quarta-feira, 22 de março de 2017

A “condução coercitiva” de Eduardo Guimarães: até quando os verdadeiros juízes se calarão?



A "desrepública do Paraná" quebra agora até sigilo de fonte. Até quando? (foto: blog da Cidadania)



O senhor Sérgio Moro parece ter atingido o ápice do desequilíbrio.

E eu me pergunto até onde ele terá de chegar, para que a sociedade brasileira e o Poder Judiciário deem um basta em seus desmandos.

A condução coercitiva do blogueiro e jornalista Eduardo Guimarães, do blog da Cidadania, na manhã de ontem (21), é prova contundente de que esse senhor não tem condições de envergar uma toga.

E é por isso que me recuso a chamá-lo de juiz.

Porque ser juiz é muito mais do que estudar Direito e passar em concurso.

Ser juiz é merecer, de fato, aquela que é a maior confiança que os cidadãos podem depositar em outro cidadão: a certeza da Justiça.

Já houve quem torcesse o nariz quando escrevi que o Judiciário é o Poder mais importante de uma República.

Mas hoje vou é além: para mim, o Judiciário é a própria pedra angular da Civilização.

Muito mais do que ameaças ou punições posteriores, o que nos permite viver em uma sociedade civilizada é um pressuposto, uma anterioridade: a certeza de que eventuais conflitos serão dirimidos de forma justa e que os direitos de cada qual serão preservados.

Medo, ameaças, violências, punições não são suficientes para impedir tumultos, assassinatos, linchamentos e até revoluções. Só a certeza na Justiça é que garante a estabilidade de qualquer sociedade civilizada.

E é por isso que, quando o Judiciário claudica, tem-se toda sorte de desafios à Legalidade. E quando ele  desmorona, tem-se, simplesmente, a barbárie.

Hoje, o que vemos no Brasil é um Judiciário cada vez mais fragilizado por ingerências político-partidárias e por cidadãos que envergam uma toga apenas por aspirações hollywoodianas, ou até por anseios patológicos de poder.

É o resultado da sociedade do espetáculo, dirão uns; é a despolitização da maioria do povo brasileiro, dirão outros.

Mas será, de fato, apenas isso?

Ora,  tal “espetacularização” existe no mundo inteiro e até as nações mais desenvolvidas são afligidas pela despolitização de seus cidadãos.

Então, o que é que está acontecendo, hoje, no Brasil, quando o Judiciário vai-se transformando em espécie de  ponta-de-lança de um regime autoritário, policialesco, que rasga todos os dias a Constituição, a mesmíssima Constituição que os senhores magistrados juraram defender?

Onde estão os verdadeiros juízes, que são muitos, a maioria até, mas que nada dizem ou fazem para conter essa torpeza que se está a cometer contra a Constituição e o próprio Judiciário?

Por ordem do senhor Sérgio Moro, o blogueiro Eduardo Guimarães foi “conduzido coercitivamente” pela Polícia Federal, na manhã de ontem, em São Paulo, sem nem sequer ter sido intimado antes, a prestar depoimento.

E qual a “acusação” tão grave contra Eduardo Guimarães, para que fosse levado, subitamente, “debaixo de vara”?

A de haver antecipado, em seu blog, a “condução coercitiva” do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, no ano passado, dentre outras informações “sigilosas”, referentes à operação Lava-Jato. 

Ou seja: Eduardo teria “vazado” informações dessa “peneira midiática” que é a Lava-Jato, cujos vazamentos são praticamente diários, em todos os grandes veículos de comunicação do País. E olhe que o próprio senhor Sérgio Moro teve participação ativa em pelo menos um desses vazamentos: o famoso diálogo telefônico entre Lula e Dilma.

Mas o que é que queria saber tão urgentemente a Lava-Jato, a ponto de  pegar o cidadão Eduardo Guimarães na casa dele, às 6 da manhã, e conduzi-lo “debaixo de vara”, sem nem mesmo dar-lhe a chance de comparecer à delegacia de livre vontade?

A Lava-Jato queria saber quem foi a fonte das notícias divulgadas pelo blogueiro.

Ora, a Constituição Federal assegura o sigilo da fonte. E mesmo assim o senhor Sérgio Moro assinou embaixo dessa excrescência, a pedido da Polícia Federal e do Ministério Público.

Assim, Eduardo Guimarães, além de “conduzido coercitivamente”, também teve apreendidos o computador e os smartphones, dele e da mulher – e os aparelhos, como até brincou um internauta, serão “torturados” até que revelem todos os segredos do blogueiro...

Além disso, ao que consta em vários sites, há um processo contra Eduardo Guimarães, que teria “ofendido” e até “ameaçado” o senhor Sérgio Moro, através do Twitter.

E mesmo assim, o senhor Sérgio Moro não se sentiu impedido de atuar nesse caso.

Tem mais.

Depois do escândalo nacional diante de tamanha arbitrariedade, a Justiça Federal do Paraná divulgou nota em que afirmou mais ou menos assim: “Ah, mas o Eduardo Guimarães não é jornalista. Então, não existe esse negócio de sigilo da fonte. Além disso, esse tal de Blog da Cidadania não passa de um veículo de propaganda política, destinado apenas ao exercício da própria liberdade de expressão do Eduardo”.

Como é que é, cara pálida?

Há anos, o Supremo Tribunal Federal, a mais alta Corte de Justiça deste País, decidiu: não há necessidade de diploma para o exercício da profissão de jornalista.

E o que o Eduardo Guimarães e muitos blogueiros fazem é, sim, Jornalismo.

Os blogs, que nasceram basicamente como diários virtuais nos Estados Unidos, salvo engano, no século passado, transformaram-se em importantes veículos de informação e de disseminação de conhecimento, e até de opinião – outro direito garantido pela Constituição.

E hoje, muitos blogs até pautam os “jornalões”, o que é extremamente vantajoso para a sociedade, na medida em que se pulverizam as fontes noticiosas, impedindo que informações essenciais sejam varridas para debaixo do tapete, por conta de interesses inconfessáveis.

Há doze anos, Eduardo Guimarães traz aos seus leitores, além de opinião, a informação jornalística – matérias com boas fontes, entrevistas e “furos”, por vezes, invejáveis.

Tem, portanto, todo o direito de ser chamado de jornalista. E isso quem diz não sou eu, mas o Supremo Tribunal Federal - que é infinitamente superior a todos os Moros, policiais federais, procuradores e promotores da “Desrepública do Paraná”.

E se Eduardo Guimarães é petista, tucano, comunista, anarquista, de direita, de esquerda, de cima ou de baixo - o raio que o parta! - tem, sim, todo o direito de expressar a sua opinião, porque nenhum desses policiais, procuradores ou Moros da vida é maior do que a Constituição.

No entanto, ainda mais preocupante é que a violência contra o jornalista e blogueiro Eduardo Guimarães não é um fato isolado.

Já seria grave, se fosse apenas com ele. Mas assume dimensões dramáticas quando se percebe que ela faz parte de um conjunto de crescentes atentados contra as liberdades de informação e de opinião, neste País.

São processos e mais processos contra jornalistas ou blogueiros, muitas vezes com determinação de censura prévia (outro atentado contra a Constituição) e até com perseguição pura e simples, como aconteceu, recentemente, na “Desrepública do Paraná”.

Lá, juízes abriram dezenas de processos contra jornalistas da Gazeta do Povo, que divulgaram os supersalários dos meritíssimos, que, aliás, constavam no portal da Transparência (Leia aqui: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1778916-magistrados-entram-com-dezenas-de-acoes-contra-jornalistas-no-pr.shtml).

As audiências obrigaram os jornalistas a peregrinar dias seguidos, de município em município, até que uma decisão do Supremo pôs fim àquela perseguição togada.

A reestruturação mundial da Informação, tanto em sua geração, quanto em sua disseminação, experimenta, no Brasil, um momento assustador, com a galopante judicialização da censura (condenações, ameaças de prisão, intimidações, indenizações extraordinárias), e o puro e simples assassinato de jornalistas e blogueiros.

Não por acaso, os atingidos são os profissionais que incomodam, com as suas informações e críticas, àqueles que se imaginam acima da Lei.

É desolador que magistrados, ou pessoas que se pretendem magistrados, compactuem com isso; que se tornem cúmplices desse assédio às liberdades democráticas, quer por suas ações ou omissões.

O que a sociedade espera de seus juízes é apenas que ajam com isenção e que NÃO usem esse Poder magnífico, que é o Judiciário, apenas e tão somente em benefício próprio.

É só isso.

Mas esse “só isso” já é uma enormidade, porque é capaz de dar uma nova cara a toda e qualquer sociedade.

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E leia a nota do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj): 

Condução coercitiva de Eduardo Guimarães é censura e ataque à liberdade de expressão 

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) protestam contra a condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania, levado de sua residência na capital paulista, na manhã desta terça-feira (21), para prestar depoimento à Polícia Federal (PF) no âmbito da Operação Lava Jato.

Guimarães teve seu apartamento vasculhado, foram apreendidos seu celular, notebook e um pen drive de uso pessoal e o blogueiro foi conduzido à Superintendência da PF no bairro da Lapa, zona oeste paulistana.

A Polícia Federal, em mais uma demonstração de arbitrariedade e violação de direitos inspirada na época da ditadura militar no país, quer violar o sigilo de fonte por Guimarães ter vazado a informação de que o ex-presidente Lula seria conduzido coercitivamente pela PF, o que forçou o adiamento da ação no ano passado.

Além da arbitrariedade da condução coercitiva, sem que qualquer intimação prévia tenha sido feita ao blogueiro, a PF devassa dados pessoais e desrespeita o sigilo de fonte garantido pela Constituição Federal em seu Artigo 5º, parágrafo XIV, em que define que ´“é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

A Polícia Federal ataca, ainda, a liberdade de imprensa e de expressão do blogueiro – a mesma PF que tem vazado informações seletivamente de acordo com os próprios interesses, sem levar em consideração os interesses da sociedade.

O SJSP e a Fenaj expressam seu veemente repúdio à arbitrariedade da Polícia Federal, pois a condução coercitiva do blogueiro também representa um terrível precedente, que coloca em risco um dos mais importantes princípios do jornalismo – garantir o direito da população à informação.

O Sindicato e a Federação também se colocam à disposição de Eduardo Guimarães para lutar contra mais esse ato de lamentável autoritarismo e censura, além de prestar solidariedade e apoio na adoção de todas as medidas legais cabíveis.

São Paulo, 21 de março de 2017. 

Direção do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo
Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj” 

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E fica aqui uma música do grande Chico Buarque, feita sob medida para tempos tão sombrios:



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