quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Millôr




Das Matemáticas






Hoje, a vagar pela internet, dei com um poema, no blog da Franssinete, que, há tempos, não via.



Lembrei-me da adolescência, do primeiro livro de português.


E pus-me a sonhar, na velocidade da luz, entre o que ensinam as matemáticas e aquilo que a vida intui.


Lembrei-me do certo, condizente com toda a formalidade.


Lembrei-me das paralelas - que jamais se tocarão, por maior que seja o infinito.


Vi-me reduzida a uma Hipotenusa, à espera de qualquer cateto...


E descobri-me mulher, maior, bem maior, que qualquer Racionalidade. Ou Irracionalidade...


Adoro esse poema. Publico. Com vocês, Millôr Fernandes:





Poesia Matemática



Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.

(Millôr Fernandes)




E Se


E se eu me fosse de ti
E de tudo o que nos fez um só?
A esquecer que estás em mim
Como segunda alma, segundo corpo...
Braços, pernas, sangue, músculos, pele, desejo, suor...
Se fosse, apenas fosse, a caminhar por entre as gentes...
A perder-me em outro mundo, em outro céu, em outro amar...
E se te encontrasse no mar e me bastasse o além?
E me ficasses em espécie de delírio, nas palavras que se perderam de nós?...
E se não fosses – nunca mais!... - esta dor em meu peito?...
Se te arrancasse de mim como quem muda o perfume, a roupa, a cor dos cabelos...
Se não fosses o verbo, o verso, o poema, a música, a voz, a canção...
E se houvesse vida distante de ti, ainda que em sonhos?
Entre as nuvens que me permitem voar sem a outra asa
E pulsar... Sem a metade deste teu coração!...
Se não respirasse o teu desejo e tu, o meu desejo...
Quando os teus olhos repousam em meus olhos
E as tuas mãos se aninham... Nas palmas das minhas mãos...


Lisboa, 26 de março de 1996

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi, Ana Célia. Muito obrigada pela visita e pela citação. Volte sempre! Abraços.