Era um negócio da China, capaz de deixar qualquer cristão de bem com a vida – tipo assim, uma prece poderosa.
Do total arrecadado pelo Detran, nos próximos cinco anos, com a taxa de inspeção veicular para detecção de ruídos e gases poluentes, nada menos que 78% ficariam com o Conselho Nacional de Defesa Ambiental (CNDA), uma oscip de São Paulo.
Daí o cálculo do Sindicato dos Servidores do Detran (Sindetran) de que a oscip embolsaria, limpinhos, algo em torno de R$ 15 milhões por ano.
Ou o equivalente a quatro prêmios da mega-sena - a cada ano, vale salientar.
Como se sabe, a governadora Ana Júlia Carepa mandou anular o contrato milionário entre o Detran e o CNDA, feito sem licitação e publicado às vésperas do último Carnaval.
Um contrato e uma megadispensa licitatória que o Palácio dos Despachos garante não ter tido conhecimento prévio.
Mas, nem a anulação contratual satisfez o Sindetran: na semana que vem, a entidade promete denunciar o caso ao Ministério Público, para que seja devidamente investigado.
Não é para menos: segundo o sindicato, essa é apenas uma das transações mal explicadas existentes no Detran.
E, para apimentar o “causo”, a Perereca também descobriu que o negócio da China sairia incrivelmente caro aos paraenses, já que a taxa de inspeção veicular ambiental do Detran (R$ 81,74) é, possivelmente, a mais alta do Brasil.
Uma grande incógnita
Na noite de anteontem, a Perereca conversou com o presidente e a vice-presidente do Sindetran – respectivamente, Elias Monteiro e Ariete Costa.
O blog também teve acesso ao contrato do Detran com a oscip paulista.
O valor alcançou mais de R$ 106,7 milhões porque teve por base, além do prazo contratual de 60 meses, o pique de 874.181 vistorias em 2014, quando o serviço atingiria, além da Região Metropolitana de Belém, os principais pólos do estado.
A previsão pelo máximo, segundo um procurador de Justiça consultado pelo blog, não é irregular. Pelo contrário: dá transparência ao processo, na medida em que não escamoteia os valores realmente envolvidos.
De acordo com o procurador, o que chama a atenção é a megadispensa licitatória, uma vez que nem a destinação de 78% da taxa de inspeção veicular para a oscip pode ser considerada, de bate-pronto, irregular.
“Tem de ver com o que ela (a entidade) entraria e os gastos do Detran” – aconselha o procurador – “porque isso também pode ser lido como um dinheiro que entraria para o Detran sem despesa nenhuma”
E é aí, justamente, que a porca torce o rabo.
60% da arrecadação
O presidente do Sindetran, Elias Monteiro, calcula que a implantação do serviço de inspeção veicular ambiental, na capital e nas 12 regionais interioranas do Detran, ficaria em cerca de R$ 3 milhões.
“De acordo com um levantamento do sindicato, cada máquina para essa inspeção custa R$ 43 mil. Quer dizer, o maquinário, que é o mais caro, ficaria em cerca de R$ 800 mil”, observa.
Além disso, acrescenta, os gastos do Detran para a manutenção do serviço não chegariam a R$ 500 mil/ano, já que se resumiriam, basicamente, à atualização de pessoal.
Outro dado importante é que o Detran contratou 185 novos ‘vistoriadores”, através de concurso público realizado em 2008.
Em outras palavras: o Detran possui, em tese, condições de realizar diretamente esse serviço, a partir de um investimento mínimo em relação as suas receitas.
E esse é mais um detalhe a chamar a atenção: no ano passado, a arrecadação do Detran alcançou R$ 165 milhões.
O que significa dizer que o contrato com o CNDA equivaleria, ao longo dos próximos cinco anos, a uns 60% da arrecadação atual do Detran.
Daí a dificuldade de entender, em primeiro lugar, o porquê da tentativa de terceirização.
Sem intermediação
Na tarde de ontem, a Perereca entrou em contato com a Assessoria de Comunicação do Detran do Rio de Janeiro, que já realiza a inspeção veicular de gases poluentes há dez anos.
E vejam só: no Rio de Janeiro o serviço é executado diretamente pelo Detran, em parceria com o Ineia, que é o instituto estadual de meio ambiente.
Mais: a checagem da emissão de gases poluentes é uma rotina – um dos itens que integram a vistoria anual.
Daí que inexista uma taxa específica: o custo do serviço está embutido na taxa anual de licenciamento, que é de R$ 87,86, já incluída a tarifa bancária.
O mais caro do Brasil?
Além do Rio de Janeiro, só a cidade de São Paulo já vinha realizando a inspeção veicular ambiental que uma resolução do Conama, em novembro do ano passado, tornou obrigatória para todo o Brasil.
Em São Paulo, quem executa o serviço é a Controlar, uma empresa criada pelo consórcio que venceu a licitação.
A Controlar tem parceria técnica com uma gigante alemã, a Tüv Nord, e instalações enormes – segundo a sua assessoria de imprensa, os centros de atendimento possuem, normalmente, 17 mil metros quadrados.
No entanto, vocês sabem quanto é a taxa de inspeção veicular ambiental cobrada pela Controlar? R$ 56,44, já com o reajuste deste ano.
Nem mesmo na terra do enroladíssimo José Roberto Arruda, o Distrito Federal, essa taxa alcança os níveis paraenses.
Lá, decreto de Arruda fixou um teto de R$ 70,65 para o serviço, que será terceirizado através de licitação.
Mais: segundo matéria da Agência Estado, de dezembro do ano passado, há dúvidas quanto à legalidade dessa taxação.
“De acordo com a assessoria do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), a inspeção veicular somente deveria ser liberada e cobrada dos proprietários dos veículos depois de aprovada a regulamentação do artigo 104 do Código Brasileiro de Trânsito (CBT, a Lei 9.503/97). Tanto é que a Comissão de Transportes da Câmara concluiu há sete anos um projeto de lei para regulamentar o CTB. A proposta nunca foi votada”, diz a matéria.
Só seis estados
A Resolução 418, editada pelo Conama em novembro do ano passado, fixou um prazo de 12 meses para que os estados apresentem seus planos de controle de poluição veicular (PCPV).
Tais planos é que vão definir as características dos programas de inspeção e manutenção da frota (a Perereca voltará mais adiante a isso).
Segundo o técnico Adriano Ribeiro, do Conama, tais PCVP’s são obrigatórios para todos os estados e, também, para os municípios com mais de três milhões de veículos.
É o oposto do que afirmam dezenas de notícias que circulam na internet: nelas, consta que as vistorias ambientais só seriam obrigatórias para estados e municípios com frota superior a três milhões de veículos - no caso, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Mesmo no Distrito Federal, onde Arruda se apressou em terceirizar o serviço, a frota não alcança nem 1,2 milhão.
Na Região Norte, então, nem se fala: todas as frotas estaduais somadas, segundo dados do Denatran de dezembro do ano passado, totalizam pouco mais de 2,5 milhões de veículos, 848.170 deles no Pará.
Não tem “as condições”...
Não bastasse tudo isso, o presidente do Sindetran, Elias Monteiro, ainda alimenta uma suspeita gravíssima: ele acredita que o CNDA, apesar de embolsar 78% da taxação, acabaria por utilizar instalações e pessoal do Detran.
Elias não tem como provar tais suspeitas.
Mas, levanta questionamentos preocupantes.
Lembra, por exemplo, que o CNDA não possui nem instalações, nem funcionários no Pará.
“Você não faz uma empresa como essa da noite para o dia” – argumenta – “Leva tempo para montar uma estrutura e até para contratar e treinar gente. Eles dizem que os funcionários seriam deles porque não têm como justificar esse valor todo”.
Segundo ele, há precedentes nesse sentido: empresas contratadas pelo Detran que utilizam, na execução de serviços terceirizados, a estrutura da instituição.
Há outros indicadores, porém.
E o mais importante, talvez, é a comparação entre o CNDA e as exigências contratuais.
Rezava o contrato anulado que a oscip seria responsável pelos recursos humanos, materiais, equipamentos e instalações necessárias à inspeção veicular ambiental.
No Termo de Referência elaborado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), consta que os centros de inspeção teriam de ser de alvenaria, ou de material resistente inclusive a fogo, com áreas de inspeção cobertas e fechadas lateralmente e pátio de estacionamento com espaço para três veículos em fila de espera (pelo menos), em cada linha de inspeção.
O cronograma previa a conclusão, na Região Metropolitana, de dez linhas de inspeção em até 90 dias após a assinatura do contrato (o que aconteceu em 2 de fevereiro); e de mais 12 linhas, em até 180 dias.
Além disso, seria preciso instalar quatro linhas de vistoria, para veículos pesados, em até 270 dias, também na RMB; e mais seis linhas em Santarém e Marabá, até janeiro do ano que vem, quando também deveriam estar implantadas unidades volantes em mais oito municípios.
Também seria preciso um call center, com pelo menos dez técnicos, ou uma página de internet, para o agendamento das vistorias pelos usuários.
No entanto nada nessa oscip, o CNDA, indica que ela possuísse dimensões ou capacidade técnica para encarar exigências assim.
Arte e cultura
No site da Receita Federal, consta que a principal atividade do CNDA é a de associação de defesa de direitos sociais.
As atividades secundárias são, também, organizações associativas “ligadas à cultura e à arte”.
A situação cadastral é de novembro de 2005, quando o endereço dela ficaria no 1 andar do edifício 475 da avenida Paulista, em São Paulo.
Hoje, ela funcionaria na rua Dr. Renato Paes de Barros, 512, conjunto 131, no Itaim Bibi - e o endereço é o mesmo do Museu Sócio Ambiental (Musa), portal desenvolvimento pela oscip e que oferece palestras, vídeos e cursos gratuitos sobre o meio ambiente.
O próprio CNDA, pelo que consta em seu site, também se debruça muito mais sobre projetos, cursos, palestras, certificações ambientais e atividades afins.
Além disso, se a implantação da vistoria ambiental representaria, talvez, um investimento pequeno para o Detran, tendo em vista a estrutura que já possui, o mesmo não se pode dizer de uma entidade ou empresa privada, ainda por cima de fora do Pará.
Tome-se como exemplo a Controlar, que realiza o serviço na cidade de São Paulo.
Segundo a revista Exame de 10 de fevereiro do ano passado, os investimentos, para a abertura de mais 11 centros de controle até outubro deste ano na cidade de São Paulo, consumirão R$ 160 milhões.
É claro que São Paulo é um gigante sem paralelo no Brasil e a Controlar, uma empresa de grande porte.
Mas, o fato é que até a Controlar, com toda essa robustez financeira e num estado como São Paulo, levou três meses, após o resultado da licitação, para implantar as estruturas iniciais e contratar e treinar a mão de obra necessária a esse tipo de serviço.
Que dizer, então, do CNDA e, mais ainda, no estado do Pará?
Ainda mais inquietante, porém, é a informação publicada, no último final de semana, pelo jornal Correio Braziliense.
Segundo o jornal, o coordenador do Comitê de Novos Projetos do CNA, Sérgio Carneiro Gatto, é citado em uma investigação do MP de São Paulo sobre crimes contra o sistema financeiro, evasão de divisas e constituição irregular de empresas.
Na página 27 do relatório MP, afirma a matéria, “está escrito que ‘Sérgio Carneiro Gatto possui antecedentes por crimes de apropriação indébita, receptação e falsificação de documento público’. Na página anterior, quando os promotores mencionam uma empresa de nome Talgary Investment Services, Gatto aparece como receptador de documentos de Daniel Rojos Filho, citado como ‘brasileiro domiciliado nos Estados Unidos que forneceria seus documentos e cheques frios para que Sérgio Carneiro Gatto, com Paulo Sérgio Romero, aplicasse golpes no Brasil”.
O mesmo jornal contatou o advogado Orestes Fernando Corssini Quércia, filho do ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, que figura no site do CNDA como integrante do conselho diretor da entidade.
Mas, diz a reportagem, “Quércia informou que praticamente desconhece a instituição”. E declarou: “Fui convidado a ingressar (no CNDA) por causa do meu trabalho na área de meio ambiente, mas nem sei onde fica essa organização, porque não tenho contato. Sou apenas um conselheiro convidado”.
Contrato legal
O procurador-chefe do Detran, Carlos Topino, garante, no entanto, que o contrato com o CNDA era legal e diz que a anulação foi uma decisão de governo.
Sustenta, também, que a tecnologia usada na vistoria da emissão de gases poluentes e ruídos é muito cara e que o Detran não possui condições de realizar o serviço.
“Não temos nem técnicos, nem tecnologia para isso”, resume.
Afirma que o Detran realizou um estudo para dimensionar tais investimentos, mas alega que não se lembra em quanto ficariam.
Perguntei-lhe sobre o levantamento do Sindetran, que aponta um custo unitário de R$ 43 mil pelos equipamentos necessários ao serviço (menos de 20).
A resposta de Topino: “Não se pode levar a sério o que o sindicato diz. Até agora, tudo o que disseram são mentiras, que se devem até aos PADs (processos administrativos) abertos contra eles”.
O procurador assinala que só o Rio de Janeiro e São Paulo realizam o serviço em todo o Brasil, apesar de obrigatório.
E observa que o Rio de Janeiro, que executa o serviço diretamente, levou mais de uma década para dominar a tecnologia necessária:
_O Rio de Janeiro faz isso há mais de dez anos. Naquela época, ele contratou um engenheiro químico que desenvolveu a tecnologia. Isso demanda muito tempo de pesquisa e instalação, coisa que a gente não tem, com a Resolução do Conama.
Além disso, considera “antiquada essa visão de concentrar tudo nas mãos do Estado” e argumenta, sobre os quase 200 “vistoriadores” contratados pelo Detran, que eles não estão capacitados para esse tipo de serviço, mas, para a vistoria mecânica.
E lamenta: “Com esse contrato, o Pará se tornaria o terceiro estado brasileiro a realizar o controle veicular de poluentes, e o Detran e a Sema arrecadariam R$ 40 milhões, ao longo dos próximos cinco anos. Agora, não acontecerá nada disso. E tem mais: esses R$ 106 milhões eram uma estimativa, considerando a vistoria anual de toda a frota do estado. O Detran não estaria pagando isso à empresa. A receita seria advinda do usuário”.
8 comentários:
"O Detran não pagaria isso à empresa. A receita seria advinda do usuário".
Só isso já basta para se ter uma idéia desse governo, ou melhor, desse desgoverno Ana Júlia. Se o procurador do Detran idz isso, o que esperar mais desse governo.
Quer dizer, então, que o dinheiro do Detran, das secretarias, vem de onde, cara pálida?
Parabéns Ana Celia pelos esclarecimentos feitos e pela consulta que vc fez noutros estados dando consistência o que escreveu. Depois de tudo isso, depois da anulação da Governadora, o que vai acontecer agora? Esses que mandam e desmandam no Detran ainda vão ficar por lá? Vão continuar fazendo atos ilícitos pra enriquecer a custa do erário? Se a Governadora não agir com pulso forte, levo a crer que ela também participaria dessa bandalheira no Detran. Esse dinheiro todo não seria além do enriquecimento ilícito dos envolvidos utilizar na campanha que se aproxima? Ana Julia nunca mais. Ela não terá pulso pra exonerar esses corruptos.
Só tem corrupto na chefia desse orgão,fazem de tudo para roubar, parabéns pela matéria.
É esta quadrilha que tem a alcunha de PMDB que alguns petistas tanto defendem? Valeu Perereca.Agora Blog da Ana Célia.Valeu também grande camarada Elias lá do Curió e demais lutadores lá do DETRAN.Saudações Populares e Socialistas do Guilherme Marssena agora aqui em Santarém também na luta contra estes VIRALATAS DIREITOSOS.
Na Véspera de eleição temos que ficar de olhos bem abertos. o caixa dois começa a ser formado.. R$106 milhões desviados é uma fácil manobra pra eles, o difício é pagar o plano de cargos e carreiras para seus funcionários, que custa muito menos. BANDO DE LADRÃO!
Cara Perereca, o procurador chefe, Carlo Toppino, está sendo enforcado com a própria corda. Cada palavra que diz em razão de suas estripulhias, mais a corda aperta e o alçapão se abre. Os procuradores do Detran deveriam fazer alguma coisa para que isso acontecesse o mais rápido possível, pois Carlo Toppino está sujando a carreira dos colegas.
A corda já existe, ela está na Sindicância, aguardando para ser usada. Processo 51332/2007.Punitiva no Toppino.
Os PADs não tem nada a haver com o contrato de 106,7 milhões (trata-se de revanchismo recalcado), assinado também pelo Carlo Toppino. Ainda tem mais, o Toppino está envolvido numa punitiva (processo 51332/2007), álém de ser cunhado da Diretora que fornece material de informática (leitores biométricos) para o Detran, o que desemboca no odiável tráfico de influência. Coisa que ele não nega!!!
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