quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Roubo de dinheiro público atinge 80% dos municípios





A entrevista que vocês vão ler abaixo é de abril de 2006.



Não resisti, no entanto, à tentação de dividi-la com vocês, neste Dia de Combate à Corrupção e nestes tempos de bufunfa a rodo no cuecão é no meião.



Reparem como ela é ainda – e infelizmente – de uma atualidade impressionante.



Foi realizada por Bob Fernandes, do Magazine Terra.



O entrevistado é ninguém menos que o ministro-chefe da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage Sobrinho – que, à época, elogiava Lula e hoje vive às turras com ele, devido à fiscalização das obras do PAC.



Na entrevista, o ministro fala sobre a corrupção que grassa no Brasil e que atinge – pasme, infeliz leitor! – 80% dos nossos municípios.



Há relatos impressionantes acerca da “criatividade” de gestores públicos para burlar a Lei – como o caso de um prefeito que chegou a publicar um edital de licitação num único exemplar de jornal.



Leia. Vale a pena.





"A corrupção no Brasil é cultural, é sistêmica... de 5.500 municípios do País, 1.041 já foram investigados. Ou seja, cerca de 20% do total... o que posso dizer é que o percentual de casos em que encontramos corrupção está na faixa de 70%, 80%. Em alguns casos chega a 85%... foram investigados de forma direta cerca de R$ 6 bilhões das transferências federais aos municípios... O modus operandi é extremamente diversificado. A criatividade nacional, a imaginação brasileira, é insuperável... rouba-se muito no Brasil, do Oiapoque ao Chuí."



O fraseado acima é de um homem que percorre municípios do Brasil em busca de desvios de recursos públicos. Há mais de mil dias ele está no comando de uma equipe de auditores que, aleatoriamente, investiga hábitos e costumes da política brasileira.



Jorge Hage Sobrinho é ministro interino da Controladoria Geral da União, onde chegou a convite de Waldir Pires, hoje ministro da Defesa. Implantaram ambos, ainda no início do governo, um programa de investigação nos municípios. Há outros programas e medidas na CGU, mas poucas ações poderiam ser mais precisas para se alcançar porções tão esparsas e significativas do Brasil profundo.



A cada mês, depois de sorteados pela caixa econômica, municípios são visitados pelos auditores da Controladoria. Vinte por cento dos municípios do Brasil já tiveram suas contas examinadas. Os números, além de aterradores, explicitam ainda mais a dimensão da hipocrisia de tantos que - em especial no palco das CPIs, assembléias legislativas e câmaras municipais afora - exibem ares de espanto ante a corrupção. Espanto, ao menos, a cada vez que são ligados microfones e câmeras de televisão.



Mas se o flagrante da roubalheira é aterrador, há também boas notícias. Ainda que nada se ouça a respeito em meio a algaravia dos gritos de pega-ladrão, agora basta um computador para se acessar o destino de dois trilhões de reais do dinheiro público, informa o ministro.



Do Oiapoque ao Chuí, ao se digitar http://www.portaldatransparencia.gov.br/ se poderá saber quem, nome a nome, lugarejo a lugarejo, recebe o Bolsa Família, por exemplo. Ou que agências de publicidade ganharam contas, e quanto em cada conta. Quais funcionários públicos estão a viajar, para onde e com que verbas. Igualmente, segundo o ministro, o mesmo pode ser feito em relação ao destino do dinheiro em dezenas de outros programas e instituições do governo federal.



Essa é uma boa notícia, e os internautas-cidadãos do Terra Magazine seguramente irão checar sua eficiência no endereço acima mencionado.





Passados quase quatro anos, quais os resultados, do ponto de vista prático, o senhor pode apresentar, enquanto há quase um ano o que mais se discute no País, ou pelo menos no Congresso e em Brasília, é corrupção?

O resultado principal é exatamente o que é inédito no País, que se está combatendo e enfrentando a corrupção. Coisa que nunca houve.




Mas o que o senhor diz soa estranho diante da percepção geral.

Claro, temos 500 anos de cultura de corrupção e de impunidade no Brasil. Isso começou com a chegada dos descobridores, não é novidade para ninguém. Tudo que está sendo revelado agora sempre existiu nesse País, as grandes novidades são duas: primeiro, está havendo combate efetivo da corrupção; segundo, está havendo divulgação na mídia. Coisa que nunca houve.




Que divulgação? Aonde? Como? De que forma o cidadão pode saber?

Criamos o Portal da Transparência. Qualquer cidadão pode acessar de um computador no endereço www.portaldatransparencia.gov.br, sem precisar de senha e nem de cadastramento. Qualquer pessoa, de qualquer computador tem, hoje, acesso a todas as contas públicas do governo federal.




O que significa isso do ponto de vista prático?

Dois trilhões que são exibidos em qualquer computador: onde estão sendo gastos, para quê, para quem vai o dinheiro. Se se trata de pagamento de uma Bolsa Família no seu município, você tem o nome das pessoas e pode verificar. Eu, daqui não posso saber se há alguma irregularidade em algum dos 5.500 municípios do Brasil o tempo inteiro. Quem recebe, nome por nome, tudo. Mas não é só isso. No Portal estão também os grandes fornecedores, as grandes empresas de publicidade, quanto elas recebem e de que órgão recebem.




O que mais?

Os nomes de cada servidor que viaja, a passagem que recebeu, a diária, a finalidade da viagem...são coisas que jamais foram divulgadas nesse País. Pela primeira vez na história um órgão, a Controladoria Geral da União, é autorizado por decreto do presidente a abrir as contas do governo. Transparência é isso. O que falta é os estados e municípios fazerem a mesma coisa.




Como está a situação neles?

Sabemos de estados onde sequer os parlamentares têm acesso às contas do governo. Aqui, no governo federal, não só os parlamentares que já tinham pelo Siaf, mas qualquer cidadão acessa pelo Portal da Transparência da CGU. Além disso, por decreto do presidente estamos impondo a cada ministério e a cada órgão a publicação no seu site de uma página de detalhamento, contrato por contrato. Por quem foi assinado, licitação por licitação. Quem concorreu à licitação...




Esse programa já está funcionando em algum ministério?

As páginas individuais da Transparência estão em dois ministérios inicialmente: na Justiça e na própria Controladoria.




Quem clicar vai achar o quê?

Quem clicar no site da CGU tem lá um quadrinho que chama para a página da Transparência. E tem o outro que é do Portal da Transparência, do próprio governo federal. Mas esses são apenas alguns dos instrumentos de prevenção da corrupção que nós criamos. Há várias outras frentes. No campo do aparato normativo necessário para um combate efetivo à corrupção foi encaminhado ao Congresso, pelo presidente Lula, um projeto de lei tipificando como crime o enriquecimento ilícito dos agentes públicos. Basta provar o enriquecimento ilícito, mesmo que sem rastros. Vamos pegá-los pelo resultado. Se você é um agente público, ocupa um cargo de diretor ou um cargo de executivo e tiver sinais exteriores de riqueza, se aparece a cada seis meses com um BMW 0 km e o seu vencimento é de 6, 7 ou 8 mil reais, algo está errado. Instalamos a investigação e você terá de provar a origem desse dinheiro.




Não soa estranho o senhor falar de combate à corrupção em meio a esta barafunda toda, com 10 meses de investigações no Congresso? Cadê a prevenção?

Nunca houve prevenção. São 500 anos sem nenhum aparato preventivo. A prevenção está começando nesse governo. Estamos trabalhando ao mesmo tempo em duas frentes, é como estar consertando o avião em vôo. Com a investigação do que já aconteceu, porque nunca houve prevenção, transparência, normas, legislação sobre conflitos de interesses, como nós estamos produzindo agora, sobre ampliação do acesso da população às informações, que é o que inibe a corrupção.




A Controladoria tem aquele programa onde a Caixa Econômica sorteia municípios e auditores são enviados para vasculhar as contas nas prefeituras. Quais são os resultados?

De 5.500 municípios, 1.041 já foram investigados. Ou seja, cerca de 20% do total. Foram investigados de forma direta cerca de R$ 6 bilhões das transferências federais aos municípios. Em todos os programas, da Merenda Escolar até o Bolsa Família, da abertura de postos até a construção de postos de saúde, tudo. Agora, o importante não é apenas que nós atingimos a verificação de R$ 6 bilhões, é o caráter exemplar, o efeito inibitório.




Como isso é feito por sorteio...

...os demais agentes públicos municipais não sabem se no mês seguinte o sorteio não vai pegá-los, então eles já se preparam.




Para ser claro: vocês acompanharam mais de mil cidades. Em quantos casos houve flagrante de mau uso do dinheiro publico?

Vamos distinguir duas coisas. Há investigações em municípios e estados e no próprio governo federal. Em municípios, que é o maior volume quantitativo, foram 1.041 municípios. Eu diria a você que em dois terços dos casos há irregularidades graves.




De 20% dos municípios do País há irregularidades em dois terços ?

Em algumas das edições desse nosso sorteio esse percentual é mais alto, chegou a 85%.




Ou seja, é corrupção endêmica?

É muito grave...




Um tema que é importante ser esmiuçado: quanto se rouba no Brasil? E como se rouba o dinheiro público?

O modus operandi é extremamente diversificado. A criatividade nacional, a imaginação brasileira, é insuperável... A cada dia a gente sempre vai descobrindo as novas formas criadas.




Eu queria quantificar. Há de fato uma cultura de corrupção que passa por cada município, cada estado? Não são fatos isolados?

Eu não diria em cada município. Há muitos municípios que são administrados por prefeitos honestos. Você diz em cada esfera de governo? Sem dúvida.




É fácil atribuir ao Congresso, às Assembléias Legislativas, às Câmaras de vereadores a responsabilidade pela corrupção, mas isso já seria algo entranhado na cultura, espalhado pela população?

Sem dúvida, e a forma de operar é realmente interessante. Já descobrimos a genialidade brasileira. Chega ao ponto de num município do estado do Paraná, um determinado prefeito...




O nome?

Sabaldia, o município. O prefeito chegou à proeza de conseguir publicar, um edital de licitação em um único exemplar de jornal. Não é em uma edição, é em um exemplar.




Que ele deve ter guardado em casa?

Não, esse exemplar foi para o processo, para aparentar que houve licitação. E os outros, digamos 9.999 exemplares, circularam com artigo do Bob Fernandes, por exemplo. A nossa equipe descobriu isso porque não fiscalizamos só o processo, vamos ao campo, vamos às firmas que supostamente participaram para entrevistar os sócios e diretores. Esse é um exemplo. Outro, na região nordeste, na Paraíba. A prefeitura de João Pessoa estava, até hoje, utilizando uma licitação de 1990.




Com aditivos...

Aditivos, aditivos. Quinze anos sem precisar licitar! Eles entendiam que ainda estava valendo aquela, o prazo de validade seria indefinido. As mesmas empresas repassavam por cessão de contrato umas às outras, eternamente. Para fazer as obras todas. Descobrimos aí, num total de R$ 50 milhões, R$ 13 milhões em irregularidades e desvios. Apuramos em parceria com o Ministério Público e a Polícia Federal, como todos os nossos trabalhos. Outro exemplo foi com a merenda escolar, em Alagoas...




A merenda escolar é um problema no País inteiro ou é só...

No País inteiro.




Quer dizer, roubam na merenda das crianças?

Roubam as merendas das crianças. Descobriu-se o seguinte: uma empresa sediada em São Paulo, através de sua representação no estado, articulava com as prefeituras um kit corrupção. Eles orientavam o prefeito desde a forma como fazer o edital direcionado para que só aquela empresa vencesse, a forma de atestar o recebimento dos gêneros alimentícios, atestando que foi recebida quantidade maior, às vezes o dobro do que efetivamente foi entregue. Para depois dividirem o lucro entre o empresário e o prefeito.




São incontáveis as modalidades de roubo?

Muito variadas, e algumas áreas merecem destaque. As áreas dos contratos de publicidade, as áreas dos contratos de consultoria, além das tradicionais empreiteiras. As empreiteiras sempre foram um foco principal... Bem, por isso tudo aí muita falcatrua estava passando. Desde quando? Desde a década de 90, pelo menos. Não é de agora.




Mas como vocês não conseguiram detectar coisas que estão aparecendo agora nas CPIs?

Em nenhum lugar do mundo, nenhum órgão de combate à corrupção consegue isso. Do mesmo modo que nenhum órgão de combate ao crime consegue detectar antecipadamente. Aonde tem a melhor polícia do mundo? Não tem crime lá, não? Aonde tem o estágio mais desenvolvido de agentes contra corrupção? Não ocorre corrupção? É claro que sim. Você nunca vai poder ter um auditor junto de cada gestor público.




Por que essa percepção de que estaríamos vivendo um período de corrupção avassaladora?

O que aumentou foi o combate e a visibilidade da corrupção. Por isso aumenta a percepção da corrupção. E todo mundo sabe que o que está sendo descoberto agora vem de longe. Sempre esteve aí, só que encoberto. A lama estava encoberta, o que estamos fazendo é trazê-la para a superfície. A população respondeu isso numa pesquisa do Ibope. Foi perguntado a ela se estava aumentando a corrupção ou aumentando o combate à corrupção. Resposta: está aumentando o combate e por isso se vê mais corrupção.




Mas o senhor concordaria com a afirmação, depois de toda essa experiência aqui e depois desse relato, que rouba-se muito dinheiro público no Brasil, do Oiapoque ao Chuí?

Sem a menor dúvida. E quando se rouba do Iapoque ao Chuí nas esferas mais próximas do cidadão, na administração local, na administração municipal e estadual, aí é que a coisa é mais doída. Porque atinge de forma mais direta o cidadão. O roubo do dinheiro da saúde, do posto médico, a falta do remédio, a falta da merenda escolar atinge mais diretamente o cidadão.




O senhor já tem quatro anos nesse trabalho, então vou repetir a pergunta: a corrupção no Brasil é sistêmica?

A corrupção no Brasil é cultural, é sistêmica. Com graus variados, mais leves talvez, de quem pede ao dentista um preço sem recibo para não pagar o imposto de renda porque sai mais barato. São atos que eu diria de leviandade, como ao querer escapar da multa de trânsito. Isso é tipificado na legislação como crime, mas eu jamais imaginaria que deva ser processado por corrupção ativa o cidadão que aceitou pagar menos ao seu dentista para ser sem recibo. Você o processaria por corrupção ativa? Eu entendo que não. Primeiro você tem que atacar a grande corrupção, dos que tem a responsabilidade principal, os administradores públicos, a classe política, os membros do judiciário. Importante não é apenas diagnosticar que ela é sistêmica, é começar a agir contra ela, criar as condições para prevenir e combater.




...e essas condições...

...é esse caráter inédito que caracteriza o nosso trabalho. O trabalho da Controladoria é reconhecido pela ONU, o escritório das Nações Unidas contra drogas e crimes já escolheu a CGU como centro de referência para a América Latina no combate à corrupção.




É possível quantificar uma taxa média brasileira de corrupção?

Se você se refere à taxa média de propina, não... o que posso dizer é aquela taxa de percentual de casos em que encontramos corrupção, que é nessa faixa de 70%, 80%, no caso das administrações municipais. Isso no sentido amplo, atos de improbidade. Em apenas 20%, 30% há apenas despreparo, falta de condições técnicas.





(Fonte:Terra Magazine)
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI961203-EI6578,00.html


2 comentários:

André Costa Nunes disse...

Minha senhora,

A senhora é ótima. Tem faro de jornalista de antigamente (como se antigamente não houvesse um David Nasser). Pena que somente há pouco tempo adquiri o hábito de acessar seu blog. Foi amor ao primeiro "bit".

Quanto a essa entrevista estou louco para conhecer quais são os tais 20% dos minicípios sem corrupção que eu quero me mudar para lá de armas e bagagem. Eu, e minha lanterna de Diógenes. ~
Veja bem, 20% são mais de 1.100 municípios corrupção zero. Utopia, Pasárgada.

Como poetei em meu blog tipoassim...folhetim:

O melhor negócio no Pará e ser prefeito de um município rico;

o segundo melhor negócio no Pará é ser prefeito de um município pobre;

o terceiro melhor negócio no Pará é ser prefeito de um município miserável.

Ademais, senhora Perereca, esse instrumento de transparência, qu é ótimo, no primeiro momento, só serve para aumentar a angústia, pela impotência de mudar, mas reconheço que é um começo.

Obrigado por seu blog existir,

andre costa nunes

Anônimo disse...

Assino embaixo a manifestação do André, diga-nos onde estão os 29 municípios (arredondando prá cima) sem corrupção no Pará, que eu me mudo prá lá! hehehe

Ou estes 20% estão em outros Estados, e nós penamos com 100% das maracutaiais? Égua!

Anônimo_que_sabe_das_coisas