sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

Festa VI

Festa no Meu Apê VI



(Abrem-se as cortinas. No meio do salão estão o Barão, o Jujuba, o lorde Balloon e o Barão dos Cadeados vestidos de pais de santo, junto com umas seis mães de santo. Há tambores e outros instrumentos de percussão. Eles cantam e dançam a “Festa de Umbanda”, de Martinho da Vila: “O sino da Igrejinha/Faz belém blem blam/Deu meia-noite/O galo já cantou/Seu tranca rua/Que é dono da gira/Oi corre gira/Que ogum mandou/Tem pena dele/Benedito tenha dó/Ele é filho de Zambi/Ô São Benedito tenha dó/
Tem pena dele Nana/Tenha dó/Ele é filho de Zambi/
Ô Zambi tenha dó/Foi numa tarde serena/Lá nas matas da Jurema/Que eu vi o caboclo bradar/Quiô/Quiô, quiô, quiô, qiera/Sua mata está em festa/Saravá seu mata virgem/Que ele é rei da floresta/Quiô/Quiô, quiô, quiô, quiera/Sua mata está em festa/Saravá seu cachoeira/Que ele é rei da floresta/Vestimenta de caboclo/É samambaia/É samambaia, é samambaia
Saia caboclo/Não me atrapalha/Saia do meio
Da samambaia”)


_Só me faltava essa!Agora, já tem até macumba no meu apê!
_Ô comadre, num si avexe! Vamo mais é costurá a boca do sapo, pra modo de amarrá os inimigos!
_Eu chamo é a Sociedade Protetora dos Animais, pra ti, animal! Mas desde quando eu vou já virar macumbeira?
_Mas tem reza forte, comadre! Dá certo ‘mermo’! Tem uma simpatia pra mantê marido que se, você assoubesse, não tinha aperdido o seu...
_(...)
_A gente apega um bocado de leite de mulhé parida e alava as partes com ele – sabe aquele banho tcheco básico? Aí, acoloca na geladeira, pra modo do corno abebê.
_Mas, não é melhor misturar um pouco de café, “pra modo” de disfarçar o gosto?
_Égua! Como é que eu não pensei nisso antes?... Ah, e tem também aquela pra Santo Antonio, que você adevia fazê, comadre, pra modo de arranjá outro otário! Acompre uma imagem do santo e arranque o minino do braço dele. Aí, abandone o bichinho numa igreja e arreze uma novela pro santo. Mas apoquente o santo, comadre, apoquente! E só adevolva o minino quando arranjá marido!
_(...)
_E tem uma mais fácil, comadre. Você apega o leite de mulhé parida...
_Serve o outro?
_Não, comadre, não amisture macumba que apode dá errado. Apegue o leite de mulhé parida, acoloque num copo e aí amergulhe o santo de cabeça pra baixo. Afogue o santo, comadre, mas afogue! E diga pra ele: só te atiro daí quando eu conquistá o meu amô”. Quero é vê se o santo num ajuuuuda!..
_Querida correspondente você me chamou?
_Ah é, seu Barão, eu já tinha até asquecido! É que eu queria que o sinhô ensinasse a comadre a fazê água sanitária!
_A senhora está interessada em abrir o próprio negócio, dona Perereca?
_Eu?...
_Num ascute ela não, seu Barão. Que a comadre aprecisa é de um guia espiritual! Num ata nem desata deste Ap velho! E olhe só pra ela, seu Barão, toda descabelada!
_É verdade, dona Perereca! A senhora anda necessitada de uma guaribada na infra-estrutura!...
_(...)
_Eu já disse pra ela, seu Barão. Tava até ensinando uma reza forte, pra modo de espantá a urucubaca. Mas como o sinhô virô macumbeiro, apodia me ajudá...
_É verdade, seu Barão! O senhor entrou aqui Hare-Khrisna. Depois, virou uma mistura de Fred Astaire e Frank Sinatra. E, agora, vai virar macumbeiro?
_São tempos difíceis, minha senhora, são tempos difíceis! Sempre mantive a ética e a dignidade e nunca – nunca! – menti ao povo do Brejo! A senhora é testemunha, aliás, desse meu modo novo e extraordinário de fazer política! De todos os sonhos que tornei realidade!
_Comadre, eu vô me desfazê em lágrimas...
_Eu também, cumadizinha, eu também!...Mas, seu Barão, sabe, é que eu não estou entendendo o que é que isso tem a ver com macumba...
_Ah! É que nos resolvemos agregar riqueza aos nossos talentos naturais. Eu, o Jujuba, o Balloon e o Cadeados resolvemos implantar um novo e extraordinário empreendimento. Vai se chamar Terreiro do Caboco Fok you...
_Mas, não é um nome meio esquisito pra um terreiro de macumba?
_Absolutamente, minha senhora! Decidimos dar um certo charme ao nosso negócio. Até porque, como a senhora bem sabe, as elites do Brejo adoram um nome exótico! E depois, fok you é o que vamos fazer...
_E vocês vão abandonar a política?
_É claro que não, minha senhora! Vamos é formar grandes cadeias produtivas de cabocos...
_ Me desculpe, é que não estou entendendo...Como é que isso vai funcionar?
_É muito simples, minha senhora: cada um de nós vai ficar responsável por uma etapa produtiva. O Jujuba, por exemplo, vai cuidar da farofa e da galinha preta. Já o Barão de Cadeados vai construir o terreiro...
_Vixe Maria! Num adeixe não, seu Barão! Que aí vai sê caboco da Alemanha, pai de santo de Paris, preto velho da Dinamarca...E nunca mais que acaba, viu, seu Barão? É tanto aditivo que dá pra enrolá os States!
_Sim, seu Barão, e o lorde Balloon vai fazer o quê?
_Isso não lhe parece óbvio, minha senhora? O Balloon vai cuidar dos efeitos especiais...
_Vixe Maria! Que vai tê até exu suspenso na Babilônia!
_E o senhor, seu Barão, o que é que vai fazer?
_Eu, minha senhora, vou invocar os cabocos!
_É... O que não vai faltar é “caboco” invocado...
_Além disso, vou incorporar os santos. É só tremer assim, ó!...
_Com licença, minhas senhoras!
_Ô, seu lorde Sudão eu já tinha até me asquecido do sinhô!
_Pois é! E está todo mundo impaciente lá atrás, certo? Querendo saber, certo?, a que horas vamos entrar, certo?...
_Eu já não lhe disse, seu Sudão? É só no próximo ato!
_Mas já estamos, certo?, no próximo ato, certo?
_O que é que você acha, comadre, a gente amanda o seu Sudão entrá agora?
_(...)
_Ô comadre! Por que é que você ta aí com essa cara de paisagem?
_É que ta um vento!...A gente não ouve nada!...
_Faz o seguinte, seu Sudão: avorte lá pra trás, que daqui a pouco a gente lhe achama.
_Mas é que eu tenho um problema, certo? Eu tenho trauma de bastidores, certo?
_Não me adiga, seu Sudão! E quando foi que isso acomeçou?
_Quando eu tinha oito aninhos, certo?, e perdi a minha primeira rã...
_Vixe, Maria! Apere lá que eu vô pegá as minhas agulhas novas! Se adeite aí nesse sofá, seu Sudão, e me aconte tudo!...
_Querida correspondente, será que eu também poderia participar dessa sessão?
_Com certeza, seu Barão! Adeite nesse outro sofá e vamô fazê um coletivo de psicanálise. Comadre, apegue meus óculos e meu cachimbo e vá anotando tudo! Num aperca nada, viu!

(As luzes diminuem. Foco nos quatro: a correspondente, sentada numa poltrona, de óculos e cachimbo; o Sudão e o Barão deitados nos sofás; a Perereca, numa cadeira atrás, anotando tudo. Em BG: “Boi da Cara Preta”.)

(Continua)

(P.S.: escancarada aos leitores, amante das criações coletivas, a Perereca aceita sugestões)

2 comentários:

Anônimo disse...

Sabe de uma coisa? Prefiro a sua porção jornalista-investigativa-incisiva.
Poxa, será que perdeu o gáz?
Já estou com saudade.
Leitor assíduo.

Anônimo disse...

A Perereca está exercitando a sua porção Winne Mandela. Aquela de tanto guerrear, quando chegaram os tempo de paz passou a guerrear contra a sua própria raça só prá não perder o costume.