segunda-feira, 8 de julho de 2013
Uma democracia de araque: jornalista é condenado à prisão por crônica sobre o coronelismo. Em Sergipe, presidente e vice do Tribunal de Justiça seriam parentes do governador Marcelo Déda.
No blog do jornalista Luís Nassif:
“Jornalista é condenado à prisão por crônica ficcional
Enviado por luisnassif, seg, 08/07/2013 - 15:33
Do Brasil de Fato
Jornalista em Sergipe é condenado à prisão por escrever crônica ficcional
Apesar de o texto ser em primeira pessoa e não ter indicação de locais e datas, um desembargador do TJ, cunhado do governador Marcelo Déda, sentiu-se ofendido, pediu a prisão do jornalista e juiz atendeu
Sindijor
A Justiça em Sergipe acaba de condenar o jornalista José Cristian Góes a sete meses e 16 dias de detenção. O crime cometido por ele: ter escrito uma crônica ficcional sobre o coronelismo.
Mesmo sendo um texto em primeira pessoa e sem citar nome de ninguém, o desembargador e vice-presidente do Tribunal de Justiça Edson Ulisses, alegou que se sentiu pessoalmente ofendido pela expressão “jagunço das leis” e pediu a prisão do jornalista por injúria.
Apesar de todo o processo ter sido presidido pela juíza Brígida Declerc, do Juizado Especial Criminal em Aracaju, a sentença foi assinada no último dia 04 de julho pelo juiz substituto Luiz Eduardo Araújo Portela.
“Esta é uma decisão em primeira instância. Vamos ingressar com os recursos. Em razão de ser uma sentença absurda, não acreditamos que ela prospere, mas se for o caso vamos até o STF em razão da decisão ferir gravemente à Constituição Federal, e quem sabe, podemos ir até ao CNJ e as Cortes Internacionais de Direitos Humanos”, informou Antônio Rodrigo, advogado de Cristian Góes.
Os sete meses e 16 dias de detenção foram convertidos pelo juiz Eduardo Portela em prestação de serviço a alguma entidade assistencial.
O desembargador Edson Ulisses, cunhado do governador Marcelo Déda (PT), alegou que a crônica literária intitulada “Eu, o coronel em mim”, escrita pelo jornalista Cristian Góes em maio de 2012 em seu blog, ataca diretamente o governador de Sergipe e a ele, por consequência.
Por isso, ingressou com duas ações judiciais. Na criminal, o desembargador pedia a prisão de quatro anos do jornalista. Na ação cível, solicita que o juiz estabeleça um valor de indenização por danos morais e já estipula os honorários dos seus advogados em R$ 25 mil.
Numa audiência, o desembargador afirma: “Todo mundo sabe que ele escreveu contra o governador e contra mim. Não tem nomes e nem precisa, mas todo mundo sabe que o texto ataca Déda e a mim”.
O advogado Antônio Rodrigo provou com farta documentação que é completamente impossível na crônica literária assinada por Cristian Góes encontrar a mínima prova da intenção de ofender a honra de ninguém. “Esse ‘alguém’ não existe no texto. Não é uma questão de interpretação. A figura do injuriado não existe”, disse o advogado.
Durante o processo, a juíza negou à defesa do jornalista ouvir duas de suas testemunhas, sendo uma chave para esclarecer todo processo: o governador Marcelo Déda. Também não foi permitida uma série de perguntas do advogado ao desembargador Edson Ulisses e às suas testemunhas.
A crônica literária “Eu, o coronel em mim” é um texto em estilo de confissão de um coronel imaginário dos tempos de escravidão que se vê chocado com o momento democrático. Não há citação de nomes, locais, datas, cargos públicos.
Em Sergipe, o irmão do governador Marcelo Déda, o desembargador Cláudio Déda, é o presidente do Tribunal de Justiça e o cunhado do governador, o desembargador Edson Ulisses é o vice-presidente, sendo que este último foi escolhido e nomeado pelo governador.
Atendendo ao pedido do desembargador Edson Ulisses, o Ministério Público, ainda na primeira audiência de conciliação, denunciou criminalmente o jornalista. Por coincidência, dias depois da denúncia, a promotora de Justiça Allana Costa, que era substituta e trabalhava no interior de Sergipe, foi premiada com a promoção para a capital, em cargo de coordenadoria.
Em uma das audiências do caso, vários representantes de movimentos sociais que lutam pela liberdade de expressão, e até familiares do jornalista, foram impedidos de participar da audiência. A segurança da Polícia Militar foi reforçada na sede do Tribunal de Justiça. Todos os lugares da sala de audiência foram tomados desde cedo por funcionários com cargos comissionados e terceirizados do Tribunal de Justiça”.
E Eis a crônica “Eu, o coronel em mim”, conforme consta no blog do jornalista José Cristiano Goés, em link postado por comentaristas do blog do Nassif (http://www.infonet.com.br/josecristiangoes/ler.asp?id=128810&titulo=Cristian_Goes):
Eu, o coronel em mim
Mando e desmando. Faço e desfaço
Está cada vez mais difícil manter uma aparência de que sou um homem democrático. Não sou assim, e, no fundo, todos vocês sabem disso. Eu mando e desmando. Faço e desfaço. Tudo de acordo com minha vontade. Não admito ser contrariado no meu querer. Sou inteligente, autoritário e vingativo. E daí?
No entanto, por conta de uma democracia de fachada, sou obrigado a manter também uma fachada do que não sou. Não suporto cheiro de povo, reivindicações e nem com versa de direitos. Por isso, agora, vocês estão sabendo o porquê apareço na mídia, às vezes, com cara meio enfezada: é essa tal obrigação de parecer democrático.
Minha fazenda cresceu demais. Deixou os limites da capital e ganhou o estado. Chegou muita gente e o controle fica mais difícil. Por isso, preciso manter minha autoridade. Sou eu quem tem o dinheiro, apesar de alguns pensarem que o dinheiro é público. Sou eu o patrão maior. Sou eu quem nomeia, quem demite. Sou eu quem contrata bajuladores, capangas, serviçais de todos os níveis e bobos da corte para todos os gostos.
Apesar desse poder divino sou obrigado a me submeter à eleições, um absurdo. Mas é outra fachada. Com tanto poder, com tanto dinheiro, com a mídia em minhas mãos e com meia dúzia de palavras modernas e bem arranjadas sobre democracia, não tem para ninguém. É só esperar o dia e esse povo todo contente e feliz vota em mim. Vota em que eu mando.
Ô povo ignorante! Dia desses fui contrariado porque alguns fizeram greve e invadiram uma parte da cozinha de uma das Casas Grande. Dizem que greve faz parte da democracia e eu teria que aceitar. Aceitar coisa nenhuma. Chamei um jagunço das leis, não por coincidência marido de minha irmã, e dei um pé na bunda desse povo.
Na polícia, mandei os cabras tirar de circulação pobres, pretos e gente que fala demais em direitos. Só quem tem direito sou eu. Então, é para apertar mais. É na chibata. Pode matar que eu garanto. O povo gosta. Na educação, quanto pior melhor. Para quê povo sabido? Na saúde...se morrer “é porque Deus quis”.
Às vezes sinto que alguns poucos escravos livres até pensam em me contrariar. Uma afronta. Ameaçam, fazem meninice, mas o medo é maior. Logo esquecem a raiva e as chibatadas. No fundo, eles sabem que eu tenho o poder e que faço o quero. Tenho nas mãos a lei, a justiça, a polícia e um bando cada vez maior de puxa-sacos.
O coronel de outros tempos ainda mora em mim e está mais vivo que nunca. Esse ser coronel que sou e que sempre fui é alimentado por esse povo contente e feliz que festeja na senzala a minha necessária existência”.
Um comentário:
Prato do dia: "Escondidinho de LULA"!
Postar um comentário