Tapajós
ameaçado: devastação pode ser pior que Belo Monte. (Fonte imagem: Jornal Valor)
|
A Presidência do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região derrubou a ordem de paralisação da hidrelétrica de Teles Pires. Mas a ordem de paralisação de Belo Monte continua em vigor e assim que a empresa responsável pelas obras for notificada terá de cumprir a determinação judicial, da qual agora só cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal, informa a Assessoria de Comunicação do MPF no Pará.
A paralisação de Belo Monte, pelo
reconhecimento de que o licenciamento da usina desrespeitou a Constituição ao
violar os direitos das populações indígenas, é uma importante vitória de toda a
sociedade paraense e amazônica e, também, de todos os cidadãos do mundo que
percebem os perigos dessas obras.
Se você ainda não viu, veja o documentário
sobre Belo Monte, que a Perereca
postou aqui, em julho (em português e em inglês): http://pererecadavizinha.blogspot.com.br/2012/07/se-voce-ainda-nao-viu-aproveite-o.html
No entanto, as hidrelétricas planejadas pelo Governo (e que
só interessam, na verdade, a grandes grupos econômicos), ameaçam também a
Bacia do Tapajós, apontada pelos pesquisadores como o maior mosaico de
biodiversidade do mundo.
Por isso, a Perereca reproduz para vocês reportagem e análise sobre as
hidrelétricas previstas para o Tapajós, que seriam ainda mais devastadoras do que
Belo Monte.
A
reportagem é do jornal Valor, mas foi
retirada do site do Instituto Humanitas Usininos.
A análise está publicada no site Ecodebates, cujo link foi enviado ao blog
pelo jornalista santareno Jota Ninos (thanks!). Não deixe de ler.
Primeiro, a análise:
“Complexo
hidrelétrico na bacia do Tapajós: mais um tributo à voracidade do modelo
desenvolvimentista
(A
análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia
publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia
com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e
Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em
Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia).
Não há
limites para o modelo desenvolvimentista
Na surdina o governo vai levando adiante o
plano de construir o Complexo hidrelétrico na bacia do Tapajós – o maior
mosaico de biodiversidade do planeta. Embora menos comentado e debatido, o
projeto é considerado ainda mais devastador do que Belo Monte.
Para viabilizar o projeto, o governo publicou
em janeiro uma medida provisória – convertida em lei em junho –, reduzindo as
unidades de conservação nas áreas que serão atingidas pelas obras.
O retalhamento da principal área de unidade
de conservação da floresta amazônica brasileira foi definido como uma “questão
lógica”: “Há uma decisão estratégica de desenvolvimento do país e o potencial
para gerar a energia capaz de atender essa demanda está localizado em áreas de
proteção integral. Para permitir a realização dos estudos, a área tinha que ser
desafetada. É uma questão lógica”, disse Roberto Ricardo Vizentin presidente do
Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), paradoxalmente o órgão
responsável pela vigilância dos parques e unidades nacionais de preservação.
Dessa forma se tornou possível o “iminente
sacrifício de 140.000 ha de Floresta Amazônica no altar do PAC” diz o Movimento
Tapajós Livre. O Complexo Tapajós é mais um tributo à voracidade e
insaciabilidade do modelo desenvolvimentista.
Não basta Belo Monte no Rio Xingu, Jirau e
Santo Antônio no Madeira, Teles Pires (suspensa no momento), Araguaia ou ainda
as dezenas de hidrelétricas em construção pelo país. Agora, o modelo
desenvolvimentista quer mais, quer Tapajós – um santuário da biodiversidade não
apenas brasileira, mas, planetária.
A voracidade do modelo desenvolvimentista se
manifesta também na aposta do pré-sal. Sobre essa matriz energética destaque-se
o que disse essa semana o economista José Luís Oreiro em entrevista ao IHU:
“Particularmente, sou muito cético com respeito ao pré-sal. Trata-se de um
investimento muito volumoso, de uma tecnologia que, ao que tudo indica, está em
via de se tornar obsoleta. Não consigo visualizar, nos próximos vinte anos, a
matriz energética do mundo ainda baseada na exploração de derivados de
petróleo. Então, trata-se de uma aposta de altíssimo risco”.
O pré-sal, segundo Oreiro “veio tarde demais
para a economia brasileira, no sentido de que, se o Brasil o tivesse descoberto
há vinte anos, realmente poderia ter se aproveitado dessa abundância de
petróleo de maneira positiva. O risco que o Brasil corre agora é de investir um
monte de dinheiro na exploração do pré-sal e, daqui dez anos ou quinze anos,
toda essa tecnologia se tornar obsoleta, porque vamos ter uma revolução
energética que vai implicar no abandono, ou pelo menos, numa redução
significativa na demanda por derivados de petróleo”.
No “altar” do modelo desenvolvimentista está
também o sacrifício do Código Florestal; a portaria 303 da Advocacia Geral da
União – AGU; a PEC 215; a já citada Medida Provisória nº 558. O retrocesso e
sacrifícios na agenda ambiental e suas implicações não têm limites.
O
maior mosaico de biodiversidade do planeta corre risco
A determinação do governo em levar adiante o plano
de construir a última grande hidrelétrica do Brasil poderá impor um custo
ambiental sem precedentes na história do país, destaca reportagem de André
Borges. Um custo ambiental ainda mais pesado do que Belo Monte e proporcional
ao significado dos estragos de Itaipu na época da ditadura militar.
A construção do complexo de usinas na bacia
do rio Tapajós, entre os Estados do Amazonas e do Pará, vem sendo arquitetada
desde a década de 1980. O projeto foi retomado pelo governo faz quatro anos e
prevê a construção de cinco usinas hidrelétricas – São Luiz de Tapajós, Jatobá,
Cachoeira dos Patos, Jamanxim e Cachoeira do Caí. Dentre dessas, porém, a mais
significativa é a usina de São Luiz do Tapajós, que teria potência inferior
apenas a Itaipu, Belo Monte e Tucuruí e produziria 6.133 megawatts (MW) de
energia a partir da construção de uma barragem de 3.483 metros de comprimento
atravessada no coração da Amazônia.
A barragem teria 39 metros de altura, o
equivalente a um prédio de 13 andares e seria erguida em uma das áreas mais
protegidas da região: o Parque Nacional da Amazônia, a primeira unidade de
conservação demarcada na chamada Amazônia Legal que com outras 11 unidades
forma o imenso complexo da bacia do Tapajós – o maior mosaico de biodiversidade
do planeta.
O que está em jogo – destaca a reportagem é a
inundação total de 1.368 quilômetros quadrados de floresta virgem, uma área
quase do tamanho da cidade de São Paulo, equivalente a duas vezes e meia a
inundação que será causada pela hidrelétrica de Belo Monte, em construção no
rio Xingu, também no Pará. A obra atingiria ainda populações indígenas.
A natureza polêmica do projeto é confirmada
por Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE),
órgão vinculado ao governo. Diz ele: “O Tapajós apresenta uma situação inédita
para o governo. Nunca atuamos em uma área preservada como essa região. Temos o
total interesse em preservar o ambiente o máximo possível. A questão que se
coloca é saber se a construção das usinas é incompatível com a preservação. Nós
acreditamos que os projetos são viáveis”, afirma não muito seguro.
O mesmo não pensam técnicos ambientais
ligados ao Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) que insurgindo-se
contra a direção do próprio ICMBio afirmam que é “grave o fato de não haver
qualquer estudo que embase a desafetação (redução das florestas), relacionando
os impactos diretos e indiretos do empreendimento às características
socioambientais” da região. Segundo eles, “entendemos que a compreensão dos
impactos, bem como o licenciamento do empreendimento, não pode ser tratada de
forma fragmentária, negligenciando as dimensões reais das consequências da
viabilização de todo o complexo”. Os registros ambientais feitos até agora,
alegam os especialistas, apontam “altíssima biodiversidade, com considerável
taxa de endemismo e grande representatividade de espécies ameaçadas de
extinção”.
No parque já foram catalogadas mais de 390
espécies de aves e outras 400 de peixes. A riqueza entre os mamíferos inclui
animais em extinção como onça-pintada, onça-vermelha, tamanduá-bandeira e
jaguatirica. Na área da barragem de São Luiz, há ainda uma das tantas formações
de pedras que, durante o período da seca – que atinge o auge em setembro -,
transformam-se em imensos corredores ecológicos para a travessia dos animais de
uma margem à outra do Tapajós.
A preocupação com os peixes também é grande,
devido à mudança no fluxo do rio. A região é cheia de corredeiras. As espécies
que conseguirem subir a escada de peixe da usina chegarão ao lago da barragem
precisando de mais oxigênio devido ao esforço, mas encontrarão água represada,
com quantidade menor de oxigênio que o necessário. A expectativa é que 90% das
espécies de peixes sumam. “Para mim, como técnica ambiental, é inegável a
sensação de constrangimento ao ver o que querem fazer com o rio mais bonito da
Amazônia”, desabafa Maria Lucia Carvalho, chefe do Parque Nacional da Amazônia,
ligada ao Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). “Não há nada igual
ao Tapajós. Se essas barragens saírem, será a morte do rio como ele existe
hoje”, afirma ela.
“Onde
vamos morar?”
Porém, além dos custos ambientais, há riscos
para populações indígenas, dentre eles, os
indígenas Munduruku. Perguntam eles sobre a hidrelétrica: “Para quem vai
servir? Será que o governo quer acabar todas as populações da bacia do Rio
Tapajós? Se apenas a barragem de São Luis for construída vai inundar mais de
730 Km². E daí? Onde vamos morar? No fundo do rio ou em cima da árvore?
Aximãyu’gu oceju tibibe ocedop am. Nem wasuyu, taweyu’gu dak taypa jeje ocedop
am (não somos peixes para morar no fundo do rio, nem pássaros, nem macacos para
morar nos galhos das árvores. Nos deixem em paz. Não façam essas coisas ruins.
Essas barragens vão trazer destruição e morte, desrespeito e crime ambiental,
por isso não aceitamos a construção das barragens. Se o governo não desistir do
seu plano de barragens, já estamos unidos e preparados com mais de 1.000 (mil)
guerreiros, incluindo as várias etnias e não índios”, afirmam eles.
A resistência vem também da comunidade de
ribeirinhos. A vila de Pimental, comunidade 760 ribeirinhos, tornou-se símbolo
de resistência local ao projeto de erguer usinas no Tapajós. Numa recente
visita à região, um grupo de pesquisadores tentou entrar na vila. Sem ter feito
nenhum tipo de contato prévio, passaram a fazer perguntas aos moradores e a
circular pela comunidade. Em pouco tempo, um grupo de ribeirinhos se organizou
e impediu a passagem dos pesquisadores. Não chegou a haver confusão, mas todos
acabaram expulsos do local. “Essas pessoas chegam na comunidade e só fazem
perguntas. Queremos saber o que pode acontecer com a nossa vida e nossas casas,
mas eles não explicam nada pra ninguém. Então a gente decidiu proibir”, diz
José Odair Pereira, liderança da vila Pereira. “A Eletronorte veio aqui e disse
que tinha autorização do presidente para entrar. Não é assim. Aqui não tem
prefeito, vereador, governador ou presidente. Aqui é nossa casa, quem manda
somos nós”, diz ele.
O anúncio do Complexo Tapajós deu origem em
2009 ao Movimento Tapajós Vivo, cujo
objetivo “é empatar a construção de qualquer hidrelétrica na bacia do Tapajós,
sem diálogo real com as comunidades e os movimentos sociais”. Em entrevista ao
IHU, Jesielita Gomes, oordenadora do Movimento Tapajós Vivo e do Movimento de
Mulheres da região à época, afirmava: “Nós dependemos da Amazônia para
sobreviver, como é que vamos estragar tudo? Quantos anos nós estamos
preservando para de repente o governo vir e em dias acabar com todo esse
trabalho”.
Um dos aliados do Movimento Tapajós Vivo, o jornalista Glenn
Switkes, coordenador da ONG International Rivers, também em entrevista ao IHU,
ainda em 2009, afirmava: “A visão de conquistar os rios da Amazônia com
construção de grandes barragens é antiquada, obsoleta, que vem dos anos 1980,
ou seja, é uma visão militar de ocupar a Amazônia e transformá-la numa
estratégia econômica e política por parte de gente mal intencionada e
ignorante, mas principalmente de grandes empreiteiras que querem construir
essas barragens de qualquer forma (…) Os rios da Amazônia são os corredores da
biodiversidade da floresta. Mexendo com isso, o impacto será muito sério na
possibilidade de sobrevivência da floresta e dos povos da floresta”.
Somando-se às criticas os povos da Bacia do
Tapajós, carta aberta às autoridades e à população brasileira denunciaram o projeto:
“Temos clareza de que os impactos ambientais, econômicos, sociais e culturais,
na bacia do Rio Tapajós comprometem a vida humana, animal e vegetal, sem
respeitar fronteiras geopolíticas, nem acordos governamentais. Assim, denunciamos a conivência passiva e
ativa do governo e seus órgãos, diante dos crimes cometidos pelas empresas
construtoras de barragens (Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Corrêa, etc.)
e empresas eletro-intensivas (Albras, Alunorte, VALE, Pará Pigmento, Alcoa,
Itacimpasa, Imerys Rio Capim Caulim, etc.) que consomem muita energia, geram
pouco emprego, saqueiam nossos recursos naturais, contaminam nossos rios,
terra, floresta, ar e destroem e violam os direitos das comunidades locais e
comunidades indígenas”.
Usinas-plataformas?
Diante da polêmica e da reação, o governo
passou a admitir a possibilidade de rever – o projeto original previa a
construção de cinco usinas: São Luiz de Tapajós, Jatobá, Cachoeira dos Patos,
Jamanxim e Cachoeira do Caí. “Acredito que teremos de abrir mão de parte de
nosso potencial hidrelétrico. Certamente não poderemos usar todo o potencial do
Tapajós” diz Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética
(EPE). Porém, as usinas de São Luiz do Tapajós e Jatobá, exatamente as que mais
impactos causarão, estão fora da revisão.
Reagindo às críticas de destruição ambiental,
o governo anunciou que as hidrelétricas seguirão um conceito inovador: o de
usinas-plataformas, projeto inspirado na logística utilizada pela Petrobrás em
suas operações na Bacia de Campos. Segundo o governo, esse conceito elimina a
necessidade de construção de vilas no entorno das usinas, o que reduz o risco
de desmatamento. Os funcionários seriam levados de helicóptero para o trabalho,
onde ficariam por períodos mais longos.
As usinas-plataformas seriam montadas –
argumenta o governo – sem a necessidade de abertura de estrada ou grandes
desmatamentos, com os equipamentos levados por via fluvial ou por helicópteros.
“Não tem cidade, não tem estrada, não tem madeireira. Então você monta uma
indústria, as pessoas vão e voltam de helicóptero. É muito promissor”, disse à
época o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc.
“Estão tão embriagadas com essa orgia
energética que ficaram criativos. Esse folhetim da Eletrobrás apresenta uma
chamada inovação na construção de hidrelétricas na Amazônia. O tom é de
ufanismo, tipo, ‘hidrelétricas do bem’ ou ‘desmatamento cirúrgico’ (inspirado
no Bush) ou ainda ‘reflorestamento radical’”, criticou a ambientalista Telma
Monteiro.
Quem também ironiza a proposta é o padre
Edilberto Sena, uma das vozes de oposição ao projeto: “A hidrelétrica de São
Luiz do Tapajós, segundo a Eletronorte, será construída, quase como a bíblia
descreve a criação do mundo por Deus. Assim: sem destruição, sem impactos
negativos, até escadinha para os peixes subirem e descerem o rio haverá.
Imagine que ela diz que os trabalhadores não residirão na área de trabalho, mas
cada dia serão transportados de helicóptero e barco para a cidade de Itaituba.
Quem já viu como se faz uma barragem (aquela será para gerar ao menos 8.000
megawattz de energia, um paredão de 36 metros) pode imaginar que ao menos
10.000 e até 20.000 trabalhadores estarão envolvidos na obra, então…todo dia
essa tropa será levada e trazida a Itaituba…”, diz cético.
Pergunta ainda Edilberto Sena: “Mas para quem
servirá a eletricidade dessas grandes hidroelétricas, quando o Pará já tem
Tucuruí? A construção da hidrelétrica de
Jirau, em Rondônia começa destruindo natureza e expulsando famílias. Será
diferente a hidroelétrica de São Luiz do Tapajós, de Jatobá e do Jamanxim? Por
que enganar os povos do Tapajós? Quem pode impedir tais desastres? Só povos
esclarecidos, unidos e organizados de Santarém, Aveiro, Itaituba e outros. Mas,
estão atentos para isso? O que acontecerá no Alto Tapajós atingirá o povo de
Santarém? E por fim, eticamente justifica sacrificar povos e comunidades
inteiras em nome do progresso? Quem viver verá!”, conclui ele.
Esquerda
conservadora
O complexo Tapajós é mais uma confirmação da
concepção ‘fordista’ de visão de mundo de que é refém o governo. Como já
destacamos em análises anteriores, a essência do modelo neodesenvolvimentista
em curso é fordista, ou seja, assenta-se nas bases produtivista e consumista e
investe pesadamente em matrizes energéticas centralizadoras e poluidoras
(fósseis), perigosas (nuclear) ou devastadoras do meio ambiente
(hidrelétricas). Destaque-se que o eixo energia, na segunda etapa do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC 2), registra R$ 55,1 bilhões em
investimentos.
O modelo desenvolvimentista adotado pela
“esquerda” à frente do governo ancora-se na hiperexploração dos recursos
naturais. “Lula e Dilma adotaram uma fórmula de governança altamente danosa aos
povos indígenas, quilombolas e campesinos que dependem da terra e do território
para a sobrevivência física e cultural no Brasil. Essa fórmula associa ao menos
dois grandes instrumentos, o incentivo político e financeiro a um modelo
econômico desenvolvimentista, altamente dependente da exportação de produtos
primários, e a aposta na “desmobilização social”, com no uso indiscriminado de
“inibidores sociais”, a fim de manter sob controle as potenciais tensões
resultantes de sua opção” comenta Cleber César Buzatto, secretário executivo do Cimi.
A adoção do modelo desenvolvimentista parte
de uma concepção reducionista da gravidade da crise climática e permanece preso
aos paradigmas do século XX – industrialização tardia e tributária da Revolução
Industrial. O Brasil insiste em “jogar pela janela” o seu diferencial na
sociedade mundial que é a fantástica riqueza de sua biodiversidade.
No debate em que converteu a lei que retalhou
os Parques Nacionais da Amazônia em Medida Provisória, a relatora que defendeu
a proposta do governo foi a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). Segundo
ela, a decisão foi para “assegurar uma matriz energética nacional limpa e
garantir o desenvolvimento sustentável do país e o bem-estar da população”.
De nada adiantou a indignação do movimento
social ao afirmar que “as grandes hidrelétricas vêm sendo construídas de forma
autoritária e ameaçam ecossistemas de biodiversidade única, as metas
brasileiras de redução de emissões de gases de efeito estufa e, principalmente,
os direitos humanos e a qualidade de vida de milhares de brasileiros que vivem
na região”.
Vanessa Grazziotin do PCdoB soma-se ao seu
colega Aldo Rebelo também do PCdoB, que protagonizou um dos capítulos mais
tristes da história política brasileira ao se aliar à bancada ruralista. No
caso, esse tipo de esquerda, cada vez mais disseminada, que se arvora de
inspiração marxista não percebe que a sua visão de mundo é a mesma que orienta
a concepção liberal, ou seja, ambas partem do pressuposto de que a evolução das
forças produtivas – tudo aquilo que induz o crescimento econômico – é
necessário e justificável.
(Ecodebate,
07/08/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na
socialização da informação).
E aqui,
a reportagem, que é do jornalista André
Borges e foi publicada pelo jornal Valor em 25 de julho deste ano. Clique no
link abaixo para continue a ler:
“O
pesado custo ambiental de Tapajós
A determinação do governo em levar adiante o
plano de construir a última grande hidrelétrica do Brasil poderá impor um custo
ambiental sem precedentes na história do país. A usina de São Luiz do Tapajós,
que teria potência inferior apenas a Itaipu, Belo Monte e Tucuruí, produziria
6.133 megawatts (MW) de energia a partir da construção de uma muralha de 3.483
metros de comprimento atravessada no coração da Amazônia.
Essa barragem, que teria 39 metros de altura,
o equivalente a um prédio de 13 andares, seria erguida em uma das áreas mais
protegidas da região: o Parque Nacional da Amazônia, a primeira unidade de
conservação demarcada na chamada Amazônia Legal. Com outras 11 unidades, essa
área forma o imenso complexo da bacia do Tapajós, o maior mosaico de
biodiversidade do planeta.
O que está em jogo é a inundação total de
1.368 quilômetros quadrados de floresta virgem, uma área quase do tamanho da
cidade de São Paulo, equivalente a duas vezes e meia a inundação que será
causada pela hidrelétrica de Belo Monte, em construção no rio Xingu, também no
Pará. Com a usina de São Luiz - e também Jatobá, segunda hidrelétrica planejada
para o rio - o Brasil adicionaria 8.471 megawatts (MW) à sua matriz energética.
Em Belo Monte, onde o lago é de 516 km quadrados, a potência é de 11 mil MW.
Durante uma semana, o Valor percorreu toda a
região por estrada, floresta e pelo rio Tapajós, ouvindo especialistas
ambientais, técnicos em energia, lideranças do governo, ribeirinhos, índios,
garimpeiros e a população dos municípios que serão diretamente atingidos pelo
empreendimento. A construção de São Luiz e Jatobá ainda não é fato consumado.
Os projetos estão em fase de levantamento para elaboração do relatório de
impacto ambiental, trabalho que está sendo executado por cerca de cem
pesquisadores de empresas contratadas pela Eletrobras, um grupo de técnicos que
sobe e desce o rio o dia inteiro.
Embora os estudos estejam em fase preliminar,
as polêmicas em torno dos empreendimentos já atingem um estágio crítico e dão
uma ideia da dificuldade que o governo enfrentará para levar adiante o plano de
erguer hidrelétricas numa Amazônia onde estão as terras e rios mais preservados
do país.
"O Tapajós apresenta uma situação
inédita para o governo. Nunca atuamos em uma área preservada como essa
região", afirma o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE),
Mauricio Tolmasquim. De fato. Em empreendimentos como Jirau e Santo Antônio,
que estão em conclusão nas proximidades de Porto Velho (RO), as hidrelétricas
funcionaram - ao menos teoricamente - como vetor de desenvolvimento social da
região. Esse mesmo tipo de argumento também sustentou o licenciamento de Belo
Monte, que prevê, por exemplo, a realocação de aproximadamente 7 mil famílias.
No Tapajós é diferente. Itaituba, o maior
município da região, com 110 mil habitantes, está a quase 70 quilômetros abaixo
do local previsto para a barragem de São Luiz e deverá ser pouco atingida. No
geral, o impacto social chega às comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas. É
no ambiente, no entanto, que o impacto é profundo.
"Temos o total interesse em preservar o
ambiente o máximo possível. A questão que se coloca é saber se a construção das
usinas é incompatível com a preservação. Nós acreditamos que os projetos são
viáveis", diz Tolmasquim.
Para viabilizar os estudos de São Luiz e de
Jatobá, a presidente Dilma Rousseff publicou em janeiro uma medida provisória
(convertida em lei em junho), reduzindo as unidades de conservação nas áreas
que serão atingidas pelas obras. A MP foi contestada pelo procurador-geral da
República, Roberto Gurgel, e foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que
avalia a constitucionalidade da medida.
Apesar de o governo argumentar que a
"desafetação" das áreas tem apenas o propósito de liberar a etapa de
estudos das usinas, o Valor verificou que a redução das florestas já incluiu
toda a área planejada para construção das hidrelétricas, incluindo seus
canteiros de obra e a área que será inundada. A grande diferença desses empreendimentos
para uma hidrelétrica como Belo Monte, por exemplo, é que mais da metade da
floresta da usina do rio Xingu já estava ocupada por algum tipo de atividade
antes da liberação do empreendimento. No caso do Tapajós, praticamente tudo
está preservado.
O governo sustenta que não reduziu as áreas
de conservação. Pelo contrário, as florestas foram ampliadas em 20.939
hectares. Ocorre que, das oito reservas que sofreram com os cortes, apenas duas
tiveram reposição em algum outro ponto. "As áreas que foram ampliadas não
têm, nem de longe, a relevância ambiental das regiões que serão inundadas. É
lamentável. Esse argumento de que houve ampliação é um insulto à inteligência
das pessoas", diz Brent Millikan, diretor da organização Amazonia
International Rivers.
A redução das florestas afetou,
principalmente, o Parque Nacional da Amazônia, decisão que causou indignação
para técnicos e analistas ambientais da região. "Estávamos trabalhando a
mil por hora no plano de manejo do parque. De repente, fomos avisados que parte
do parque simplesmente iria ser desafetada", diz Maria Lucia Carvalho,
chefe do Parque Nacional da Amazônia, ligada ao Instituto Chico Mendes de
Biodiversidade (ICMBio). "Foram quatro anos de trabalho para nada.
Recebemos esse banho de água gelada, o trabalho todo foi perdido."
No parque já foram catalogadas mais de 390
espécies de aves e outras 400 de peixes. A riqueza entre os mamíferos inclui
animais em extinção como onça-pintada, onça-vermelha, tamanduá-bandeira e
jaguatirica. Na área da barragem de São Luiz, há uma das tantas formações de
pedras que, durante o período da seca - que atinge o auge em setembro -,
transformam-se em imensos corredores ecológicos para a travessia dos animais de
uma margem à outra do Tapajós.
A preocupação com os peixes também é grande,
devido à mudança no fluxo do rio. A região é cheia de corredeiras. As espécies
que conseguirem subir a escada de peixe da usina, por exemplo, chegarão ao lago
da barragem precisando de mais oxigênio devido ao esforço, mas encontrarão água
represada, com quantidade menor de oxigênio que o necessário.
"A expectativa é que 90% das espécies de
peixes sumam. Para mim, como técnica ambiental, é inegável a sensação de
constrangimento ao ver o que querem fazer com o rio mais bonito da Amazônia",
desabafa Maria Lucia. "Não há nada igual ao Tapajós. Se essas barragens
saírem, será a morte do rio como ele existe hoje."
O inventário da bacia foi realizado pela
Eletrobras, em parceria com a Camargo Corrêa. A construtora não quis se
pronunciar sobre o assunto. A Eletrobras não se manifestou até o fechamento
desta edição. O governo quer concluir os estudos ambientais de São Luiz e
Jatobá até início do ano que vem. A previsão era leiloar as usinas até julho de
2013, mas o prazo mais atualizado é o fim do ano que vem.
Estradas
ficariam sob as águas
Não são apenas as unidades de conservação da
Amazônia que teriam parte das reservas inundada pelas águas das barragens de
São Luiz do Tapajós e de Jatobá. Com o enchimento dos lagos dessas usinas, pelo
menos 60 km da rodovia Transamazônica (BR-230), que circunda boa parte das
reservas florestais da região, ficariam completamente debaixo d'água.
Esse trecho da rodovia está localizado dentro
do Parque Nacional da Amazônia, que é cortado por 112 km da estrada de terra.
Com a inundação, o governo seria obrigado a desviar a rodovia para outra área
do parque, ampliando ainda mais a faixa de desmatamento.
A construção de hidrelétricas no coração da
Amazônia ameaça ainda outras estradas que, ao contrário da Transamazônica,
estão recebendo asfalto. É o caso da BR-163, rodovia à margem direita do
Tapajós, que liga Cuiabá (MT) a Santarém, no Pará. A BR-163. A estrada, que
está com vários trechos em obras, corta ao meio a Floresta Nacional do
Jamanxin, área de extrema relevância ambiental, porque é o único elo protegido
entre o complexo de biodiversidade do rios Tapajós e Xingu, onde está sendo
construída Belo Monte.
Os técnicos do instituto Chico Mendes de
Biodiversidade (ICMBio) avaliam que, se saírem do papel as três usinas
previstas para o rio Jamanxin, principal afluente do Tapajós, quase toda a
BR-163 ficaria embaixo d'água no trecho que corta a reserva.
"A BR-163 chegou a ter plano de
desenvolvimento sustentável, que ainda não foi executado. Hoje, está sendo
asfaltada, mas, ao mesmo tempo, o governo pretende instalar usinas no Jamanxin.
É mais um exemplo da falta de planejamento sobre o tipo de desenvolvimento que
se quer para a Amazônia", diz Brent Millikan, da organização Amazonia
International Rivers.
Embora ainda não haja números precisos sobre
esse tipo de impacto que seria causado pelas usinas do Tapajós, a tendência é
que a inundação da Transamazônica seja ainda maior, à medida que as barragens
avancem em unidades de conservação cortadas pela rodovia. "O governo tem
sido incapaz de realizar esse conjunto de empreendimentos de maneira correta e
estruturada", diz Alessandra Cardoso, coordenadora do Observatório de
Investimentos na Amazônia, ligado ao Instituto de Estudos Socioeconômicos
(Inesc).
Parte das dificuldades do governo apontadas
pelos especialistas está atrelada à baixa qualidade de informações técnicas
sobre a região. Órgãos ambientais e ministérios ligados ao setor de
infraestrutura possuem tipos diferentes de mapeamento. Há sobreposição de dados
relacionados às terras indígenas e às unidades de conservação. Além disso,
faltam informações para suportar avaliações técnicas mais aprofundadas.
Vila
teme impacto da obra e expulsa pesquisadores
A vila de Pimental, comunidade de ribeirinhos
onde vivem 760 pessoas, tornou-se símbolo de resistência local ao projeto de
erguer usinas no Tapajós. Os primeiros a sentir na pele a contrariedade da
população foram os pesquisadores de empresas de licenciamento ambiental
contratadas pela Eletronorte, braço do grupo Eletrobras.
Numa recente visita à região, um grupo de
pesquisadores tentou entrar na vila. Sem ter feito nenhum tipo de contato
prévio, passaram a fazer perguntas aos moradores e a circular pela comunidade.
Em pouco tempo, um grupo de ribeirinhos se organizou e impediu a passagem dos
pesquisadores. Não chegou a haver confusão, mas todos acabaram expulsos do
local.
Com o apoio de representantes do Instituto
Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e da Fundação Nacional do Índio
(Funai), o Valor conseguiu entrar em Pimental conversar com alguns moradores,
entre eles José Odair Pereira, liderança da vila. "Essas pessoas chegam na
comunidade e só fazem perguntas. Queremos saber o que pode acontecer com a
nossa vida e nossas casas, mas eles não explicam nada pra ninguém. Então a
gente decidiu proibir", diz Pereira. "A Eletronorte veio aqui e disse
que tinha autorização do presidente para entrar. Não é assim. Aqui não tem
prefeito, vereador, governador ou presidente. Aqui é nossa casa, quem manda
somos nós."
Para controlar o acesso, Pimental passou a
determinar que a entrada de pessoas estranhas só pode ocorrer com autorização.
"Estamos preocupados com nosso povo, com o rio e com o peixe", diz
Pereira. "De janeiro para cá, isso aqui virou um inferno, com gente de
fora chegando e querendo entrar."
Há pouco mais de um ano, conta o chefe da
comunidade, dois helicópteros pousaram no campinho de futebol da vila.
"Tinha estrangeiro no meio deles, acho que eram chineses. Alguns falavam
português. Disseram que vinham por causa da usina. Fizeram demarcações nas ruas
e foram embora. O povo arrancou tudo."
Numa das casas de taipa de Pimental, vive a
matriarca da vila, Maria Bibiana da Silva, conhecida como "vó
Gabriela", de 104 anos de idade. Crescida nas margens do Tapajós, vó
Gabriela chegou ao local em 1917. Lúcida, apenas com dificuldade para caminhar,
ela diz que não quer a barragem. "Tenho vontade de morrer é aqui. Se me
tirarem daqui, vão me colocar onde? Querem tirar o sossego da gente", diz
ela. "Cheguei nesse lugar com nove anos e me criei aqui. Fico triste com
essa história da barragem, mas tenho fé que não vão fazer. Se eu ainda fosse
boa das minhas pernas, aguentava um bocado e ia brigar com eles para não
fazer."
Na semana em que o Valor esteve na vila,
corria a notícia de que os pesquisadores voltariam em breve à comunidade. O
líder de Pimental, José Odair Pereira, disse que tinha ouvido algo sobre assunto,
mas não confirmou a liberação para a entrada dos técnicos. "Quem está no
escritório, tranquilo, com ar-condicionado, não sabe o que estamos passando
aqui, quando falam que vão erguer essa barragem e inundar as nossas
casas."
A tensão verificada em Pimental se espalha
por outras comunidades ribeirinhas e chega até Itaituba. O governo garante que
os projetos serão realizados da maneira mais técnica e cuidadosa possível. Não
é o que pensa a comunidade de São Luiz do Tapajós, onde vivem cerca de 1,5 mil pessoas,
numa área muito próxima do local onde se prevê a construção da barragem de São
Luiz.
Para levantar as informações sobre o impacto
ambiental da hidrelétrica, empresas contratadas pela Eletrobras têm recorrido à
experiência da população da vila para entrar na floresta e percorrer os rios. O
Valor conversou com alguns "mateiros", como são chamados esses guias.
Cada um recebe R$ 35 para ficar rodando o dia inteiro pela mata com os
pesquisadores. Não há qualquer tipo de formalização ou contrato de serviço.
Também não existe nenhum tipo de seguro, assistência médica ou mesmo roupa e
sapatos adequados. O pagamento é feito no dia, em dinheiro.
"É um contrato de boca, sem nenhum
recibo. O trabalhador não sabe nem o nome da empresa que ele está levando por aí",
diz Zideci Bezerra, dono de um pequeno comércio na vila São Luiz e morador há
30 anos na região. Segundo os mateiros, cerca de 40 moradores já foram chamados
para ajudar nos serviços, que incluem a coleta de animais e plantas.
De maneira geral, a principal queixa é a
falta de informação. A população vê os pesquisadores cruzarem o rio por todo
lado, com mapas nas mãos, fazendo perguntas e anotações, mas ainda não
compreende o que será feito. Relatório preliminar concluído em janeiro pelo
Ibama na região do Tapajós recomenda aos empreendedores que iniciem, ainda na
fase de formulação dos estudos ambientais, "ações de comunicação social
com a finalidade de informar à população e evitar a propagação de boatos".
"Somos um povo contra a hidrelétrica. Só
o povo é que pode parar essa barragem e vamos lutar para isso. Não é só por
nossa sobrevivência, mas a nossa tranquilidade" diz Pereira, da vila
Pimental. "Isso aqui não é o céu, mas olha que está pertinho do
paraíso."
Um comentário:
Para quem? Para você tomar a sua cerveja estupidamente gelada!
Postar um comentário