segunda-feira, 15 de junho de 2009

bicho(1)




Processos na Justiça do Trabalho
contêm radiografia do jogo do bicho (1)








É incrível, mas, verdadeiro: um dos maiores mananciais de provas e indícios contra o jogo do bicho parece, ainda, desprezado pela polícia.




Trata-se da Justiça do Trabalho, na qual centenas de processos, ajuizados por ex-trabalhadores das bancas de bicho, fazem uma verdadeira radiografia dessa contravenção penal, inclusive com os nomes dos supostos chefões e os endereços das “fortalezas” de contagem do dinheiro.




Só no Pará, entre 1999 e este ano, foram ajuizadas 198 ações trabalhistas contra o Parazão, a “Central de Resultados” que reúne as bancas de jogo do bicho de Belém.




Contra a JB Loterias, cujo CNPJ (83.579.300/0001-02) em pelo menos um processo coincide com o do “Parazão”, foram 236 ações, entre 1990 e 2007.




Nesse período, também foram registrados dois processos contra bancas menores. Total: 436.




Nas ações, ex-operadores da jogatina – os “cambistas” – reclamam o pagamento de direitos e escancaram as condições de trabalho a que são submetidos.




Mas, tais ações não se limitam ao Pará: vários recursos em processos semelhantes chegaram, ao longo dos anos, ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), que acabou, inclusive, fixando uma decisão única para tais casos – a impossibilidade de reconhecer laços trabalhistas em atividades ilícitas.




No entanto, a fixação de jurisprudência pelo TST e o fato de tantas ações terem chegado a maior Corte Trabalhista do País levam a crer na existência de milhares de processos semelhantes, em vários estados da Federação.




Em todos, há profusão de provas e indícios contra o jogo do bicho: testemunhos, em juízo, de ex-operadores, endereços das bancas, nomes dos chefes, gerentes e prepostos.




Há até mesmo, por incrível que pareça, o reconhecimento da ilicitude dessa atividade, pelas próprias bancas de jogatina, que argumentam justamente esse fato, nos recursos judiciais, para evitar o pagamento de direitos trabalhistas aos ex-empregados.




Pior: os processos traçam um quadro horripilante das condições de trabalho dos cambistas, explorados até o tutano pelos bicheiros, mesmo quando se trata de mulheres grávidas.






Situação surreal






Por absoluta falta de recursos financeiros, a pesquisa da Perereca, nos arquivos do Tribunal Regional do Trabalho da 8 Região, limitou-se à internet e com apenas três entradas de pesquisa: “Parazão” (sem acento), JB Loterias e “jogo do bicho”.




Por isso, não se descarta a possibilidade de outros processos envolvendo o jogo do bicho, no Pará e Amapá – os estados abrangidos pela 8 Região da Justiça do Trabalho.




E o que salta aos olhos é o surrealismo da própria existência desses processos – e o reconhecimento da ilicitude, como argumento, pelos bicheiros.




Até porque o jogo do bicho – embora “tolerado” pela sociedade, como alegam os donos de bancas em recursos ao TST – não é uma contravenção qualquer: policiais e promotores apontam o envolvimento da jogatina com crimes pesados, como a lavagem de dinheiro e o tráfico de drogas.




Para alguns, aliás, o jogo do bicho, apesar de disseminado em todas as ruas das grandes cidades, seria, hoje, o exemplo mais significativo do crime organizado no País.




Por tudo isso, fica, também, uma dúvida atroz: será que os juízes e promotores da Justiça do Trabalho estão remetendo tais processos, como deveriam, ao grupo de combate ao crime organizado do Ministério Público?







Uma relação brutal






Na Justiça do Trabalho, há processos em que a atividade dos cambistas e "arrecadadores" é narrada em detalhes.




E deles, por vezes, emerge um quadro assustador, não apenas quanto à dimensão da jogatina, mas da brutalidade das relações entre bicheiros e cambistas, esses últimos oriundos, em geral, das camadas mais pobres da população.




Veja-se o processo 0300-2007-005-08-00-1, da 5 Vara do Trabalho de Belém.




Nele, o ex-cambista João Flávio Tavares Pereira requereu o pagamento de direitos trabalhistas do Parazão e de uma certa Maria Tereza da Cruz Uchoa, por mais de uma década de trabalho - de 15 de abril de 1999 a 05 de fevereiro de 2007.




E o próprio advogado Alípio Rodrigues Serra, do Parazão e de Maria Tereza, confirmou a exploração do jogo do bicho “em centenas de bancas espalhadas por toda a cidade de Belém”, como consta no relatório da juíza Maria Zuila Lima Dutra.




O advogado, ainda segundo o documento, estimou em cerca de duzentas, as bancas exploradas pelo Parazão e Maria Tereza, na capital.




Admitiu que, pelo fato de explorarem o jogo do bicho, nem o Parazão, nem Maria Tereza pagam quaisquer direitos a esse exército de cambistas – nem mesmo lhes concedem férias.




No caso de João Flávio, é verdade que, conforme afirmou, seu salário era de R$ 1.600 por mês – maior, portanto, que de um médico da rede pública.




Em compensação, além de não ter tido sequer um período de férias ao longo de 11 anos, trabalhava nove horas por dia, de segunda a sábado.




Além disso, foi jogado na rua, de uma hora para outra, segundo ele, sem motivo justificado e sem receber um tostão.




Indignada, a juíza, que deu provimento parcial à reclamação de João Flávio, escreveu:




“Pelo depoimento acima (do advogado do Parazão e de Maria Tereza) resta evidente que as reclamadas possuem uma renda mensal próxima de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais), sem recolher qualquer imposto ao erário público e ainda têm a coragem de vir a Juízo confessar sua ilegalidade, como forma de ficarem livres do pagamento dos direitos trabalhistas do reclamante. Acolher tal tese seria compactuar com o enriquecimento ilícito das infratoras, que seriam duplamente beneficiadas com a exploração ilegal de jogos. Quem pratica a ilegalidade são as exploradoras da atividade, no caso, as reclamadas, não o trabalhador, que é mais uma vítimas dessas exploradoras que tentam burlar a lei de todas as formas, sem contribuir para o bem comum como faz todo cidadão e toda empresa legalmente constituída”.






Exploração até de grávidas






Em outro processo (00589-2008-015-08-00-7), ajuizado por Suelly Gomes da Silva, é o próprio representante do Parazão, um certo Rubem Guimarães Rodrigues, a falar abertamente sobre o jogo do bicho.




É que Suelly alegou que trabalhava no Parazão como digitadora e “auxiliar de conferência”, mas que sua atividade era interna e que não abrangia o jogo do bicho - apenas a conferência de números lotéricos.




Mas Rubens, um auxiliar de escritório, preposto processual do Parazão, esclareceu: Suelly era, na verdade, auxiliar de conferente de jogo do bicho.




Também nesse processo, emerge a exploração desenfreada dessas pessoas pobres.




Segundo depoimento à Justiça do Trabalho, Suelly ganhava R$ 837,00 por mês.




Trabalhou para o Parazão de outubro de 2005 a março de 2008, de segunda a sábado, das 14 horas a uma da manhã. Não teve férias e as faltas eram descontadas, segundo disse, em triplicado.




Nem durante a gravidez tais condições foram suavizadas: ao longo da gestação o Parazão lhe descontou 30 faltas.




Além disso, quando saiu de licença, para dar à luz um filho prematuro, o Parazão lhe reduziu o salário à metade, conforme consta na ação.




No processo, também aparecem vários nomes ligados ao Parazão: um certo Sidnei, que era o chefe de Suelly, e o “sócio” Waldir, que a contratou.




Além do auxiliar de escritório Rubem Guimarães Rodrigues, também figura como preposto da “empresa” um certo Leôncio Francisco Monteiro Leopoldino.




Leôncio, aliás, requereu, em audiência realizada em 08 de maio do ano passado, a retificação do nome da parte reclamada, de Parazão para Parazão/José Manoel Lhamas Santos.






Os nomes do jogo






Outro processo (00762-2006-008-00-7), ajuizado por Maria do Socorro Sales de Oliveira, chega a mencionar até os nomes dos proprietários do Parazão – Central Paraense de Resultados.




Na audiência de 10 de julho de 2006, o representante do Parazão, novamente o auxiliar de escritório Rubem Guimarães Rodrigues, assistido pelo advogado Alípio Rodrigues Serra, dá nome aos bois – ou melhor, aos bichos.




Lá pelas tantas, Rubem diz que a carteira de trabalho de Maria do Socorro não foi assinada porque “a atividade da reclamada (o Parazão) trata de jogo do bicho”, conforme consta no Termo da Audiência, que pode, aliás, ser acessado via internet.




E diz mais Rubem: segundo ele, os proprietários do Parazão são José Manoel Gama Santos, João Monteiro Vidal, Miguel Pinho, José Alencar, Antonio Cláudio, Maria de Fátima Baía, Maria Teresa Uchôa, Valdir Fiock, José Amadeu Nunes, Wanderlei Teixeira e Tami Fagundes.




Por isso, o juiz substituto do Trabalho, Cleber Martins Sales, mandou encaminhar ofício ao Ministério Público Estadual, para as providências cabíveis.




No processo, também figura como reclamado um certo Glauber Pampolha da Costa.





9 comentários:

Anônimo disse...

ETA GOVERNO CORRUPTO

BLOG ESPAÇO ABERTO

Secult firma contrato de consultoria de quase R$ 1 milhão
A Secretaria de Estado de Cultura firmou contrato no valor de quase R$ 1 milhão – precisamente R$ 979.335,54 – com a DPJ Arquitetos Associados S/S Ltda. (veja a imagem acima, que mostra a publicação no Diário Oficial de quarta-feira passada).
A empresa ficará encarregada de prestar, no período de 1º deste mês a 19 de agosto, serviços de consultoria técnica, com elaboração de projeto executivo de arquitetura e complementares para a obra do Centro de Convenções de Santarém.
A modalidade de licitação foi o pregão presencial SRP nº42/2008-UFPA.
Isso significa que a Secult pegou carona em registro de preços feito no ano passado pela Universidade Federal do Pará.
O blog consultou alguns entendidos em licitação.
Há divergências.
Alguns acham que o procedimento é questionável legalmente.
Outros entendem que o procedimento normal.
A legalidade estaria amparada pelo Decreto 3.931, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços.
O artigo 8º do decreto diz claramente:

“A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem.”

Há uma recomendação da Advocacia-Geral da União (AGU), no sentido de que deve ser evitada a adesão de órgãos da União a atas de registro de preços de municípios e Estados.
Mas é possível o contrário, ou seja, que o Estado adira à ata de registro de preços de um órgão federal, como é o caso da Secult aderindo à da UFPA.
De qualquer modo – e para dirimir as divergências -, isso é caso para a Aditoria Geral do Estado dar uma olhada.
Ou não?

Anônimo disse...

Toda essa gente que trabalha no jogo do bicho ganha entre 800 e 1600 reais é? Eu também quero!

Ana Célia Pinheiro disse...

Ao anônimo da 1:32:


É, anõnimo, pelo que consta nos processos trabalhistas - e as informações, em geral, são confirmadas por ambas as partes - os salários dos cambistas e arrecadadores nem são tão ruins.


O problema é que eles não têm quaisquer direitos. Não têm férias, aviso prévio, 13, FGTS, INSS, auxílio transporte, alimentação - nada.


Mais ou menos como acontece com muitos camelôs, explorados por comerciantes inescrupulosos e por braços do crime organizado.


Além disso, têm de trabalhar muito além de 8 horas por dia, de segunda a sábado, debaixo de sol e de chuva e não podem faltar, em hipótese alguma (as punições são rigorosas; vão do desconto em triplicado, à suspensão e "demissão").


Há relatos, inclusive, de quem trabalha na conferência ou digitação dos resultados dos jogos, de que dispõem, apenas, de 10 minutos para o almoço.



É claro que o "salário", pago por grupo de dez dias trabalhados, seduz a população mais pobre.



Mas o problema é que os bicheiros -e nem é de se estranhar, eis que vivem da contravenção - revogaram, por conta própria, toda a legislação trabalhista; as conquistas dos trabalhadores ao longo de todos esses anos.



Há casos chocantes, como o dessa mulher que engravidou e teve o "salário" reduzido à metade, quando se afastou para dar à luz - o que leva a crer que, se alguém se acidentar no "trabalho", ficará à mingua.



De qualquer forma, falei sobre as condições de trabalho, a exploração dessas pessoas, porque achei que seria bom desmistificar a lendária "bondade" dos bicheiros - um dos argumentos que alguns levantam, cada vez que se reprime o bicho, é o de que a atividade gera "empregos" à população mais pobre.



Na verdade, como se vê, tais "empregos" não passam de exploração despudorada; do aproveitamento da pobreza dessas pessoas.


Roubadas, aliás, duas vezes: nos direitos trabalhistas que lhes são negados e nos impostos sonegados pelos bicheiros.


Por fim, lamento estar sem dinheiro e sem tempo, para trabalhar melhor esse material, que poderia ser enriquecido com entrevistas com os cambistas.


É o tipo de reportagem que deveria ser feito por um grande jornal do país, com equipes de vários estados, inclusive levantando a totalidade de processos desse tipo,em todo o Brasil, e recontando a história do jogo do bicho.


Daria, certamente, um "Esso" de reportagem...



Obrigada pela atenção.
Volte Sempre.


Ana Célia Pinheiro

Anônimo disse...

Você fala sem nenhum conhecimento de causa. Parece desconhecer que a legislação brasileira, paternalista como é, não está sujeita a abusos e brechas indecentes. Afirmo à senhora que ninguém é explorado pela "máquina perversa" do jogo do bicho muito mais do que em qualquer empresa privada inserida na concorrência e dificuldades atuais.

Franssinete Florenzano disse...

Parabéns, Ana Célia. Pelo tino jornalístico, pela pauta consistente e interessantíssima!

Anônimo disse...

cara eu conheço algumas pessoas q trabalham no jogo do bicho e pelo q vejo elas conseguem ter uma ótima situação de vida!! então pq brigar com qem da trabalho pras pessoas.

Anônimo disse...

gente é só o governo legalizar as condições do jogo do bicho, assim todos os tabalhadores terão seus direitos de direitos!!

Anônimo disse...

gente eu conheço um camarada q trabalhou no jogo do bicho e foi demitido por que deu o maior desfalque na empresa, e ainda jogou a empresa na justiça. pode uma coisa dessas!! essa pessoa era meu cunhado e trabalhava de motoqueiro ele roubou o q podia e ainda quis sair como vitíma.

Anônimo disse...

Realmente Ana Célia você não esta apar de como realmente funciona o jogo do bicho, talvez por apenas pegar comentários de pessoas que queirão prejudicar a legalidade do trabalho.

se realmente fizerem as pesquisas com funcionários que trabalhão ou trabalharam no jogo do bicho, certamente irão lhe passar a verdadeira condição que trabalham, claro q com excessão daqueles que usaram de ma fé e mexeram no que não lhes perteciam.

o fato é que existem milhões de trabalhadores e ja pensaram o que poderia acontecer se derrepente ficasem na rua da amargura, seria um CÁOS imenso. vamos torcer para que o governo olhe com bastante carinho pra essas pessoas que precisam continuar com seus empregos e podendo assim sustentar suas familias!!