Sortimentos autobiográficos
Da rua, não restou nem a casa. De aparência esquisita, é verdade. Toda recoberta de azulejos coloridos, aos pedacinhos. E com um “retrato” de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, sabe-se lá porque...
O tempo levou o balancim. Depois, arrebatou as árvores. A pracinha escondida... Os becos penetrando nas ruas... O cheiro da chuva, na terra excitada...
De que doença morreu o Samba Lelê? E os carneirinhos que se ocultavam nos céus, entre os chapéus da Espanha? (E onde ficava a Espanha, afinal?)
As Senhoras, amparadas por anjos, em canoas que nunca viravam? O amor, de vidro inquebrantável, zilhões de vezes maior (e ainda maior) que qualquer anel?
A bola, leve e macia, a espalmar o horizonte? O muro do bosque interdito, aonde o inesperado (encantado) espreitava todos os medos?
O jogo da amarelinha? O bambolê? As gentes que iam e vinham, a menear a cabeça? A peteca colorida e inexplicavelmente bela? (Mas de que diabos é feita a peteca? De vidro? De sonho? De luz?)
E o Banco Imobiliário? (Fui, tantas vezes, dona da rua Augusta, de Interlagos. Tive mais jardins que a Babilônia. Mais latifúndios que a Igreja. Mais poder que o Império Romano. E, no entanto, perdi-me entre as selvas e os vendavais de mim...)
Os bichos. A formiguinha. A primeira verdade científica:
_Eu não te disse que sem as anteninhas ela não sai do lugar?
O amor que chega, assim, sem nem saber que é amor.
Primeiro, é o sangue que sangra sem ferida. As ancas que se alargam, os seios que apontam. Os pelos que se arrepiam à visão de.
Aí, é o cabelo que não presta, a pele que não presta, a roupa que não presta, o sapato que não presta.
Um beijo, um amasso. E uma quentura que sobe de entre as pernas e se assenhora do corpo...
Depois, são os homens. Diversos. E cada vez mais iguais...
Nos sinais. Nas nuances da voz. No olhar... Nas histórias que aprenderam de um tri-trisavô que caiu de uma árvore sem nem saber que caiu...
E vem o cansaço. Da mesmice, da fragilidade, do absurdo de uma prontidão e insegurança que só existem/inexistem em grupo.
_Homem é tudo manada!...
( Mas a música me leva de volta à pracinha escondida e aos volteios e ziguezagues dos becos entre as ruas. E eu me perco, novamente, no bosque interdito. E os galhos das árvores são abraços inesperados. O oculto, que leve e macio, me impele a espalmar o mundo! )
2 comentários:
Mandou muito bem, Ana.Bjs
Será,amiga,que está sofrendo a angúsitia de quem ama? ou é só impressão?bonito texto.
´de sua amiga secreta'
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