Quis escrever este post no domingo. Mas, infelizmente, minha cabeça ainda fazia ziriguidum, pela bebedeira de sábado. Mas, jamais perderia a oportunidade de debater esse tema tão instigante, que é o limite da ação política, especialmente, para as esquerdas brasileiras.
Lembro-me de que, há uns meses, espantei-me com uma polêmica entre dois pesos-pesados da academia: José Gianotti e Marilena Chauí.
Ela, que é simplesmente brilhante, cometeu um inexplicável deslize: caiu de pau no Gianotti, condenando a defesa que ele teria feito de determinadas práticas políticas.
O problema é que Gianotti não defendera tais práticas – apenas constatara a existência de uma grande zona cinzenta na política, na qual o discurso nem sempre, ou quase nunca, corresponde à prática.
Essa polêmica ficou-me na cabeça, por duas questões. A primeira é a confusão em que incorreu mesmo uma intelectual como a Marilena, em torno da constatação e da defesa de uma determinada coisa.
A segunda, pelo pomo da discórdia em si: a zona cinzenta em que nos movimentamos, os agentes e pacientes – ou, como preferem alguns, os atores – dessa atividade.
Mais do que qualquer atividade, a ação política é “datada”; tem hora e lugar para acontecer.
Nela, a conjuntura não é, apenas, “marcante”, “inspiradora”, mas, determinante.
Não há ação política para trás ou para a frente de um determinado tempo: ela é, exatamente, o que tempo admite que seja.
Daí que só é explicável no contexto em que se dá.
Quer dizer: o chamado “mensalão” seria um escárnio na Suécia. Mas é perfeitamente compreensível no Brasil.
II
Há pouco tempo, fazia pesquisa na Internet e deparei-me com um dado extremamente significativo: apenas uns 26% da população brasileira escapam do analfabetismo funcional – quer dizer, compreendem, minimamente, um texto simples.
E, pelo nível da competência cognitiva mensurada, é de se concluir que, mesmo entre esses 26%, ainda existe um certo quantitativo que deve se agregado à massa daqueles que apenas “intuem” a realidade em que vivem.
Nada assim de tão espantoso, quando analisamos esse resultado à luz da história brasileira, desta sociedade escravocrata que jamais deixamos de ser.
Uma sociedade em que, em pleno Século XXI, grandes latifundiários (e o próprio termo é anacrônico...) consideram uma grande obra humanitária “dar” um prato de comida a um trabalhador; ou abrigá-lo em taperas no meio do mato, que não servem nem para bichos, que, aliás, são tratados com muito mais “cuidado”, dado o valor econômico que possuem.
Um país onde crianças são trazidas do interior, para “servir” em casas de família – e muito boa gente acha isso natural; e em que meninas e meninos são levados a vender o corpo a turistas do mundo inteiro – e muito boa gente do mundo inteiro acha isso perfeitamente natural...
Um país onde a maioria esmagadora da população tem de penar, dias a fio, em postos de saúde miseráveis, para conseguir uma consulta de três minutos e um simples comprimido para a febre.
Onde gerações e gerações são condenadas à pobreza e à miséria, dadas as condições subumanas em que são mantidos bisavós, avós, pais, filhos e netos.
Um país de analfabetos funcionais, que vagam de cidade em cidade, em busca de um pedaço de terra para fazer brotar o milho, o trigo, que irá aplacar a fome de seus filhos.
Um país de desigualdades gigantescas e vergonhosas. Porque, do lado oposto dessa massa de 150 milhões de escravos – sim, porque vive, efetivamente, em condições análogas a dos escravos e, às vezes, até pior – há uma casta com toda sorte de privilégios, cuja pompa e circunstância supera até mesmo às das cortes européias.
Uma casta que está acima do bem e do mal. Que nem sequer vai presa. Ou que, quando vai presa, tem direito até a prisão especial, para que seja mantida à distância dos “verdadeiros criminosos” – mesmo que tenha metido a mão em dinheiro público, em benefício próprio, e que isso tenha resultado na morte de milhares de cidadãos.
III
Este é o Brasil que temos. O Brasil que também elege os políticos que temos.
Porque não adianta imaginar que eles, simplesmente, “caíram do céu” – ou, melhor dizendo, vieram dos confins do inferno.
Todos esses que estão aí, que lograram alcançar um lugar nas prefeituras, nas câmaras municipais, nos governos dos Estados, nas assembléias legislativas, na Câmara dos Deputados, no Senado são a cara do eleitorado, a cara de todos nós.
E as esquerdas, ao atuarem politicamente, têm de levar tudo isso em consideração: a miséria e a despolitização do nosso povo e o poder econômico – e todo o arsenal institucional – de que essa casta dispõe para a manutenção do Poder.
O Brasil não é a Dinamarca, não é a França, não é a Suécia. Aqui, temos dificuldade até de discutir idéias, programas de governo, porque nem “escrever” podemos: temos de levar tudo isso através de programas de rádio e tv, para que o nosso povo consiga entender minimamente aquilo que estamos propondo.
Pior: com o encarecimento das campanhas políticas, há a necessidade, cada vez mais, de verdadeiros “atores globais” e de superproduções, para a pura e simples manipulação mental das massas.
E é neste contexto que se dá a nossa ação. Não no plano ideal, do Brasil que gostaríamos que fosse. Mas, no Brasil que temos, embora que tudo aquilo que façamos seja, justamente, para que, um dia, possamos alcançar esse ideal.
IV
Pela miséria em que vivem, claro está que a dona Maria e o seu José dificilmente terão condições de contribuir, com um mísero tostão, para qualquer projeto político, mesmo que tal projeto objetive a melhoria das vidas deles e do conjunto dos cidadãos.
É claro que um projeto político não padeceria de tamanha incerteza financeira, se tivesse o propósito de manter no poder essa casta que aí está - e que, até mesmo fora da administração do Estado, consegue, através dos partidos que a representam, realizar grandes programas de tv, para compungir o eleitorado.
Essa gente possui dinheiro à farta, porque controla, há séculos, os meios de produção, inclusive os meios de produção da notícia.
Os candidatos deles não precisam andar a vender bonés e brochinhos: inundam um estado inteiro de “santinhos” de PVC, declaram que gastaram na campanha menos de R$ 1 milhão e fica tudo por isso mesmo, porque a Justiça Eleitoral faz de conta que acredita – e por que não acreditaria, afinal, não é mermo?
Neste meio, neste mundo profundamente humano que é a política, todos nós sabemos como isso funciona...
E que não me venha aqui, agora, alguém a querer posar de “virgem dos lábios de mel”.
Todos os que estamos calejados de agir politicamente já vimos coisas que até Deus duvida. E todos – todos! – já fizemos, sim, coisas de que nos envergonhamos, em maior ou menor grau.
Porque isso é até da própria condição da ação política: fazer o que é preciso, em meio às condições que a realidade nos apresenta.
No Brasil – e esse é um fato – as esquerdas jamais teriam chegado ao poder sem a montagem de um esquema financeiro.
E, de igual forma, não há como manter o poder conquistado, sem a necessária fonte de financiamento.
Também não teriam conquistado o poder – e não conseguirão manter esse poder – sem um leque de alianças. Um leque, como já bem definiu alguém, a contemplar, necessariamente, a “massa atrasada”.
Foi assim com os tucanos, está sendo assim com o PT.
E, ao longo de ambas as construções – das alianças políticas e da sustentação financeira – temos tido de aprender a olhar menos ingenuamente aquilo que pensamos para a sociedade e para a própria arte da política.
Aos trancos e barrancos, vamos aprendendo a separar o ideal que cultivamos, das exigências, muito, muito concretas, do cotidiano.
É um aprendizado doloroso, pois, que, muitas vezes, nos levará a justificar meios complexos, para alcançar o fim que ansiamos.
Então, o que precisamos discutir, em verdade, são os limites em que nos movimentaremos.
A necessidade ética, frente ao concreto, à conjuntura.
E, mais que isso: não apenas a nossa própria necessidade ética, aquilo que nos faz sentir orgulho de nós mesmos.
Mas, a ética possível frente não apenas aquilo que está posto, às regras do jogo político. Mas, à necessidade de melhorar e já, efetivamente, as condições de vida dessa massa de escravos que queremos representar e que não pode ficar à espera da nossa capacidade de sujar as lindas e delicadas mãozinhas, quando necessário.
O que é preciso discutir, portanto, não é, simplesmente, “a minha satisfação comigo mesmo”. O epitáfio bacaninha que mandaremos escrever nas nossas sepulturas, as biografias que deixaremos aos nossos filhos e netos.
Mas, a capacidade de agir, dentro das condições que nos são dadas neste tempo, neste contexto, nesta conjuntura, em favor daqueles que acreditam e que precisam de nós, mesmo que o nosso epitáfio e a nossa biografia já não fiquem tão bacaninhas assim...
E esse será o assunto do próximo post, que vou dedicar a dois grandes portentos da esquerda brasileira: José Dirceu e Paulo Rocha.
quarta-feira, 29 de agosto de 2007
Mensaleiros2
Sobre os Mensaleiros 2
3 comentários:
Tá com pinta de que vai canonizar os "portentos da esquerda", já começará mal.
Em tempo: a esquerda e a direita acabaram.Se fundiram, na lama. Não lhe avisaram?
O TEXTO PARTE DE PREMISSAS HISTÓRICAS ABSOLUTAMENTE VERDADEIRAS E DESÁGUA EM UMA IMBECILIDADE QUE, INCLUSIVE, PODE DER USADA PARA SUBSIDIAR VIOLAÇÕES DE TODA SORTE, ATÉ MESMO O TERRORISMO.
SUGIRO QUE SE ESCREVA APENAS NA TERÇA OU QUARTA-FEIRA, POIS O ÁLCOOL AINDA LHE FAZIA EFEITO.
QUE TAL MUDAR-SE PARA O PAQUISTÃO OU VENEZUELA? NÃO ESQUECE DE CONVIDAR OS HOMENAGEADOS.
A defesa que você faz dos mensaleiros, alivia as críticas feitas a tantos em suas "matérias jornalísticas investigativas".
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