quarta-feira, 7 de junho de 2006

Opinião

Sobre a invasão à
Câmara dos Deputados

A democracia é uma coisa complicada. Porque obriga a uma reflexão permanente. Não, apenas, acerca de deveres. Mas de direitos.

Óbvio que, aos meus olhos, os sem-terra que protagonizaram as cenas de violência, na Câmara dos Deputados, extrapolaram os limites do Estado democrático de direitos. Haja vista os cidadãos feridos. E a depredação de um patrimônio que é de todos.

Mas, antes de condenarmos à fogueira, em rito sumário, os autores desses atos, convém buscarmos o porquê desse episódio. E a pergunta que se impõe é: existe, de fato, democracia no Brasil?

É claro que, ao equilibrista da classe média, ações desse tipo são injustificáveis. Bem ou mal, temos um teto, comida na geladeira, plano de saúde, escola para nossos filhos.

Mas e se, apesar de toda a ginástica que fazemos, ao final de cada mês, não tivéssemos nada disso? E se o dinheiro não chegasse para o aluguel? E se víssemos nossos filhos a chorar, famintos, doentes e sem qualquer perspectiva de futuro?

Pois é essa a condição desses cidadãos (?) que invadiram a Câmara dos Deputados. Nunca é demais lembrar que o Brasil não é a Europa. Aqui, pobre não tem casa e carro na garagem. Passa fome – MESMO!

Já nem se fala em escola ou conforto. Mas de uma coisa básica à possibilidade de se continuar vivo – pelo menos, hoje e amanhã.

Essa relação entre pobreza e violência é inescapável. Não dá mais para continuarmos a apelar ao misticismo – seja na forma de divindades, ou de teorias pseudo-científicas, acerca da índole “pacífica” de pessoas ou povos.

Os avanços da biologia e da psicologia nos obrigam a encarar o animal que somos. Conduzidos, muitas vezes, a ações “incivilizadas”, quer por determinantes puramente fisiológicas, quer por necessidades mentais, específicas do ser humano.

O passo seguinte desse enfrentamento é a clareza acerca da impossibilidade de completa pacificação, entre predadores territoriais.

Mas, também, a compreensão de que, para que essa pacificação permita, ao menos, a convivência societária, é preciso que a comunidade seja minimamente justa. Coisa que, todos sabemos, não é a realidade brasileira.

Pelo contrário: todos os dias assistimos a cenas chocantes acerca da escravidão – sim, é isso mesmo, ES-CRA-VI-DÃO – crudelíssima a que são submetidas as pessoas mais pobres.

Comem restos – quando há restos a comer.

Nascem, vivem e morrem que nem bicho, em barracos infectos – quando há barracos infectos para nascer, viver e morrer.

Não têm água, luz, saneamento - nada do que classificamos nem como “modernidade”, mas como elementar.

Mais cruel, ainda, é que esses neo-escravos estão aprisionados num círculo de perpétua reprodução da miséria.

O filho, o neto, o bisneto do miserável, quando muito, chegará a pobre, uma vez que a escola que lhe é dada freqüentar, pelo Poder Público, é a própria imagem da desolação, por qualquer ângulo que se olhe.

Uma vez que vive em famílias, muitas vezes, desestruturadas. E que lhe falta, na maioria esmagadora dos casos, um mero pedaço de pão.

Os episódios de sucesso advindos das classes mais pobres - e tão festejados pela mídia burguesa - são meras exceções.

Nem poderia ser diferente num sistema iníquo, que busca se perpetuar, justamente, a partir desse casamento perverso entre a pobreza e a desinformação.

Mesmo o capitalismo dos países desenvolvidos, vai se mostrando arcaico, envelhecido, diante das conquistas sociais, na área da ciência e tecnologia. O que dizer, então, desse pré-capitalismo que subsiste em países como o Brasil?

O episódio a que assistimos, escandalizados, hoje, não é diferente do que vemos, todo santo dia, em todas as ruas deste país.

A pedra atirada contra o segurança, pelo sem-terra, só difere da arma que nos é apontada pelo assaltante, pela compreensão da realidade de quem cometeu o ato.

O assaltante imagina que está agindo de moto próprio. O militante que invadiu a Câmara dos Deputados tem consciência de que a sua ação é socialmente determinada.

É claro que se lamenta pelos feridos.

Mas nunca é demais lembrar dos feridos – e dos mortos – que os miseráveis choram, todo santo dia, sem direito à comoção social, ou a uma nota de pé de página do jornal de Quixeramobim.

Para mim, portanto, as ações cometidas, hoje, são injustificáveis. Sou cidadã e respeito o Estado democrático de direitos.

Mas, e quem não é cidadão?

10 comentários:

Anônimo disse...

Ok, pensemos racionalmente... respeitemos o estado democrático de direito... mas cá pra nós, que ainda foi pouco, foi...
Ainda faltou esfregar a cara desse bando de deputados cretinos, canalhas que posam de bons moços, de honestos, de santos... e que agora posam de vítimas, de inocentes.
Faltou mesmo foram boas porradas no lombo dessa cambada, porque essa história de dizer que eles pagarão nas próximas eleições... nas próximas eleições eles estarão é rindo de nossas caras.

Anônimo disse...

Com sua opinião sobre o horrendo feito pelo MLST, como correia de transmissão, que ocorrem diariamente pelos integrante-marginais-incentivados; mostra como funciona sua cabecinha: incoerente, translúcida e rancorosa.

Devagar seus ídolos vão mostrando suas reais facetas. E você sempre tentando defender o indefensável. Mudando como um camaleão, mas sempre com colorações vermelhas.

Um dia, quem sabe, você se encontre!

PS.: Os líderes e integrantes destes movimentos, estão completamente fora do perfil relatado propositadamente por você.

Ana Célia Pinheiro disse...

Muito legal esse apelido "copulatum et malum remuneratum". É mesmo engraçado. Devia ter usado algo assim, como slogan do blog - afinal, é a minha situação...
E, sinceramente, entendo a sua revolta, diante de tantos escândalos envolvendo políticos, coisa que não é recente, aliás. Mas eu prefiro olhar a política por outro ângulo: como a nobre arte de mediar a própria convivência social. Um abraço e apareça sempre, copulatum

Ana Célia Pinheiro disse...

Anônimo:

Poderia ter deletado seu comentário, uma vez que agressivo. Mas resolvi, democraticamente, publicá-lo. Embora acredite que quem demonstra rancor e incoerência é você.
Quanto aos meus ídolos, você está enganado: não sou simpatizante do MLST - e até divirjo de muitos de seus métodos. Apenas tendo chegar à raiz de um episódio como esse. Até para escapar à superficialidade das "tentações" inquisitoriais, tão comuns na imprensa brasileira.
Quanto às minhas colorações vermelhas, tenho-as sim - e com muito orgulho. Aliás, todo social-democrata as tem. Ou você não sabia disso, anônimo?
Abraços,

Ana Célia

Anônimo disse...

Seria bom esfregar a cara desse anônimo também...

Anônimo disse...

É! Deveria, né? Aliás, comportamento típico de pseudos-sociais-democratas, como você. Que na realidade vão ao bailar de seus interesses escusos, com a manta de defender os mais necessitados, mas que na realidade querem é encher a burra do partido e da companheirada. Conheço muito bem, seu estilo. Não tente enganar os que têm um mínimo de discernimento, minha cara-pálida. Já participastes ativa e passivamente de vários partidos, escondendo quem realmente você é. Não se faça de tolinha, muito menos de rogada. Pois isso você não é, nem nunca foi. Ratifico o que disse: você tentou desvirtuar a lógica, com o discurso demagogo e hipócrita dos que os cercam e alimentam seu pequeno, mas grandiloqüente pensamento. Interessante, consegue ser diminuto, mas ao mesmo tempo intenso, para enganar ao mais incautos. Merece um estudo mais aprofundado. Acho que sua analista deve tê-lo.

Enfim, você um dia cairá em si. E se quiser, pode deletar meu comentário. Afinal você tem o poder!

Anônimo disse...

Suas observações sobre a pobreza são um insulto aos milhões de pobres que jamais invadiram, ou invadiriam, um lugar público, para destruí-lo, como foi feito pelos baderneiros de Brasília. Esá mais do que comprovado, inclusive por teipes das reuniões de preparo para as invasões - amplamente divulgados na TV - que isso foi um movimento político, conduzido por pessoas, inclusive financiadas pelo próprio Lula, que doou 5 milhões ao MSLT. Pobreza, uma ova. Fome, uma ova. Sempre há desulpas para se fazer bandidagem

Carlos Barretto  disse...

Este anônimo que lhe ofende também tem cor, embora se esconda no conforto (covardia) do anonimato. Deve ser daquela corja de aristocratas rurais, que manda matar gente em todo Pará. Ou então "lambedor de botas" de algum poderosinho de plantão. Para eles, aquele Congresso com bom ou mal cheiro, nunca importou. Talvez lhes caiba uma ditadura. Duvido se não estariam festejando. Nem parece ter lido o texto inteiro e já sai com uma deselegância destas.
Não estaria totalmente de acordo com o texto de Ana Célia, por que ainda não consegui interpretar os acontecimentos daquele dia desta maneira. Contudo, jamais formularia uma opinião da maneira que este "anônimo" fez.

Luiz Carlos FS Marques disse...

Gostei, não entro no mérito de certo ou errado, entro no mérito de quem se expõe tem que saber conviver com pensamentos diferentes.
Só não vale grosserias e baixarias, no mais, um blog está suscetível a discordâncias.
Parabéns por manter o comentário, temos que conviver com as diferenças e ter discernimento para contestá-las. E aceitá-las.
Aprendi isso com um petista radical, meu irmão.
Abraços
Luiz Carlos

Anônimo disse...

Aprendi muito