domingo, 4 de fevereiro de 2007

Fragmentos biográficos V

A Menina e as Estrelas



A menina contava estrelas. E de tanto contar estrelas, passou a vê-las em todo canto. Resplandeciam nos grãozinhos de areia e nas superfícies das pedras. Nas folhas, nos galhos, nas raízes das árvores. No peito que se abria a cada manhã. Vivas, luzidias. Mas tão inalcançáveis como as que brilhavam nos céus.

“Estrelas não foram feitas para tocar” – sangrou. E pensou como não tocar o que se deseja, porque se ama. Ou que se ama porque se deseja, mesmo que em simples lampejo. A luz que rodeia e que nunca é a mesma. O ar que as narinas procuram sofregamente. O perfume. O instinto.

Ergueu as mãos ao encontro dos céus. E como que tocou os corpos que ardiam no negrume. Decompostos em cor. Ensimesmados. Gigantescos de solidão. Os corpos que jamais se encontram, porque não são exatamente corpos. Mas o anseio de um corpo.

Num rodopio, reencontrou-se no ventre da terra. Sentiu o azedume do bacuri que a árvore embalara tão docemente. O cheiro que se levantava do cupuaçuzeiro. O gosto do caju amarelinho que assobiava aos passarinhos. A chuva que afundava na terra, para ressurgir na primeira flor.

E a menina pensou que, talvez, não valesse à pena sonhar estrelas. Afinal, estariam bem ali em seus olhos. Mas embriagadas nas luzes de outras estrelas. E na combustão que as moveria à exaustão.

Ao alcance das mãos havia o jabutizinho que surgia de entre as pedras. A goiaba vermelha e sumarenta. O inebriante sapoti. Cacaueiros, ingazeiros, biribás. E todas as cores, e cheiros e sabores que a vida paria a cada momento. Infinitamente.

“Mas eles não ardem nem hipnotizam como as estrelas”, protestou, de si para si. Mas, que importava? As estrelas ficariam nos céus, como os enfeites que, tantas vezes, ajudara a pendurar na árvore de Natal. E cujo encanto era o encanto de não passarem de um encantamento. Que a gente olha, sonha e, um belo dia, embrulha. Para admirar, quem sabe, em outro Natal.

Belém, 04/02/2007.

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