sábado, 20 de março de 2010

Sem defesa: Helder e Maria garantem que não foram ouvidos pelo MP






É uma situação complicada, com lances inexplicáveis – e até misteriosos.


No último dia 17, o site do Ministério Público Estadual publicou duas notícias bombásticas: os processos ajuizados pelo procurador de Justiça Ricardo Albuquerque contra os prefeitos Helder Barbalho e Maria do Carmo Martins, de Ananindeua e Santarém, respectivamente.


No caso de Helder, a acusação é de falta de repasse de contribuições previdenciárias descontadas aos servidores.


No caso de Maria do Carmo, desvio de dinheiro do SUS, através do pagamento de serviços fictícios à Cooperativa Médica do Brasil.


São acusações graves e que teriam, sim, se comprovadas, de resultar em processos contra os responsáveis.


Mas, há aí um problemão: tanto Helder quanto Maria do Carmo afirmam que, em nenhum momento, foram ouvidos pelo Ministério Público Estadual.


Isso mesmo: eles foram denunciados à Justiça – e a notícia foi amplamente divulgada na internet e nos jornais – sem que tivessem, ao menos, chance de tentar se explicar.


Pelo menos, é isso que ambos garantem.


Não que o MP fosse obrigado, por Lei, a chamá-los a se defender, já que ambos poderão fazê-lo no tribunal.


Mas é estranho, se verdadeiro, esse “rito sumaríssimo”, que leva, necessariamente, à execração pública – e mais ainda num ano eleitoral.


Quem acompanha o desenrolar de procedimentos do MP, estadual ou federal, acaba até se irritando com a demora.


Isso porque promotores e procuradores costumam garantir, desde o começo, aquilo que é básico: o amplo direito de defesa dos acusados.


Em muitos casos, promotores e procuradores solicitam até perícias e pareceres técnicos, para que possam formar melhor juízo e, é claro, ter maiores chances de sucesso nas ações que encaminham ao Judiciário.


Daí a estranheza diante do fato de Helder e Maria só terem tomado conhecimento da denúncia após consumada.


Como se isso não bastasse, o “causo” foi “apimentado” por um acontecimento misterioso: o sumiço, do site do MPE, das notícias referentes às duas denúncias.


A Assessoria de Comunicação do MPE garante que tudo não passou de um problema técnico: um bug no sistema de alimentação do site.


Mas, por envolver quem envolve – Helder, filho do morubixaba Jader Barbalho; Maria do Carmo, uma das maiores lideranças do PT paraense - o sumiço deixou muita gente de orelha em pé.


A Perereca entrou em contato com a Assessoria de Comunicação do MP.


Um assessor disse que os técnicos ainda não conseguiram resolver o problema – o que, espera-se, aconteça na próxima segunda-feira.


O blog também consultou um bambambam em internet.


Falou com Helder e representantes de Maria do Carmo.


Infelizmente, talvez pelo avançado da hora (o final da tarde de hoje, uma sexta-feira) não conseguiu contato com o procurador Ricardo Albuquerque.


Mas, desde já, disponibiliza o espaço necessário, para que ele possa se manifestar sobre todo esse imbróglio.






Helder: “Eu soube através da imprensa”





“Vi tudo isso com muita surpresa, porque não fomos instados sobre o assunto. Eu imaginava que o normal é que a prefeitura fosse citada, para esclarecer esses questionamentos. Achei um equívoco eu ter sido informado disso pela imprensa”, disse o prefeito Helder Barbalho, por telefone, à Perereca.


E acrescentou: “Se havia um questionamento, seria por bem que o MP tivesse instado a prefeitura a responder e, se não fosse a contento, então ele (o MP) faria os encaminhamentos que achasse por bem. Mas, ser informado disso pela imprensa não é a maneira respeitosa, institucional, entre os Poderes”.


Helder acredita que a confusão foi gerada por um “equívoco” da auditoria realizada pela Previdência, na prefeitura de Ananindeua, entre janeiro e junho do ano passado.


“E quando constatamos que havia um equívoco da parte deles, até fomos lá (em Brasília), para mostrar isso a eles, porque, se não, teríamos de esperar um ano, já que a Previdência só dispõe de uns 20 ou 30 auditores para o Brasil inteiro”, recorda.


O problema, segundo o prefeito, é que o auditor teria constatado, naquele semestre, “resíduos” de contribuições previdenciárias de funcionários de uma secretaria.


Alertado sobre o fato, Helder teria determinado a imediata correção “do equívoco contábil ou de apuração das informações, já que há várias classes profissionais naquela secretaria: efetivos, comissionados, temporários, agentes de saúde. Quer dizer, não existe uma uniformidade funcional. E foi isso, acho, que gerou esse equívoco”.


E argumenta: “Se houvesse um procedimento praxe nesse assunto, não seria só um resíduo de uma secretaria, mas, uma uniformidade de prática”.


Por ter esclarecido a situação, a prefeitura de Ananindeua obteve a certidão de regularidade previdenciária, “um salvo conduto dado apenas aos municípios que estão aptos com suas obrigações previdenciárias”, conforme realça.


Helder também explicou que a prefeitura possui, de fato, débitos previdenciários que remontam a décadas, conforme se pode verificar no site da Previdência, que emite, para o município, certidões positivas de débito,com efeito de negativas, já que se trata de dívidas com “exigibilidade suspensa”.


A certidão, aliás, comprova que o município mantém em dia os parcelamentos realizados.


“A gente vem pagando mensalmente um valor considerável, para cumprir esses compromissos. E veja que um número considerável de municípios, e até de governos, não tem essa certidão”, enfatizou.


Também no CAUC – um cadastro de obrigações financeiras de estados e municípios, mantido pela Secretaria do Tesouro Nacional - não há registro de pendências da prefeitura de Ananindeua.


Por tudo isso, Helder acredita que o MP, antes de oferecer a denúncia, deveria ter buscado esclarecimentos do município.


No entanto, rechaça a possibilidade de um viés político na questão: “Respeito muito o MP, acho que ele cumpre um papel fundamental para a sociedade e não creio que possa haver um foco especializado em Ananindeua. Não creio que o MP se sujeitasse a esse tipo de coisa”.





Maria do Carmo: “Foi uma acusação sumária”





Também na prefeitura de Santarém, o clima é de perplexidade.


“A prefeitura nunca foi ouvida sobre essa denúncia. Tanto a prefeita quanto a prefeitura não foram instadas a se manifestar”, disse o procurador jurídico do município, Isaac Lisboa.


Segundo ele, a base da denúncia do MP seria, apenas, “uma representação formulada por inimigos políticos da prefeitura, vereadores do DEM e do PSDB”.


Lisboa admite que não há ilegalidade no fato de o MP não ter ouvido nem a prefeita, nem a prefeitura.


Mas, observa, “diante do princípio de razoabilidade, caberia instar a prefeitura a se manifestar”.


Sobre o caso, há dois procedimentos abertos pelo MP, sob ângulos distintos: em Santarém, o que se apura é a possibilidade de improbidade administrativa. Em Belém, a possibilidade de crime.


A diferença na condução desses procedimentos, que versam sobre o mesmo fato, é que deixa o procurador ainda mais abismado.


Em Santarém, observa Isaac, a prefeitura foi chamada a se manifestar – ou seja, tem tido chance de se defender.


Já no MP de Belém, comenta, “foi uma acusação sumária. E eu não acho que a Justiça aceite isso”.


“Quando me disseram isso (a denúncia do procurador) a primeira coisa que eu fiz foi ligar para o gabinete da prefeitura e dizer: “eles (o MP) mandaram a intimação e vocês não viram”. Porque, simplesmente, eu não acreditava em algo assim” – disse à Perereca o advogado de Maria do Carmo, Walmir Brelaz.


Para ele, o mais grave da denúncia “é que disseram que isso era desvio de dinheiro, como se os médicos não tivessem trabalhado”.


Em relação à dispensa de licitação, Brelaz garante que ela decorreu da falta de médicos na rede pública municipal.


E relata: “Santarém tem poucos médicos. E, em 2007 ou 2008, quando abriu o hospital regional, que paga melhor, muita gente foi trabalhar lá. A rede municipal ficou praticamente sem médicos, o que só veio a agravar um problema, que é de todas as cidades do interior”.


Mas, o que mais espantou Brelaz foi, mesmo, a acusação de desvio de dinheiro para serviços fictícios – “tanto que estamos estudando a possibilidade de um processo, por calúnia e difamação, contra as pessoas que fizeram tais denúncias”.


Brelaz recomendou à Perereca a leitura da Nota de Esclarecimento que encaminhou ao blog do deputado estadual Carlos Martins, irmão de Maria do Carmo.


A nota está aqui:
http://depcarlospt.blogspot.com/2010/03/nota-de-esclarecimento.html


Nela, o advogado assinala que o TJE ainda não recebeu (aceitou) a denúncia do MP.


Antes disso, Maria do Carmo será notificada a apresentar, num prazo de 15 dias, “resposta preliminar” – a sua versão dos fatos e a documentação pertinente a sua defesa.


Mas, escreveu Brelaz, “vamos nos antecipar e apresentar imediatamente a resposta, já que é de nosso interesse a resolução deste caso”.


O advogado não acredita que a denúncia seja acolhida pelo TJE.


E enfatiza que uma comissão de vereadores já até apresentou um relatório reconhecendo a “idoneidade” desse contrato – um documento assinado, aliás, por um dos autores da denúncia ao MP.



O blog também conversou com um promotor de Justiça, respeitadíssimo em Belém.


Ele não quis se identificar, uma vez que a questão envolve outro integrante da instituição.


E, embora reticente, admitiu que sempre que recebe uma denúncia pede à parte envolvida para se manifestar.


“Eu dou a oportunidade de ela se defender” – disse o promotor – “Não estou fazendo uma crítica ao colega. Mas, tem de dar direito de defesa”.




Um “sumiço” suspeito





Além da “eletricidade natural” desses dois processos, outro fato contribuiu para atiçar ainda mais o tititi: o sumiço das notícias acerca deles do site do MPE.


Ao todo, sumiram cinco notícias (leia aqui:
http://pererecadavizinha.blogspot.com/2010/03/noticias-sobre-helder-e-maria-do-carmo.html )


Mas, é claro, o que ouriçou a galera foram aquelas a envolver Helder e Maria do Carmo, pelo cacife que possuem, hoje, no cenário político paraense.


Ambos negam, no entanto, quaisquer pressões sobre o MPE, para a supressão das matérias.


Helder admite que “registrou” ao procurador geral de Justiça, Geraldo Rocha, o seu “incômodo”, por só ter sabido da denúncia através da imprensa.


Mas isso só aconteceu, segundo ele, na noite de quarta-feira, quando retornavam a Belém – eles vieram no mesmo avião.


Helder garante, porém, que em momento algum pediu que a notícia fosse retirada do site.


“Só registrei que, como instituição, a prefeitura esperava ter sido informada pelo MP”.


A Perereca também conversou com um blogueiro, com amplo domínio de internet&afins.


O blogueiro não quis se identificar.


E, em princípio, estranhou o “causo”.


“Achei estranho, ainda mais quando ouvi a grita da galera: Maria do Carmo e Helder. O sumiço, justamente dos dois, é estranho”.


Ele explicou que a macromídia “Dreamweaver”, usada no MP, é apenas um software para a publicação de websites.


“É bastante sofisticado. Tem uma interface no computador do webdesign e tem por trás um banco de dados. Pode acontecer um erro, é claro. Mas, é estranho sumirem essas duas notícias. Além disso, seria fácil recolocá-las: basta um control C, control V e alimentar novamente o site”, observou.


Informei-lhe que o site do MPE, na verdade, está parado: desde o dia 17, não foi colocada lá nenhuma matéria nova.


Ele disse que, nesse caso, pode, de fato, ter ocorrido um bug: “Como não estão alimentando o site, é menos provável que (o sumiço) tenha sido intencional. Aliás, considero isso uma forte evidência de que se trata de um problema técnico”.


Quanto ao tempo que pode levar para que o site seja normalizado, ele disse que tudo dependerá da extensão do problema - até porque Belém é carente de bons profissionais no setor.


“O Dreamweaver não é nenhum bicho de sete cabeças, mas, exige treinamento específico”, comentou.


Quando ao sumiço das matérias também no Twitter, o blogueiro disse que isso decorre do problema no site.


“No Twitter, há apenas links que levam a um sítio. Se houvesse um problema no Blogger, um link apontando para a Perereca, por exemplo, daria erro. Nós vimos, recentemente, um problema semelhante, aliás” – o bug que tirou do ar, em dezembro, boa parte dos blogs.


Segundo a Ascom do MPE, não foi possível resolver o bug do site nesta sexta-feira.


Assim, resta apenas aguardar pelo começo da semana.




6 comentários:

Folha de Tucuruí disse...

Interessante, aqui em Tucuruí acontece exatamente o contrário, denuncias de crimes contra a administração pública jazem empoeiradas nas gavetas do MP. Os parentes do prefeito e secretários nomeados sem concurso trabalham (e muitos nem trabalham) e recebem normalmente sem serem incomodados pelo MPE apesar das denuncias comprovadas e até de um TAC firmado entre o MPE, PMT e prefeito municipal. Por isso nos estranha tanta "eficiência" e agilidade do MP paraense. Mistéeeeeeeriooooooo!!!

Ana Célia Pinheiro disse...

É, pessoal da Folha:

Esse negócio tá bem complicado. Como faço muita reportagem investigativa, já vi procedimentos do MP porrudos, com pastas e mais pastas.
Tanto que, geralmente, a gente começa até a desconfiar do cuidado do promotor.
Mas, apesar da ansiedade normal da imprensa, a verdade é que esse cuidado tem razão de ser.
Afinal, o MP, quando acusa, não o faz em nome de um indíviduo, mas, da sociedade.
Assim, penso que os dois prefeitos, Helder e Maria, deveriam ter sido ouvidos. É a minha opinião.
Até agora estou perplexa.
Tanto que enfatizei que o Helder e a Maria é que afirmam que não foram ouvidos.
(É até difícil acreditar em algo assim)
Não estou a defender nenhum dos dois, até porque as acusações são gravíssimas e têm de ser devidamente esclarecidas.
Mas, ir parar na Justiça sem ter chance de se manifestar, nem que seja para assumir a culpa, é algo extremamente preocupante.
Obrigada pela participação.
E volte sempre, com as notícias mais quentes de Tucuruí.
Abs,

Ana Célia

Anônimo disse...

Ana , que bom teres "voltado". para mim, dois blogs - o teu e o da Marise - traz informações que nos convidam a pensar.
Não desapareça.

Ana Célia Pinheiro disse...

Obrigada, anônimo das 5:09. Fico feliz que você esteja apreciando as discussões do blog. Também gosto muito do Quinta Emenda. E acho que a Marise está cada vez melhor.
Nao desapareça você também.
Abs.

Anônimo disse...

Ana, sou da área e penso o seguinte:
se a documentação que o procurador recebeu for suficiente, ele pode ajuizar sim, a ãção; mas isso envolve um sério juízo da idoneidade da documentação - às vezes oriundas de disputas políticas, se encontram documentos bem postos a respeitos de fatos envolvendo prefeitos, etc; às vezes não; em relação ao Hélder o que me espanta é que se for contribuição previdenciária do INSS, como parece ser, pois ele cita Brasília e auditoria, a competência é do MPF e da Justiça Federal, já que se trata de tributo federal, a contribuição previdenciária para o INSS - será se o procurador deu essa "ratada"?

Ana Célia Pinheiro disse...

Oi, Anônimo das 10:04: excelente questionamento.
Nem tinha me tocado para o fato de a denúncia contra o Helder envolver a esfera federal - e não a estadual.
Aliás, creio que nem o Helder, nem os advogados dele se tocaram também, já ninguém mencionou isso.
Muita obrigada pela dica. Amanhã vou caçar o MPF e o Ricardo Albuquerque.
Abs, Ana Célia

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