sábado, 22 de setembro de 2007

ET2

O ET de Inhangapi (2)


(Os tambores e gritos cessam. O ET, com um uniforme prateado, embaixo, junto à escada do disco voador, olha na direção da Perereca e da Correspondente e aponta para o céu).

_ET...ET...Phone...Home...Hoooome...
_Mas que diabo é isso, já, cumadizinha?
_Ô comadre, você num tá vendo? É o seu ET de Inhangapi, ué!
_Mas que ET o quê, animal!... Esse daí é o Barão!...
_Mas aooonde, comadre!...Pois se inté tá escrito aqui, ó, nesse folheto da Ufoturismo “Business” Inhangapienses!...Esse daí é o seu ET de Inhangapi!...
_Égua, meu Deus do céu, mas o que foi que eu fiz na outra encarnação?...
_Ô comadre, você tá é ficando “deveras” melodramática! Daqui a pouco vai inté escrevê novela: “A Bananada”. “Ó, Pafúncio Romeu por que me atrituraste o coração?”, “Mas, Felisberta Julieta, eu só te adei esse liquidificadô!” “Pois então, Pafúncio Romeu, por que num me adeste um processador? Agora, se eu abatê cebola, num aposso fazê bananada, porque avai ficá tudo com gosto de tempero! Ó, Pafúncio Romeu, que asserá de mim? Asserá a cebola? Asserá A Bananada?”...
_Ô cumadizinha, você tem certeza de que fez aquela sessão básica de camisa de força antes de a gente vir pra cá?
_Mas é claro, comadre! E até me atremi todinha que nem o Barão, ó, ó!...
_Pois, então, cumadizinha, você não vê logo que isso daí é só o Barão?
_Aescute, aqui, comadre, que eu num avô mais discuti com você. Vô é chamá o guia ufoturístico da “Business” Inhangapienses. Ô seu Inri, se achegue aqui!...
_Chamarrr, querrrida corrrespondente?
_Ô seu Inri, apare de me cuspir, mais é, e adiga aqui pra comadre quem é esse daí que adesceu do disco avoadô!
_Esse, minha senhorrra, é aquele a quem o Senhorrr da Balloonsferrra chamarrr “O ET de Inhangapi”!

(As luzes piscam. Som de trovões)

_Te mete com doido, te mete com doido! Como já dizia a minha mãe, vais acabar no choque elétrico e o doido, todo serelepe, na porta do hospício, rindo da tua cara!...
_Ô comadre, o seu problema é que você anda vendo chifre em cabeça de macaco!... Pois eu avô prová que você tá errada. Ô seu ET, se achegue aqui!

(O ET se aproxima de ambas)

_Você tá vendo, comadre, esses zoiões do tipo “A volta dos mortos-vivos”?... Você tá vendo esse carecão tremeluzente?... Você tá vendo essa forma na qual a natureza apareceu cismá?...
_Tá poética, né, cumadizinha?
_Tô aprendendo com você, comadre! Tô aprendendo com você...Agora, arrepare só nessa barbicha de bode véio...Dá pra fazê “bé”, seu ET?
_Béééééééééé!
_E agora me adiga, comadre: que aparecença que apode havê entre essa criatura estropiada e o seu Barão?
_(...)
_Errr...Acreditarrr, querrrida corrrespondente, que a dona Perrrerrreca prrrecisarrr de uma prrrova, como dizerrr, mais substanciarrr, de que esse é o purrro e genuíno ET de Inhangapi!...
_E o que é que o sinhô assugere, seu Inri?
_Pegarrr o seu marrravilhoso kit ufoturrrístico!...
_Tá aqui, ó, seu Inri!
_Agorrra, oferrrecerrr o vibrrradorrr parrra ele!...
_Atome aqui, seu ET!...

(Quando os “cabocos” que gritaram “Kong, Kong” vêem a Correspondente oferecer o vibrador ao ET, gritam e fogem desesperados. A Correspondente, como o vibrador na mão, olha, interrogativamente, para a platéia).

_Errr! Acharrr melhorrr mudarrr a aborrrdagem. Darrr o violon parrra ele!
_Apegue a viola, ó, seu ET!
_(O ET pega o violão, como se não soubesse o que fazer com ele. Põe nos ouvidos, nos ombros, na cabeça. E diz, ao final) ET...ET...Phone...Home...Hoooome...
_Tá vendo, comadre? Eu num adisse que esse daí era o seu ET de Inhangapi? Adesde quando, já, que o seu Barão não ia assabê o que fazê com uma viola?
_(...)
_Acreditarrr, querrrida corrrespondente, que a dona Perrrerrreca necessitarrr de uma prrrova maiorrr da...da...cof, cof, cof
_O homem engasgou!
_Mas aooonde, comadre!
_hã, hã...Pegarrr a varrra de pescarrr...cof, cof, cof...E oferrrecerrr...cof, cof, cof... parrra ele...cof, cof, cof...
_O homem vai morrer engasgado...
_Ô comadre, tem horas que você é uma insuportável, mais é! Atome aqui a vara, ó, seu ET...

(O ET pega a vara e não resiste: joga em direção ao lago. Mas, o anzol volta e engata na pálpebra esquerda dele. O ET começa a girar e a gritar, que nem o Smeagol)

_Ai, ai, ai! ET... Phone...ui, ui, ui...Home! ai, ai, ai...

(O Inri vai na direção dele e o leva embora)

_Vixe Maria, comadre, que o seu ET apescô o próprio zoião! Tadinho!... Nunca adeve de atê visto uma vara, ué!...
_Ô cumadizinha, você não vê logo que isso é igualzinho ao que aconteceu com o Barão?
_Huuum, mas desde quando, já?...
_Ô cumadizinha, você não se lembra daquela vez que o Barão foi dar uma de pescador e acabou pescando o próprio olho?
_Mas aooonde, comadre! Você num avê logo que isso é história de pescadô?
_Mas quando, cumadizinha! Saiu até na Gazeta de Arribação...O homem quase que fica cego!...
_Ô comadre, mas eu me admiro é de você!... Num tá vendo logo que isso é intriga dessa oposição farofeira? Adesde quando, já, que o seu Barão, um pescadô gabaritado, ia apescá o próprio zoião? Pois se o omi é inté campeão de pesca de Inhangapi!...
_Não brinque, cumadizinha!...
_Pois num é, comadre? Se inté saiu na Gazeta de Arribação! Atinha inté foto do Duzinho entregando um troféu pra ele!...
(puxando a Perereca pro lado)
_É bem verdade, comadre, que, naquela época, acomentaram que o Duzinho era o patrocinadô e o juiz do torneio e que o Barão era o único candidato...Mas eu inté nem lhe acontei isso, porque, assabe como é, essa oposição só aqué um pezinho pra fazê um carnaval!...

(Voltam o Inri e o ET, acompanhados pelo lorde Tirésias. O ET está com os dois olhos cobertos por grandes tapa-olhos. Tem uma bengala numa das mãos, claudica e é amparado pelo Inri e pelo Tirésias).

_Tão vendo, seu ET? A gente não dissemos que não iam doerem nada?
_ET...ET...ET...
_Ué, seu Tirésias, mas o seu ET num atinha machucado só um zoião?
_Ah, minhas querida, é que a gente tivemos de operarem os dois, pra modo de ficarem tudus igual.
_Num abrinque, seu Tirésias!...
_E num forem, querida, e num forem? Quando a gente peguemos nos zalicate, pra modo de arrequemos os zanzol, os zoutro zóios dele cumeçou a crescerem, a crescerem... Aí a gente falemos pros lorde Tirésias: isso daí, caboco, só pode ser aquelas tar de pupilha delatada. Aí a gente peguemos nos zalicate e arrenquemos as bicha!... Ficarem tudu branquinho, branquinho...
_Aqué dizê que o sinhô arrancô as pupilas do seu Barão?...Aqué dizê, do seu ET?
_Asasque, querida?
_As pupilas. Aquelas bolas pretas que aficavam no meio dos zoiões dele...
_Ah, as pupilha delatada!...Pois arranquemos, querida, arranquemos. És umas tecnica que os lorde Tirésias aprendemos nas farcudade do Brejo. Agora, as pupilha vai crescerem tudinho igual!...
_Pupilas não crescem de novo...
_E quem serem as sinhora pra dizerem isso? As sinhora entenderem de osculhismo, por encaso?
_Ô seu Tirésias, num se avexe, num se avexe, que essa é a comadre, a dona do blog A Perereca da Vizinha!
_A gente sabemos muito bem quem erem essas tal de Perereca e esses tal de bluga! A gente lemos, a gente lemos, as sinhora num acreditarem, mas a gente lemos! A gente aprendemos o bê a cá!...
_Ô seu Tirésias, se acalme mais é, que a comadre num afalô por mal, né, comadre? Ela só tá achando que as pupilas num acrescem assim!...
_Mais erem esse os pobrema, querida! Essas suas zamiga ficarem pensando que saberem tudo! Elas estudarem osculhismo, por acaso? Elas saberem os filhosofismo dos zóio? Os lordes Tirésias, não! Os lorde Tirésias atenham uns diproma, ó, que a gente até carreguemos aqui, ó, ó! Enquanto que essas sinhora, que apensarem que saberem tudo, serem umas...umas...umas adipromática!...
_O senhor me permitiria olhar esse seu diploma?
_Erem craro! Tás aqui, ó!...
_Ué, que diabo é isso, já, de “deis” em “apingação de corilho”?
_Intonces, erem umas matéria que a gente tenhamos em osculhismo... A gente aprendemos os filhosofismo dos zóio, pra modo de acolocarem os corilho...
_Égua, e o que é isso, já, de “arrecolhe-cimento de zoiões travetas e vesgetas”?
_Intonces, erem outras matéria!...Erem subi aqueles zóio que vai pelas lateral esquerda e vai pelas lateral direita e que azagueiam, azagueiam e só aparam nas trave...
_E esse negócio daqui de “arreceitamento oculhístico”?
_Pois essa, dona, erem as matéria mais apobremática dos osculhismo. A gente tenhamos de adivinharem as necessidade dos caboco. Se o sujeito erem grandão (daqueles parrudão, as sinhora saberem como erem), a gente ponhamos três grão. Mas, quando erem uns caboco pequeno, bastarem um grão, meio grão.
_Você tá vendo, comadre, por que é que o seu Tirésias é o maior oculista do Brejo?
_Ô cumadizinha, mas você não está vendo logo que esse diploma é falsificado?
_Mas aooonde, comadre! Mas se inté adizem que o ômi operô a Dona Justiça!...
_A Justiça é cega, animal!
_E eu bem que aestranhei aquelas vendas nos zoiões dela...

(Súbito, ouvem-se sirenes. As luzes piscam. Surge outra nave no céu. E dela desce...Ashtar Sheram, o comandante em chefe das Forças Intergalácticas)

(Continua)

ET 1

Enquanto a Perereca acaba o capítulo X da Festa do Ap, vai um pouco adiante...Com vocês...



O ET de Inhangapi




_Só ‘mermo’ você, cumadizinha, só ‘mermo’ você pra me fazer acampar neste fim de mundo!...
_Ô comadre, arrelaxe, mais é!...Desde que a gente achegou que você num apara de arreclamá!...
_Mas, também!...Você já viu onde nós estamos, cumadizinha? É só mato pra tudo que é lado!...E é sapo, é osga, é grilo, é barata...E esse monte de carapanãs que ficam pensando que eu sou alguma filial do Hemopa...
_Ô comadre, você aprecisa é admirááá a natureza!...Assinta o cheiro do mato!...
_É só bosta de boi!...
_Aveja a água alímpida desse lago!...
_É só malária!
_Adiga: AUUUMMMM!... E adeixe a alma abailá no céu estrelado!...
_Égua da erva boooooa, né animal?...
_Ô comadre, você atá é muito ranzinza, mais é!...É um mau humô que ninguém agüenta! Égua da menopausa escrota, essa sua!...
_Agora, a culpa é da minha menopausa, né? Eu só queria era saber onde é que eu tava com a cabeça, quando aceitei acampar com você em Inhangapi!...Em INHANGAPI!!!... E ainda por cima pra fazer esse tal de “Turismo Ufológico”!...
_Mas, comadre, é a nova moda do Brejo, ué!... Tá todo mundo aquerendo apreciá o ET de Inhangapi!...
_Mas que ET que nada, cumadizinha! Isso deve ser igual aquele ET de Varginha: uma sugestão coletiva!...
_Que nada, comadre! Diz que o negócio aqui é assério!...Diz que o bicho inté assolta fogo pela venta!...
_Jura? Então, deve de ser o clone da mula-sem-cabeça, né mermo, cumadizinha!...
_Que nada, comadre! Diz que o bicho é feio..., feio..., feio... que nem o cão achupando manga!...Atem uns zolhões pretos... Uma careca horrível!...Um jeito, mermo...mermo...de bode véio...E ainda se abalança todo, comadre!... E aí ele assegura o sujeito com uns brações de ferro, apega numa seringa e tum!...atira o sangue do coitado que acruzô com ele!... E atem mais, comadre!...
_Égua, mais?!!!...
_Diz que quando o sujeito acorda, adescobre que afoi abduzido!...
_Égua, sério? E pra onde “alevam” o pobre? “Deve de ser” pra baixa da égua, né, cumadizinha?...
_Que nada, comadre! Diz que é pra adentro duma nave enooooorme! Tudo branca e cheia de luz!... E aí afazem um monte de experiência científica com o caboco! Amedem pressão, glicemia e inté aquele tal de triglicerídeos! Examinam fezes, urina, ascutam o peito e afazem o sujeito arrepeti: 33, 33, 33...
_Égua, então isso não é uma abdução!...É um check-up intergaláctico!...
_É que o seu ET, comadre, diz que atem mania de doença!... Diz que um sujeito que afoi abduzido adescobriu que atinha tuberculose, hanseníase, sarampo, catapora, pereba, malária, papeira, tosse gogada e inté bicho de pé!...
_Mas, cumadizinha, tá certo que você é bem informada!... Mas, eu não tô é entendendo como é que você sabe de tudo isso sobre o ET de Inhangapi!...
_Ué, comadre, mas se tá tudo aqui neste folheto da Ufoturismo Empreendimentos Inhangapienses, ó!...
_Égua, e tem essa empresa?
_Pois num atem, comadre? É inté do Barão com o seu Inri e o lorde Balloon...
_Égua, que eu devia ter desconfiado!...Égua, que eu sou é muito burra!...
_Ô comadre, mas do que é que você atá arreclamando? Esse pacotão de ufoturismo saiu inté barato, por causa da abaixa estação!...
_E quanto é que ficou a porcaria desse pacote, animal?
_Só dez mil bufunfas, ó xente!...
_Dez mil!!!...Mas você enlouqueceu, cumadizinha? De onde é que eu vou tirar tanta bufunfa?
_Dos anúncios do seu blog, ué!!!
_Mas, o meu blog não tem anúncio, animal!
_ Mas, então, afaça um rolê com a Gazeta de Arribação, ué!
_Égua, eu não acredito que você me fez gastar dez mil bufunfas com esse negócio de doido!...
_Mas, comadre, a gente inté aganhou um maravilhoso kit ufoturístico!...
_Quê?
_Pois, não é, comadre! Como eu apaguei à vista – é bem verdade que com acinco cheques pré-datados seus... – a gente inté aganhou esse lindo kit “O ET e Eu”. Apegue lá, comadre!...Atem essas duas varas de pescá... Esses dois violões – inté bacanas, né, comadre? – e esses negócio esquisito que eu num assei o que é...
_É um vibrador, sua anta!...
_Égua, assério, comadre? E pra que é que asserve?
_(...)
_Ah, e ainda atem essa pomadinha aqui, ó!...
_É KY, animal!...
_Égua, comadre, como você é instruída!...
_Boa noite, minhas senhorrras!
_Ô seu Inri, ainda bem que o sinhô achegou!...Eu inté atava amostrando pra comadre esse maravilhoso kit ufológico “O ET e Eu”!
_A senhorrra gostarrr, dona Perrrerrreca? Serrr idéia do querrrido lorrrde Balloon! Ele pensarrr numa coisa nova e extrrraorrrdinárrria parrra garrrantirrr satisfaçon da frrreguesia!...
_Mas eu não estou é entendendo, seu Inri, como é que funciona esse negócio de turismo ufológico...
_Ah, mas isso, como dirrria o nosso querrrido Barrron, é muito simples, minha senhorrra!...O que é que a senhorrra verrr aqui?
_Mato e bicho!...
_Orrra, vamos, dona Perrrerrreca, como dirrria o nosso querrrido Barrron, liberrrtarrr a imaginaçon! Inhangapi serrr um lugarrr fantástico! Aqui, tudo acontecerrr!...E foi aí que pensarrrmos nesse emprrreendimento novo e extrrraorrrdinário do ufoturrrismo!...
_Quer dizer, então, que não tem nenhum ET de Inhangapi?
_Mas é clarrro que terrr, minha senhorrra! A senhorrra acharrr que eu, o Barrron e o lorrrde Balloon serrrmos capazes de enganarrr as pessoas?
_Não, seu Inri!... É claro que eu jamais pensaria algo assim de uma “trinca” desse quilate, não é ‘mermo’?
_Então, rrrelaxarrr, dona Perrrerrreca, que logo, logo a senhorrra terrr a experrriência mais fantástica de çon vida!...

(De repente, acendem um holofote e aparece um grande disco voador, pouco acima do chão. Batuque ritmado de tambores. Surgem pessoas vestidas de branco gritando, freneticamente: Kong, Kong, Kong! A nave pousa. E dela desce...O ET de Inhangapi!)

(Continua)

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Renan

Sobre Renan


Sinceramente, não consigo entender essa “dor moral” da classe média diante da absolvição de Renan Calheiros. Que é que há nisso de tão estranho, maravilhoso ou brutal?

Às vezes, ao ler a classe média, tenho a impressão de que padecemos, todos, de impossível esquizofrenia. O mundo é, para nós, o ideal, simplesmente o ideal. Nele não existem a dona Maria e o seu José.

Somos nós a decidir. Somos dez ou cinco por cento da população a “decidir”, é verdade. Mas, mesmo assim, “decidimos”, no ideal de Brasil que imaginamos.

Nem nos passa pela cabeça que inexiste esse nosso mundo. Que somos umas merrecas de alfabetizados, entre milhões de analfabetos – em sentido lato ou restrito.

Nem nos passa pela cabeça que clamamos no deserto. E que assim será enquanto a massa nos brasileiros não for, ao menos, classe média, também.

Muitos de nós enfrentaram ou enfrentam dificuldades na vida. Mas as nossas dificuldades implicam, geralmente, cortar duas ou três cervejas no final de semana, manter o fogão velho, a geladeira de penúltima, o celular que não tem aquela câmera afiada que apode fotografar o chefinho devidamente...

Nem nos passa pela cabeça que as dificuldades da dona Maria e do seu José são de outra ordem: é fome, MERMO, é falta, MERMO.

Não é uma questão de escolher: não há, simplesmente, escolha. É pegar o pão velho, bichado, tirado do lixo. Se não, é a dor da fome – que dói, mermo, sem qualquer imagem retórica.

As nossas empregadas não têm a casa “arranjadinha”, porque pouparam. Não “cheiram bem” porque têm noções de higiene. Não são honestas porque “nem todo pobre é desonesto”.

Fedem, moram em barracos e são desonestas porque o contrário é pedir demais de um ser humano.

Se meu filho chorasse de fome eu roubaria. E se eu visse uma “madame” jogando fora um catatau de comida, então, nem teria clemência.

O problema é que queremos pegar as exceções como casos exemplares. Mas, nos mudemos, todos, para a Terra Firme, para ver o que acontece.

Não sobra um honesto – se julgado por atos, palavras e pensamentos.

Renan foi absolvido? Quem sabe disso? Apenas nós, tão somente nós, com essa nossa “fineza”, com essa nossa hipócrita indignação.

Deveríamos ter nos indignado com o Zebedeu que nasceu sem mirra, incenso e ouro. Que subvive que nem bicho. Que come hoje – e acolá, se roubar, se tiver a capacidade de roubar.

Abandonamos as escolas públicas, os postos de saúde. Ouvimos o chamado da Ditadura e matriculamos nossos filhos em escolas particulares, contratamos planos de saúde. E deixamos a “gentalha” ao Deus dará.

E, agora, queremos a solidariedade dela, à nossa moral? Queremos que entenda a diferença entre o público e o privado, quando até nós condescendemos?

Queremos que diga: “Fora, Renan!”. Mas, que diabos, quem é Renan? É o homem da ficha no posto? É o sujeito que carrega a cesta básica? É o diretor da escola que ameaça expulsar o Raimundo, porque o Raimundo é preto, semi-analfabeto e não sabe se defender?

Quem é Renan na história deste Brasil escravocrata, a não ser mais um escravocrata, mais um senhor?

Qual é o escândalo que se assemelha ao do menino que saiu de bicicleta de casa, para ir trabalhar num emprego miserável e que morreu pelo meio do caminho?

Quem é este branco, o doutor, como milhares de outros doutores, que acha que é o único cadáver que essa guerra já produziu?

Me indignei com a foto de uma criança, que morreu num posto de saúde, nos braços da mãe.

Mas, você acha, maninho, que ela se indignou? Pra modo de que iria se indignar, se isso é tão normal, não é mermo?

Morreu, morreram, morrerão. E ela, a dona Maria, sabe que a vida tem de seguir em frente. É respirar fundo. E fazer outro, neste mundão de Deus!

Nós, classe média, nos permitimos sentir, inclusive a indignação. Temos tempo e condições para isso.

Podemos pensar as notas dos nossos filhos, os destinos deles. Podemos até sofrer crises existenciais do tipo: onde foi que errei!

Quem passa fome, maninho, não tem tempo pra essa frescura. Tem de sobreviver. Precisa sobreviver.

E que importa Renan? E a Mônica e a Playboy? Eles são um outro mundo, outra coisa, o “ah, é?...”

No dia a dia, no remelexo da sobrevivência, não significam nada. Não adiantam, nem atrasam porra nenhuma.

E agüentem aí, blogueiros, enquanto a dona Maria, o seu José e eu vamos medir a febre do Raimundo Preto, que não tem direito nem a um Melhoral...

sábado, 1 de setembro de 2007

Nélio e Ney



Sobre Nélio Palheta e Ney Messias



Essa trapalhada da “demissão a bem do serviço público” do Nélio Palheta e do Ney Messias é uma coisa muito complicada. Sobretudo, porque envolve um tipo de comportamento político que é preciso banir das nossas vidas, se quisermos, de fato, construir uma sociedade democrática.

Tenho todos os motivos do mundo para não meter a minha colher nessa história. Não gosto do Nélio e não escondo isso. Teria, aliás, todos o motivos do mundo, também, para até ficar contente com o que ele está a passar, em termos de dificuldades financeiras. Afinal, não é nada assim tão diferente do que ele fez muita gente passar...

Mas, prefiro não me deixar levar por sentimentos, especialmente, quando o que está em jogo é muito maior do que os “mundinhos” de cada um de nós.

Essa história do convênio da Funtelpa é uma daquelas aberrações que só o provincianismo paraense foi capaz de possibilitar.

Aqui, qualquer sujeito, com qualquer merreca de poder, se apropria impune e despudoradamente da coisa pública. O que dizer, então, daqueles que detêm o poder dos veículos de comunicação de massa?

Lembro de ter ligado para várias tvs públicas do Sudeste, quando pesquisava a história desse convênio. E certa vez, ao conversar com o diretor de uma dessas emissoras, ele teve, de início, até dificuldade em compreender o que eu estava contando. Depois, desatou a rir, diante do absurdo da situação...

Minha filha, agora com 18 anos, teve a mesmíssima reação.

Não é para menos. Afinal, como é que pode entrar na cabeça de alguém, com um mínimo de inteligência, de discernimento moral, digamos assim, que seja possível a uma empresa privada utilizar-se de um bem público, em benefício dela – única e exclusivamente dela – e ainda receber milhões do Estado por isso?

Não há como justificar tamanha promiscuidade. Porque esse é o tipo de ação que só conseguiremos compreender se abstrairmos todas as conquistas históricas que obtivemos, em termos de Cidadania, de Democracia, de separação entre o público e privado, e passarmos a raciocinar a partir de uma visão monárquica - ou até feudal.

Tenho para mim, portanto, que quem, de alguma forma, compactuou com isso, errou e errou feio. E tem, sim, de ser punido por isso – e é possível que já esteja sendo, na medida em que os tucanos foram apeados do poder pelo eleitorado.

Mas, sobretudo, o importante é que a pena não transcenda a participação de cada um.Porque, se transcender, nada terá de Justiça. Será, tão somente, vingança, perseguição e até covardia.

Todos os agentes deste grande jogo que é a política somos senhores dos próprios atos. E sabemos que, ao darmos a cara nesse cassino, estamos nos sujeitando a levar para casa não apenas o bônus. Mas, o ônus, também.

E o importante é que aprendamos a cultivar um mínimo de respeito pelos nossos adversários. Principalmente, porque isso é essencial à democracia. Mas, também, porque o poder é efêmero, ilusório. E a roda da democracia há de nos colocar, sempre, ora em cima, ora embaixo.

Sobretudo, não podemos esquecer do que são os nossos adversários: a contribuição que deram às lutas democráticas, as competências que possuem, as vidas que escreveram, o mais honradamente possível, e que não podemos, simplesmente, embolar e jogar no lixo, para mostrar serviço a esse ou aquele “Senhor” de plantão.

Nélio e Ney, com certeza, erraram – e eles, certamente, sabem disso. Mas, não são bandidos. E não podem, portanto, ser tratados como bandidos.

Têm uma opção ideológica e direito líquido e certo a isso, da mesma forma que qualquer um de nós.

Neste cassino, não há anjos ou demônios. Todos fazemos o que é preciso. E temos perfeita consciência de que, um dia, talvez tenhamos de responder por alguma coisa que fizemos, seja por “lealdade” a um projeto de poder ou a um mandatário, seja por termos, simplesmente, “consentido”.

Mas, daí a imaginar que, quem está ganhando, tem o direito de reacender fogueiras inquisitoriais vai enorme diferença.

Quando li, anteontem, as portarias de demissão “a bem do serviço público”, pus-me a perguntar, em primeiro lugar, qual o significado prático do que ali estava escrito.

Afinal, ambos já estão afastados do serviço público, desde o início de janeiro.

Soube, então, que tudo não passara, em primeiro lugar, de uma grande confusão jurídica.

Levou-se ao pé da letra a recomendação de uma comissão processante, com parcos conhecimentos jurídicos. E quem deveria possuir tais conhecimentos, esqueceu-se da distância que existe entre a recomendação do pelourinho e a possibilidade de mandar alguém ao pelourinho, no Estado democrático de direitos.

Mais que isso: esqueceu-se que uma coisa é o circo romano, a clamar por sangue. E outra, o equilíbrio, a temperança, que tem de nortear o comportamento democrático.

Posteriormente, tomei conhecimento do efeito prático da “demissão a bem do serviço”, em que se pretende transformar a exoneração do Ney e do Nélio: os dois não poderão, simplesmente, retornar ao serviço público.

Achei tal intenção não apenas cruel, mas, mesquinha, covarde “mermo”.

Em primeiro lugar, porque é muito fácil punir “exemplarmente” os peões, ao invés de investir contra o Rei.

Ora, perguntei aos meus botões: a quem interessou, a quem beneficiou, em primeiro lugar, o convênio entre a Funtelpa e a Tv Liberal?

E é claro que a resposta não poderia ser outra: as ORM, aos Maiorana e aos governadores que determinaram a transação.

Então, por que não punir, “exemplarmente”, em primeiro lugar, os grandes e reais beneficiários?

Será por que detêm poder? Será por que possuem a capacidade de retaliar? Será por que as pessoas têm medo do dia de amanhã, frente a adversários são poderosos?

É muito fácil, de fato, voltar as baterias contra quem está no chão. É muito cômodo chancelar “vingancinhas” contra quem não possui, aparentemente, condições de se defender.

Em segundo lugar, creio que é de incrível pequenez (e não vai aqui qualquer referência à estatura física do Nélio...) o ato de impedir o retorno de cidadãos ao serviço público, simplesmente porque não possuem a nossa “fé” ideológica.

Temos de desarmar os espíritos, os palanques. A eleição acabou há uns nove meses; agora, porrada, “mermo”, só no ano que vem.

Temos de tocar nossas vidas e sepultar de vez – mesmo no período imediatamente após as eleições – essa mania antidemocrática de condenar a minoria, o diferente, a um gueto – ou até pior, aos leões.

Afinal, nos queixamos tanto das perseguições tucanas. Dessa arrogância, dessa coisa nojenta de ficar pendurando o adversário numa gaiola, para assisti-lo morrer, lentamente, de fome e de sede – e vamos fazer igual?

Mas que diabos foi que pensamos, quando pensamos alcançar o poder? Era só isso? Era, simplesmente, para isso?

É claro que continuaremos a nos embolar no meio de campo. Vale dar bicuda? Vale – e de parte a parte. Vale puxar a camisa, segurar na perna, no braço e dar peteleco? Vale. E vale até agarrar pelos cabelos, de vez em quando. Mas não vale é aleijar, esfolar, incapacitar para todo o sempre. Porque aí deixa de ser jogo. E vira pura e simples carnificina.

Temos, todos, de aprender, de fato, o significado da expressão “respeito democrático”.

É nos limites da democracia que temos de aprender a jogar.

Se, depois de tantos anos de luta democrática, de militância, não conseguirmos aprender esse mínimo, esse básico, então é melhor que deixemos o cassino, para fundar uma igreja pentecostal.

Os jogadores agradecem. E a sociedade também.