Nunca escrevera uma linha, mas era considerado o maior intelectual de seu tempo.
Alguns havia, inclusive, a considerá-lo o maior pensador desde Tales de Mileto.
Cada “caatinga verbal” que produzia era repetida com ares de lição por todos os letrados daquela província.
Que, a bem da verdade, eram poucos. E esses poucos, nem tão letrados assim...
É verdade também, caro leitor, que há certo exagero em afirmar que Zaratustra da Silva nada escreveu.
Nos arquivos públicos, contam-se dois tomos de sua autoria, “As Angústias do Pensamento em Branco”, um diário da adolescência que seus inimigos trataram de reproduzir.
De sorte que o pensamento de Zaratustra, graças à dedicação daqueles que o detestavam, acabaria introduzido nos salões da posteridade...
Era o típico intelectual “bafejado pelas musas”.
Olhos perdidos no além do além, percorria praças e mercados a distribuir estonteantes lições de maiêutica.
E adorava citar-se.
_ Então, eu disse para ela: a Política, minha senhora, é a mais humana das artes humanamente forjadas!
E se havia alguns que, como já visto, não o suportavam, o fato é que Zaratustra, ao repetir-se, acabava extasiado com a própria genialidade.
_Vejam só que formidável caatinga verbal: a mais humana das artes humanamente forjadas! – ficava a repetir, de si para si.
Era músico e arquiteto pela necessidade de extravasar a esfuziante criatividade.
E embora as más línguas afirmassem que de Arquitetura não entendia lhufas, o fato é que a Província do Nunca Mais estava repleta de monumentos de sua autoria, a embasbacar todos os visitantes.
Tal decorria do pitoresco sistema político daquela terra: o Servilismo Genético-Compulsivo.
A Plebe servia aos Mais ou Menos a Favor, que serviam aos Belos e Bons, que serviam a El Rey.
E aos prepostos de El Rey. E aos parentes de El Rey. E aos contraparentes de El Rey. E aos amigos de El Rey. E a qualquer coisa, enfim, que denotasse realeza.
Assim, Zaratustra acabou bafejado por toda sorte de cunhas: além de destacado integrante dos Belos e Bons, era parente de um contraparente de uma amante de El Rey.
Além disso, sempre que necessário, “molhava o pé da planta”, como se diz vulgarmente hoje em dia.
Eis que na Província do Nunca Mais, molhar o pé, e até a inteireza da planta, era espécie de atavismo.
Coffé Break
A essas alturas, o distinto leitor deve estar a se perguntar acerca da veracidade desta narrativa, por imaginar a impossibilidade de uma província tão corrupta e servil.
No entanto, esta narrativa é baseada em antiqüíssimos documentos, adquiridos por frades dominicanos junto a mercadores florentinos, no século XV, e ainda hoje mantidos a sete chaves na biblioteca secreta do Vaticano.
Tais documentos narram a destruição do Paiz de Los Devedores por uma sucessão de cataclismos, semelhantes às pragas do Egito, mas com interessantes inovações da tecnologia divina.
Os gafanhotos, por exemplo, foram substituídos por levas e levas de políticos corruptos, que devoravam até a alma de velhos, mulheres e criancinhas.
Com isso, sobreveio a Grande Fome, o que levou esses políticos a devorarem uns aos outros.
Por fim, uma enorme cloaca se ergueu do ventre da Terra e empurrou o Paiz de Los Devedores para uma moderna fossa séptica, inventada por Satanás.
Segundo um monge copista que teve acesso a esses documentos, a destruição do Paiz de Los Devedores é a única decisão consensual entre o diabo e a Divindade de que há comprovação.
Mas, talvez por andarem entretidos com as festividades que se seguiram à destruição daquela terra, Deus e Satanás se esqueceram da Província do Nunca Mais, que acabou por se transformar numa espécie de Galápagos social.
Conta-se que, após mil anos de isolamento, Hobbes e Maquiavel visitaram aquela terra.
E em ambos os casos, como se sabe, a fé na Humanidade acabou irremediavelmente abalada...
Capítulo I
“Abelius é o povo no poder” – era o slogan disseminado nos lares e bordéis da Província do Nunca Mais.
Corria o ano de 502 Antes de Nosso Senhor.
O Paiz de Los Devedores se preparava para eleger os governadores provinciais e a eleição, como não poderia deixar de ser, estava polarizada entre os dois partidos existentes: o “Belos e Bons” e o “Mais ou Menos a Favor”.
Obviamente, o sensível leitor deve estar a se perguntar: e a Plebe? E a Plebe?
Ora, caro leitor, como já disse alguém a Plebe é internacional.
E se não tem país, logicamente, não tem partido, como sabiamente decretara El Rey.
Bem fizeram os burgueses que nunca se arvoraram a esses internacionalismos – eram pilantras, ladrões, carniceiros longe de seus lares, mas, dedicados pais de famílias, cidadãos exemplares, no interior de suas fronteiras.
Espancavam, estupravam, escravizavam, matavam mulheres e criancinhas, mas tudo nos estritos limites legais.
Aliás, quem sabe não é a Burguesia, entre todas as classes sociais, a compreender visceralmente a dubiedade do espírito humano?
Mas onde eu estava mesmo?... Ah, sim, nas eleições!...
Pois muito bem. Apesar de tratar-se de um reles desentendimento familiar, a acirrada campanha dava um ar verossímil às eleições provinciais.
No entanto, devido à agitação da Plebe, El Rey baixara, naquele ano, três Normas Inexpugnáveis.
A primeira dizia que tudo é ilusão (“quem sabe obra de um sonho ou de um gênio maligno?...”).
A segunda que, tendo em vista a primeira, tudo é relativo – em especial as matemáticas.
A terceira que, devido às anteriores, a Verdade só pode ser alcançada pelo Ser Pensante - ou seja, El Rey.
Assim, “reduzidos a sua insignificância, o mais e o menos dependem da visão do Soberano”.
Um raciocínio irretocável, diga-se de passagem, a inspirar futuros impérios...
Porém, os integrantes do “Mais ou Menos a Favor”, Abelius entre eles, lutavam bravamente para ganhar as eleições, até para evitar que o Paiz de Los Devedores acabasse nas mãos de um aventureiro qualquer.
É que a Plebe, sabe-se lá por que, adquirira o péssimo hábito de invadir as terras senhoriais.
Seus líderes afirmavam que passava fome, que não tinha onde morar, que via seus filhos morrerem à míngua, etc.
Mas o leitor há de convir que nada disso é desculpa para um comportamento tão incivilizado.
Assim, vez por outra El Rey mandava empalar em praça pública os baderneiros que agitavam a Plebe.
Mas nem isso conseguia deter a fúria daquela gentalha ensandecida.
De sorte que, como proclamou Abelius, era preciso dar pão ao povo, antes que começasse a exigir brioches...
Os Mais ou Menos a Favor contavam ganhar as eleições com a ajuda da Plebe, que, apesar de não ter partido, tinha direito de voto – o Regime de Quase-Cidadania, magnanimamente concedido por El Rey.
Por isso, os Mais ou Menos a Favor prometiam mundos e fundos àquela casta rude e ignorante.
Garantiam à Plebe encantadoras vivendas, em jardins onde cantam sabiás.
Prometiam trabalhar noite e dia enquanto existisse um plebeu com hambre.
Asseguravam a construção de avançadas escolas para os filhos de “los descamisados”, nas quais a repetência seria virtualmente impossível.
Daí que alguns historiadores insistam em afirmar que foram os Mais ou Menos a Favor, e não os tiranos gregos, os verdadeiros pais da Demagogia…
Graças a esse lári-lári e ao carisma de suas lideranças, os Mais ou Menos a Favor obtiveram expressivas vitórias em todas as províncias.
Ganharam, mas, devido às Normas Inexpugnáveis, não levaram.
A exceção foi a Província do Nunca Mais.
Primeiro porque Abelius conseguiu até o apoio do governador provincial, numa grande frente em favor da “Liberdade, Fraternidade e Igualdade”.
Segundo porque a Província do Nunca Mais era tão longe e desimportante, mas tão longe e desimportante, que quando El Rey se deu conta Abelius já governava aquela terra há mais de dois ano.
Mas aí sobreveio a destruição do Paiz de Los Devedores.
E Abelius acabou por se transformar no avatar de El Rey.
2 comentários:
Estás peidada da cabeça. Imagina como ficarás depois das eleições.
Perereca, tu és tão pilantra que usas a perereca da vizinha para escrever tuas baboseiras. Te assume, e diz que a perereca é tua.
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