É um caso que precisa ser investigado com muito carinho pelo Ministério Público Federal, já que envolve verbas oriundas da União, além de fatos que precisam ser mais bem explicados.
Entre 2013 e abril deste ano, a Prefeitura de Belém gastou em propaganda pelo menos R$ 4,5 milhões do Fundo Municipal de Saúde (FMS), em valores atualizados pelo IPCA do mês passado.
Quem recebeu o dinheiro foi a Griffo Comunicação, uma das quatro agências que detêm a conta de publicidade da prefeitura, e que pertence ao marqueteiro Orly Bezerra, coordenador de marketing da campanha de reeleição do prefeito Zenaldo Coutinho.
Dos 32 empenhos que destinaram esses R$ 4,5 milhões à Griffo, 20 se referem a serviços publicitários da área de Vigilância em Saúde, realizados entre 2013 e junho de 2015, segundo o portal municipal da Transparência.
Em 13 deles, emitidos pela própria Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), há referência a memorandos do Departamento de Vigilância em Saúde (Devs), daquela secretaria, sobre a confecção desses materiais publicitários.
Entre janeiro de 2013 e setembro de 2015, quem comandava o Devs era a enfermeira Orliuda da Costa Bezerra, irmã de Orly, o dono da Griffo.
Ela foi nomeada para o cargo no Diário Oficial do Município (DOM) de 15 de janeiro de 2013 (página 3) e de lá só saiu em 1 de setembro do ano passado (DOM de 16/09/2015, página 10). No mesmo dia, assumiu a direção do Pronto Socorro Municipal Humberto Maradei (DOM de 29/09/2015, página 3).
Veja os diários oficiais com a nomeação e a exoneração de Orliuda, e nome dela no Demonstrativo de Remuneração da Prefeitura de Belém, em julho do ano passado. Clique em cima dos quadrinhos, para ampliar:
Detalhes desaparecem do portal da Transparência...
Memorandos são documentos internos para informar eventos, projetos e solicitar a aquisição de bens ou serviços.
E a referência a tais documentos só aparece em um lote de 18 empenhos que foram emitidos pela própria Sesma, entre abril de 2013 e o início de 2014 (inclusive os 13 que citam memorandos do Devs).
Dez deles são tão detalhados que chegam a listar os preços de produção e de veiculação dos materiais publicitários.
Mas a partir de maio de 2014, quando passaram a ser emitidos pela Coordenadoria de Comunicação Social (Comus) da Prefeitura, os detalhes desapareceram.
O último empenho da Sesma, o de número 5134/2014, de 16 de maio de 2014, repassou à Griffo mais de R$ 410 mil do FMS, com base no contrato de propaganda 005/2009, que era da gestão do ex-prefeito Duciomar Costa.
O novo contrato de propaganda, da gestão de Zenaldo, havia sido publicado no Diário Oficial de 20 de janeiro de 2014.
O pagamento desse empenho, por serviços publicitários também na área de Viglância em Saúde, foi realizado na rubrica “Despesas de Exercícios Anteriores”, e teve por base o parecer 728/2014, do NSAJ/Sesma, que vem a ser o Núcleo de Assuntos Jurídicos daquela secretaria.
Veja o empenho 5134/2014:
...E desaparecem também empenhos detalhados
Esses empenhos detalhados são difíceis de localizar, demandam dias de busca e, em alguns casos, parecem ter sumido do portal da Transparência de Belém.
É o caso do empenho 13965/2013, datado de 04/12/2013, que nem apelando a São Longuinho se consegue encontrar...
Segundo esse documento, foram repassados à Griffo mais de R$ 45 mil, em recursos do FMS destinados à Média e Alta Complexidade (MAC), para encher a X Conferência Municipal de Saúde de banners, cartazes, faixas, crachás, folders, camisetas, livretos e painéis.
Na época, os prontos socorros de Belém viviam, como ainda vivem, uma situação caótica, com a falta de remédios e equipamentos, e até de lençóis, para os pacientes.
Veja o empenho 13965/2013:
Outros empenhos que também parecem ter desaparecido são os de número 15481, 15062,15431 e 15440, todos emitidos pela Sesma, em 2013.
Eles perfazem uns R$ 46 mil e não constam nem como pagos, nem como estornados – simplesmente, sumiram.
Veja alguns dos empenhos desaparecidos, que detalham preços de serviços.
15440/2013:
15431/2013:
15062/2013:
15481/2013:
Mais de R$ 2 milhões, em 8 empenhos sequenciais.
O maior dos empenhos destinados à Griffo, com recursos do FMS, é o de número 155/2015, que envolve um pagamento superior a R$ 1,940 milhão, e cuja imagem abre esta reportagem.
Ele faz parte de um lote de empenhos sequenciais, todos emitidos em 09 de junho de 2015, pela Comus: os de números 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157 e 158.
Através dos demais empenhos desse lote, a Griffo recebeu mais R$ 128.214,28.
O que, somado ao empenho 155/2015, resultou em um pagamento de R$ 2.068.297,54, em valores da época.
E olhe que ainda ficaram faltando R$ 90 mil de dois empenhos, que não constam nem como pagos, nem como anulados (o 157 e o 158).
A maior parte do dinheiro desse lote foi, novamente, para publicidade de projetos/ações da Vigilância em Saúde, embora a Comus tenha classificado o empenho 155/2015 na subfunção “Vigilância Sanitária”, que é outro departamento, e colocado como fonte de recursos um tal de “Programa Vigilância Epidemiológica da União”, que nem sequer existe no Ministério da Saúde (existem as verbas para isso, mas não um programa com esse nome).
Também na Anvisa, que é a responsável pela Vigilância Sanitária, a informação é que não existe tal programa e nem mesmo recursos para a vigilância epidemiológica.
Ainda mais esclarecedor, porém, é o que diz o portal do Fundo Nacional de Saúde (FNS). Veja aqui: http://www.fns.saude.gov.br/visao/consulta/simplificada/detalheEntidade.jsf
Segundo o FNS, foram transferidos, em 2015, para o Fundo Municipal de Saúde de Belém, R$ 16.304.844,78 líquidos, no bloco Vigilância em Saúde.
Desse total, apenas R$ 859.706,40 foram para a Vigilância Sanitária. Todo o restante (R$ 15.445.138,38) foi para a Vigilância em Saúde propriamente dita.
E se o dinheiro do empenho 155/2015 saiu desses mais de R$ 15 milhões, como é quase certo, isso significa um gasto em propaganda superior a 10% dessa verba.
Veja nos quadrinhos os repasses ao FMS por blocos, em 2015, e o que foi destinado à Vigilância Sanitária e à Vigilância em Saúde, dentro do bloco Vigilância em Saúde:
Empenhos classificados em Saúde, e não em Comunicação Social
Boa parte do dinheiro que saiu do FMS para propaganda é de origem federal: são recursos da vigilância epidemiológica, do programa nacional de combate à Aids e outras DSTs, da média e alta complexidade (MAC), da Atenção Básica (PAB Fixo e PMAQ-AB) e do SAMU 192.
Um fato estranho é que todos esses 32 empenhos, mesmo quando emitidos pela Comus, estão classificados na Função “Saúde”, e não em “Comunicação Social”, na qual são contabilizados os gastos com propaganda.
É certo que a Saúde trabalha com várias campanhas publicitárias de utilidade pública (o combate a doenças como a dengue, por exemplo).
Mesmo assim, chama atenção o volume de dinheiro que saiu do FMS para a Griffo, entre 2013 e 2016: foram R$ 4.510.326,33 em valores atualizados, ou R$ 4.064.565,70 em valores históricos.
E isso apesar dos mais de R$ 21,8 milhões que Zenaldo gastou em propaganda, só em 2015.
Mais: na verba da propaganda já há dinheiro para publicidade de utilidade pública, que é como são classificadas as campanhas de combate a doenças.
Então, fica a pergunta: se esses mais de R$ 21,8 milhões não serviram nem mesmo para cobrir campanhas da Saúde, serviram para que, afinal?
Além disso, não há como afirmar que “só” esses R$ 4,5 milhões do FMS é que foram gastos em propaganda, já que esses 32 empenhos são apenas aqueles aos quais o Diário do Pará e a Perereca da Vizinha tiveram acesso. Ou seja, o “causo” pode, sim, ser maior.
Veja no quadrinho quanto a Griffo recebeu ano a ano de recursos do FMS. Clique em cima dele, para ampliar:
Propaganda não tem verba "carimbada".
Há mais, porém. No Portal da Saúde já há peças publicitárias padronizadas (banners, cartazes, jingles, spots para rádio), para campanhas nacionais do setor.
E qualquer prefeitura pode fazer download gratuitamente desse material, o que barateia o custo para o município – disse um funcionário do Departamento de Publicidade da Assessoria de Comunicação do Ministério da Saúde, Marcos Silva.
Mas no empenho 10919/2013, de 18/09/2013 (e no qual são mencionados seis memorandos do Devs), a informação é que foram repassados à Griffo mais de R$ 124 mil para a “produção, criação e honorários de material promocional” das campanhas nacionais contra influenza e poliomielite.
Pagou-se, por exemplo, mais de R$ 16 mil pela criação, roteiro, produção, gravação e edição de VT e spot de 30 segundos, além de R$ 3 mil por 5 fotografias do banco de imagem da agência e mais de R$ 2.600,00 pela criação e arte final de um cartaz.
Pela veiculação do VT e do Spot em sete emissoras de rádio e TV, o custo foi de quase R$ 78 mil. Desse total, mais de R$ 48 mil foram para a TV Liberal.
E não imagine que essa verba era “carimbada”, ou seja, só poderia ser usada em propaganda.
Segundo a Assessoria de Comunicação do Ministério da Saúde, quem gerencia o dinheiro transferido para estados e municípios são os próprios fundos estaduais e municipais de Saúde. E são os gestores locais a definir se usarão parte dessa verba para publicidade de interesse público.
Veja o empenho 10919/2013:
No Rio, juíza condenou secretário de Saúde por uso de verba em propaganda.
Em 2013, o então secretário estadual de Saúde do Rio de Janeiro, Sérgio Cortês, e o subsecretário de Comunicação Social, Ricardo Luiz Rocha Cota, foram condenados, em primeira instância, por desvio de verbas da Saúde para propaganda.
Através de duas resoluções publicadas no Diário Oficial, eles transferiram mais de R$ 10 milhões do Fundo Estadual de Saúde (FES) para a Subsecretaria de Comunicação Social da Casa Civil.
O presidente do Sindicato dos Médicos daquele estado, Jorge Darze, ajuizou ação popular contra essa “descentralização da execução de créditos orçamentários”, por considerá-la lesiva à vida e à saúde dos cidadãos.
Na sentença, a juíza da 8ª Vara de Fazenda Pública, Simone Lopes da Costa, anulou as resoluções e determinou a devolução do dinheiro.
“Inadmissível a utilização de verba claramente vinculada à saúde para propaganda institucional. Ainda que a verba não fosse vinculada, configuraria desvio de finalidade utilizar tal verba com publicidade em detrimento do serviço direto de saúde, diante do sem número de ações de improbidade questionando a ausência de leitos, tratamentos hospitalares, dentre outros, sem mencionar as ações distribuídas por particulares que visam a obtenção de medicamentos”, escreveu a magistrada.
No processo, Sérgio Cortês alegou que o dinheiro transferido para a Comunicação se destinava à realização de eventos e à divulgação de temas relacionados à Saúde.
Já o Governo do Estado disse que o repasse seria para a recuperação e manutenção dos hospitais e melhoria do atendimento aos pacientes, nos postos de saúde.
Outra alegação foi a de que o dinheiro seria necessário para cobrir os custos de campanhas de utilidade pública, como o combate à dengue.
Mas a juíza entendeu que isso não foi comprovado, até porque o Governo Estadual possuía contratos milionários de propaganda.
Para ela, o que ficou provado é que o dinheiro da Saúde foi usado em propaganda de interesse do Governo, e até no pagamento de assessoria de imprensa.
Cortês e Ricardo recorreram da sentença e o processo poderá ser julgado, em segunda instância, ainda neste ano.
Leia a matéria no site do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro: http://www.sinmedrj.org.br/informativos/index.php?id=1303
E, também retirada de lá, a íntegra da sentença:
Diário
do Pará publica denúncia
No último domingo (18/09), o jornal Diário do Pará
publicou reportagem, assinada por mim, sobre o uso de dinheiro do FMS em
propaganda. Veja aqui: http://digital.diariodopara.com.br/pc/edicao/18092016/cidade
Na sexta-feira, foram enviadas à Comus as seguintes
perguntas, até o momento não respondidas:
1-Por que a Prefeitura de Belém usou dinheiro do
Fundo Municipal de Saúde para propaganda, se os contratos da Prefeitura com
quatro agências publicitárias (contratos que consumiram, só no ano passado,
mais de R$ 21,8 milhões em valores históricos) já preveem a
propaganda/publicidade de utilidade pública? Há ou havia algum impedimento para
o uso dessa verba, já ordinariamente destinada à propaganda, em campanhas
publicitárias da área de Saúde? Se sim, quais?
2-Qual a base legal para a utilização de recursos do
FMS em propaganda? Os recursos do FMS não têm que ser usados, apenas, no
atendimento direto à população? Há ou havia alguma verba federal recebida pelo
FMS “carimbada”, específica, para propaganda/publicidade?
3-Onde e em que esse dinheiro do FMS repassado à
Griffo foi aplicado? Em que campanhas, materiais e veículos de comunicação? É
favor detalhar, em vez de generalizar.
4-Por que esses recursos do FMS repassados à Griffo
estão classificados na Função Saúde, e não em Comunicação Social? Essa prática
não infla, artificialmente, as aplicações em Saúde, enquanto reduz, também
artificialmente, os gastos em propaganda? Qual a base normativa para a
classificação desses recursos na Função Saúde?
5-Quais os critérios pelos quais a Griffo
Comunicação, entre as quatro agências que detêm o contrato de propaganda da
PMB, foi a escolhida para a execução dessas campanhas publicitárias, quase
todas, de acordo com os empenhos, para projetos/atividades de “Desenvolvimento
das ações de promoção e vigilância em Saúde”? É a Griffo a agência encarregada
de atender as demandas da Sesma? Desde quando e por quê?
6-Quais departamentos da Sesma cujas solicitações
embasam os processos de realização desses serviços pela Griffo, com dinheiro do
FMS, e que foram empenhados pela Comus?
7-Qual o convênio, resolução, etc que permitiu à
Comus empenhar esses recursos do FMS? Em que Diário Oficial ele foi publicado?
E
veja mais alguns dos empenhos que repassaram dinheiro da Saúde à Griffo
Comunicação.
256/2014:
5186/2013:
6624/2013:
6625/2013:
6626/2013:
14552/2013:
1192/2014:
1193/2014:
1194/2014:
1195/2014:
111/2014: