta; junto com os pais degolados pelo próprio sujeito que
colocaram no mundo; junto com o companheiro policial, que conhecíamos há anos,
e que acabou assassinado daquele jeito.
É a nossa Humanidade que provoca tamanha revolta. É
ela quem nos diz: “não, esse sujeito não pode ser humano”.
Mas também é essa mesmíssima Humanidade que morre um
bocado em nós, quando praticamos crueldades dignas daquele a quem chamamos: “monstro”.
E nós, e especialmente os nossos policiais, não
podemos permitir que seja o “monstro” o grande vencedor.
Não podemos nos habituar, achar “natural” infligir dor
a outro cidadão, a outro ser humano, por pior que ele nos pareça.
Preservá-lo incólume, para que seja a Justiça a
fazê-lo pagar por seu crime, é nos preservar também. É preservar essa coisa tão
preciosa que é a Humanidade em nós.
E eu me recuso a acreditar que um ser humano “normal”,
que se revolta diante de um crime bárbaro, consiga conviver com a lembrança dos
gritos de dor de outro ser humano, a quem ajudou a torturar e matar.
E quanto ao ladrão que levou aquelas bolachas para “se
corrigir”?
Ora, se ele continuou roubando é porque as bolachas
não serviram de nada, pois não?
As bolachas, no máximo, podem ter diminuído a
irritação do nosso policial.
Mas aquele cidadão continuou e continuará a roubar – e
até, no limite, a matar.
E o que talvez resolvesse era se, ao cumprir a sua
sentença, esse cidadão fosse colocado em um amplo programa de reinserção
social. Aí sim, com uma profissão, uma família bem estruturada, uma vida digna,
é bem possível que ele deixasse de roubar.
Alguém já disse: se violência policial resolvesse
alguma coisa, as favelas do Rio de Janeiro seriam os locais mais pacíficos e
seguros do mundo!
E essa violência policial, além de não resolver
rigorosamente nada, também distancia a nossa população dos nossos bons
policiais, que são muitos, mas que acabam pagando pelas “maçãs podres”.
É preciso entender que vocês não são inimigos da nossa
população, nem a nossa população é inimiga de vocês.
Somos todos irmãos, filhos do mesmo Pará e do mesmo Brasil.
E nós não podemos nos permitir embrutecer.
Se a Justiça e o sistema carcerário já não funcionam,
vamos para cima deles, para fazê-los funcionar.
Mas não podemos nos transformar naquilo que, todos os
dias, todos os cidadãos, temos o dever de combater.
Apesar das coisas terríveis que vemos em nossas ruas;
apesar desse banho de sangue em que elas se transformaram, temos que preservar
a nossa Humanidade.
E eu não quero nem imaginar um Brasil e um mundo em
que seja o “monstro”, afinal, o grande vencedor.
FUUUIIIIII!!!!!
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