quinta-feira, 12 de maio de 2016

Obrigada, mamãe!






A maior herança que minha mãe me deixou foi a solidariedade.

Quando criança, cansei de ver mendigos batendo na porta de casa. E nunca vi nenhum deles sair de lá sem um prato de comida.

Mamãe era assim: solidária e temente a Deus. E também caçoísta e teimosa como ela só...

Penso que foram tais características que a ajudaram a superar, sem um pingo de amargura, os inúmeros obstáculos que enfrentou.

Papai morreu muito cedo e mamãe teve que criar sozinha os sete filhos, alguns, então, crianças ou adolescentes.

Para aumentar o caixa, fez até um curso por correspondência e passou a fabricar perfumes.

Era uma mulher muito inteligente, que poderia ter sido muito mais, se tivesse estudado.

Mas os pais dela investiram apenas na educação dos filhos homens – os dois cursaram Direito. Já as filhas mulheres foram preparadas apenas para casar.

É claro que isso criou muitos pontos de atrito entre mim e minha mãe, já que me recusei a seguir por esse caminho.

Nunca quis ser apenas a mulher de alguém; a dona de casa dos chazinhos beneficentes; a esposa de algum “doutor”.

Mas ao longo do tempo a gente foi se aceitando. E ela até brincava dizendo que eu era “uma viúva de dez maridos”, quando se referia a essa teimosia que também me legou.

Mamãe adorava política e continuou a votar ainda bem velhinha, mesmo quando já nem precisava mais.

Há uns anos, minha irmã, Tita, costumava rir quando eu chamava mamãe de primeira dama de Anajás.

Meu pai foi prefeito e, talvez, o único deputado estadual eleito por aquele município, até hoje um dos mais miseráveis do Brasil.

E eu brincava com mamãe, convidando-a para que fosse comigo até Anajás, a fim de recuperar a “herança política” do papai...

Tita morreu em abril de 2012.

Sílvio, outro de meus irmãos, em 2014.

Foram duas perdas, de uma dor lancinante, que abalaram um bocado a eterna primeira dama de Anajás.

Ontem, ela partiu, deixando para trás a menina caçoísta que, afinal, nunca deixou de ser.

A menina que a vida maltratou tanto, mas que, um dia, deve ter sonhado todos os sonhos do mundo...

Nos banhos de rio... Nas árvores em que subia, para saborear a fruta no pé... Nos quintais onde corria, com o vento a lhe acariciar os cabelos negros e ondulados...

Não, em verdade aquela menina não partiu.

Ela vive em mim e em cada um dos filhos que gerou.

Vive nos netos e bisnetos. Vive em todos aqueles que a sua bondade, um dia, encantou.

Aquela garota apenas fez uma breve parada nos braços de Deus, o Deus que tanto amou.

E, quem sabe, voltemos a nos encontrar em outras vidas, a correr por campos a perder de vista, a sonhar todos os sonhos do mundo no perfume de uma flor.

Siga em paz, mamãe!

E muito obrigada por me fazer quem sou.

Pra senhora, até que a gente volte a se encontrar:


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