domingo, 20 de agosto de 2017

Avenida João Paulo II custará R$ 64 milhões por km, ou 10 vezes o km da Ferrovia Transnordestina e 6 vezes o da Ferrovia Paraense. É, também, 60 vezes o custo/km de estradas do próprio Pará. É a segunda turbinagem detectada pela Perereca no Ação Metrópole. A outra é o BRT Metropolitano, que ficará em R$ 50 milhões por km, o dobro dos BRTs de Manaus e da Augusto Montenegro e o triplo de BRTs de Las Vegas.




É incrível, mas verdadeiro: o prolongamento da avenida João Paulo II, que está sendo executado pelo Governo do Pará, em Belém, ficará em R$ 64,2 milhões por quilômetro, ou 10 vezes mais que o custo por quilômetro da ferrovia Transnordestina, que ligará três estados (Ceará, Pernambuco e Piauí) e custará menos de R$ 6,3 milhões por km. O gasto por quilômetro da João Paulo II também será 6 vezes maior que o da “Ferrovia Paraense”, que cruzará 23 municípios e está estimada em R$ 10,7 milhões por km, pelo próprio Governo Estadual.

O fato impressiona porque o valor de cada quilômetro de ferrovia é várias vezes superior ao de uma rodovia. Em declarações ao jornal o Estado do Paulo, em 06 de agosto de 2014, o presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Gustavo Bambini, informou que cada quilômetro de ferrovia custa 7 vezes mais.

Na época, disse ele, cada quilômetro de ferrovia ficava em 1,5 milhão de dólares (sem contar com pontes e viadutos), ao passo que cada quilômetro de rodovia tinha um custo médio de 200 mil dólares. O alto investimento, aliás, é um dos entraves à expansão da malha ferroviária nacional.

Veja no quadrinho a declaração de Bambini ao Estadão (clique em cima, para ampliar):



Segundo o Núcleo de Gerenciamento de Transporte Metropolitano (NGTM), o órgão do Governo do Pará que executa o projeto, o prolongamento da João Paulo II terá 4,7 quilômetros de extensão e custará R$ 302 milhões.

Veja no quadrinho abaixo. A notícia, que é de 31 de maio deste ano, está no site do NGTM sob o título “Avenida João Paulo II começa a ser integrada ao seu prolongamento”:



Já a Transnordestina terá 1.753 quilômetros de extensão e está orçada em R$ 11 bilhões, segundo informou o então presidente da Valec, Mário Rodrigues Junior, em audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília, em 16 de março do ano passado.

Veja no quadrinho. A notícia é do portal da Câmara dos Deputados:




E olhe que a Transnordestina, que se arrasta há anos, está cercada por suspeitas de irregularidades: no último mês de janeiro, o Tribunal de Contas da União (TCU) até determinou a suspensão de repasses financeiros para a obra.

Já a “Ferrovia Paraense” está estimada em R$ 14 bilhões, para 1.312 quilômetros de extensão, diz a Secretaria Estadual de Comunicação (SECOM). Ela cruzará 23 municípios e cortará o estado de Norte a Sul.

Veja no quadrinho. A informação está no site da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (SEDEME): 




60 vezes mais que rodovias paraenses... 


O dinheiro que está sendo gasto no prolongamento da João Paulo II também representa um custo 60 vezes maior, por quilômetro, daquilo que o próprio Governo do Pará afirma ter investido na construção de rodovias, entre 2011 e 2014.

Na página 109 da Mensagem que enviou à Assembleia Legislativa, no começo de 2015, o governador Simão Jatene diz que implantou, nos quatro anos interiores, 78,60 quilômetros de rodovias, com investimentos superiores a R$ 86,7 milhões.

Isso dá R$ 1,1 milhão por quilômetro de rodovia implantada, ou 60 vezes menos do que a João Paulo II (R$ 64,2 milhões).

Veja no quadrinho:



Na mesma mensagem, aliás, Jatene informa (página 116) que a João Paulo II já estava orçada, então, em R$ 287.739.824,00, fora a construção de uma adutora e as desapropriações.

Veja no quadrinho:




Você também pode acessar a íntegra dessa Mensagem no site da Secretaria de Estado de Planejamento, clicando em “Mensagem”. Depois, é só escolher o ano (no caso, 2015). Ou pode clicar neste link e ir direto pra lá: http://seplan.pa.gov.br/mensagem-governamental 



...3 vezes mais do que a Avenida Independência... 



A João Paulo II também custará o triplo, por quilômetro, do prolongamento da avenida Independência, inaugurado pelo governador Simão Jatene, em agosto de 2015.

Segundo a SECOM, o trecho de 9,04 quilômetros que vai da Rodovia do 40 Horas, em Ananindeua, ao km 9 da BR 316, estava orçado em R$ 159 milhões.

Isso dá R$ 17,6 milhões por quilômetro.

O valor inclui tudo: infraestrutura, pavimentação, urbanismo, sinalização, iluminação.

Veja no quadrinho. A informação é do site da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas (SEDOP, antiga SEDURB): 





...e o dobro da tabela do enrolado DNIT. 



A comparação só melhora um pouco para a João Paulo II quando do outro lado está o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), desde sempre envolvido em acusações de superfaturamento.

A tabela de custos do DNIT, de novembro do ano passado, aponta um gasto médio de R$ 3.172 milhões por quilômetro, para a construção e pavimentação de uma pista simples, com faixa de 3,6 metros e 2,5 metros de acostamento.

Mas, segundo o NGTM, a João Paulo II terá duas pistas de 10,50 metros de largura cada, além de 2,5 metros de acostamento, 2,5 metros de ciclovia bidirecional e uns 3 metros de calçadas, somando os dois lados. Ou seja, uns 30 metros de largura no total.

No entanto, mesmo multiplicando por dez o custo médio do DNIT, a conta ficaria em pouco mais de R$ 31 milhões por quilômetro, ou menos da metade da João Paulo II (R$ 64,2 milhões).

Veja no quadrinho o custo do DNIT para a construção de rodovias: 




Um projeto caro e arrastado 



O prolongamento da João Paulo II é parte do Ação Metrópole, um projeto financiado pelo Governo Federal e pela JICA, a agência de cooperação internacional do Japão, para desafogar o trânsito na Região Metropolitana de Belém.

O Ação Metrópole começou a ser desenhado em 1990. Mas, passados quase 30 anos, algumas de suas principais obras, como é o caso dos BRTs (sistemas de ônibus rápidos), ainda não estão prontas.

A própria João Paulo II (que será uma alternativa à BR 316, para a saída de Belém) é mais um exemplo desse atraso.

Pelo contrato entre o Núcleo de Gerenciamento de Transporte Metropolitano (NGTM) e a construtora Camargo Corrêa, publicado no Diário Oficial da União (DOU), de 21/05/2013, seção 3, página 175, o prolongamento daquela avenida custaria quase R$ 249 milhões e estaria pronto até 31/10/2014.

Veja no quadrinho:



A primeira placa da obra diz, aliás, mais ou menos isso: início em julho de 2013 e conclusão em 16 meses – ou até novembro de 2014.

Veja no quadrinho. A foto foi publicada pelo Diário Online (DOL):



No entanto, em julho deste ano, a informação do próprio NGTM era de que apenas 70% dos serviços estavam concluídos e que o prazo de entrega da avenida (entre os vários já anunciados) seria dezembro deste ano.

Veja no quadrinho:  




BRT de Jatene custará 
R$ 50 milhões por quilômetro. 



O preço da João Paulo II não é, porém, o único turbinado no Ação Metrópole.

Como você leu  na reportagem publicada pela Perereca, em 24 de abril deste ano (http://pererecadavizinha.blogspot.com.br/2017/04/brt-de-jatene-custara-o-dobro-de-manaus.html), o BRT Metropolitano, que será executado pelo Governo do Estado, na BR 316, ficará em R$ 50 milhões por quilômetro.

É o triplo do que custaram, por quilômetro, os BRTs MAX (Metropolitan Area Express) e SX (Sahara Express), da rica cidade de Las Vegas, nos Estados Unidos.

É o dobro dos BRTs de Manaus e de Brasília, e até do BRT da Augusto Montenegro, executado pela Prefeitura de Belém.

É o triplo dos BRTs de Florianópolis (SC), Goiânia (GO), Palmas (TO), Porto Alegre (RS) e Fortaleza (CE) e oito vezes mais caro que o de Recife (PE).

Além disso, o custo por quilômetro do BRT Metropolitano praticamente empatará com o do gigantesco Transcarioca, do Rio de Janeiro, que foi inaugurado em 2014, para a Copa do Mundo, e ficou em R$ 51,2 milhões por quilômetro – ou apenas 2% a mais.

No entanto, a diferença entre as duas obras é gritante.

O BRT de Jatene, que está orçado em cerca de R$ 530 milhões, terá apenas 10,75 quilômetros de extensão, desde o Entroncamento até Marituba, além de 26 estações, 2 terminais de integração, 13 passarelas para travessia de pedestres, 1 viaduto de quatro pétalas e um Centro de Controle Operacional.

Já o Transcarioca, com 39 quilômetros de extensão, possui 10 viadutos (um deles estaiado), 9 pontes (duas estaiadas), 3 mergulhões, 45 estações e 5 terminais de integração.

Só a ponte estaiada da Barra da Tijuca, com 900 metros, custou R$ 120 milhões. A obra toda consumiu 21 toneladas de aço, o equivalente ao peso de 18 estátuas do Cristo Redentor. 



Um longo e lucrativo caso de amor 



A primeira licitação internacional para o BRT de Jatene, aberta em novembro do ano passado, acabou cancelada. Por “coincidência”, depois que o jornal Diário do Pará noticiou que apenas um consórcio, liderado pela Paulitec, apresentara proposta para o serviço – apesar de a crise econômica ter acirrado a disputa de construtoras de todo o mundo, por obras até mais baratas.

Natural de São Paulo, a Paulitec tem uma longa e lucrativa história de amor com o PSDB.

Entre obras antigas e novas, ela já recebeu dos governos tucanos do Pará e da Prefeitura de Belém, também comandada pelo partido, pelo menos R$ 1 bilhão, em valores atualizados pelo IPCA-E de abril último.

Foi ela quem construiu, por exemplo, o Hangar Centro de Convenções e a ponte estaiada sobre o rio Guamá; é ela quem está construindo o Parque do Utinga e o BRT da Augusto Montenegro.

Quando a primeira licitação do BRT de Jatene foi cancelada, o valor de referência da obra já estava em mais de R$ 532 milhões.

E mesmo com a Perereca e o Diário do Pará elaborando uma tabela superfaturada, “de grátis”, para os preços das obras previstas por esse BRT (viaduto, estações, passagens inferiores, etc), ainda ficavam faltando mais de R$ 80 milhões para se chegar a esses impressionantes R$ 532 milhões.

Mas Jatene insiste: no último dia 16, o NGTM publicou, no Diário Oficial do Estado (página 64), a abertura de uma nova licitação internacional para esse BRT.

Segundo o edital (que está no link http://www.licitacao.consorciotroncal.com.br/) o novo valor de referência da obra é de R$ 527,7 milhões.

Veja no quadrinho. A informação está na Seção VI do novo Edital (Requisitos de Obras), página 30:



Já o prazo de execução será de 585 dias, o que significa que o BRT Metropolitano, além de caríssimo e atrasado em décadas, ainda demorará mais uns dois anos para sair – se sair.

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(A reportagem acima, com modificações, foi publicada pelo jornal Diário do Pará deste domingo, 20/08/2017).

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